O jogo de empurra começou na manhã do dia 28 de setembro, quando a única usina de lixo hospitalar do Distrito Federal, que funcionava desde 1984 sem licença ambiental, foi fechada depois de uma blitz do Ministério Público com o Ibama. Os técnicos constataram que as águas da chuva se misturavam com o chorume, líquido poluente que escorre do lixo, e contaminavam os córregos do Valo, do Grotão e do Gatumé.
Em apenas três dias de paralisação, 90 toneladas de resíduos de material humano, seringas, luvas e gazes de 36 hospitais públicos e privados abarrotaram contêineres de clínicas e hospitais do Distrito Federal. Enquanto isso, técnicos do Ibama e as diretorias da Belacap (Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana) e da Qualix, empresa terceirizada responsável pelo lixo, discutiam o destino do material. Encontraram uma solução caseira: exportá-lo para Goiás.
Duas carretas chegaram a levar o lixo até as portas da capital goiana, em Goianápolis, mas tiveram de voltar a Brasília depois que a Secretaria de Meio Ambiente de Goiás vetou sua entrada na cidade. O que gerou um novo problema: onde armazenar o material indesejável? No dia 5 de outubro, cerca de 45 toneladas de lixo hospitalar permaneciam guardadas em três caminhões no Setor de Garagens Oficiais, próximo ao Camping Show, espaço que recebe eventos de grande porte.
O Ibama não gostou. Segundo o chefe da Divisão Técnica do Ibama, Michel Kawashita, a Belacap e a Qualix não têm autorização para deixar ali os rejeitos hospitalares. “Foi uma surpresa, um flagrante sobre flagrante”. Segundo Kawashita, a tela que cobre o material não o protege da chuva, que pode fazer escorrer o chorume. “Tinha de ser uma lona impermeável e o pior é que o período de chuva já começou. Mas de qualquer maneira ali não pode ficar”, alertou. A Belacap tenta ganhar tempo: “Não há nenhuma irregularidade no transbordo e tudo o que o Ibama decidir será feito”, garante Expedito Apolinário, diretor de Operações do órgão público.
Para o deputado Augusto Carvalho (PPS), que preside a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Legislativa, não é apenas a gestão do lixo hospitalar que anda cheirando mal em Brasília. “A relação da Qualix com a Belacap é objeto de investigações no Ministério Público, na Câmara Legislativa e no Tribunal de Contas. O diretor-geral da Belacap, Luiz Antônio Peres Flores, é primo da primeira-dama do Distrito Federal, Weslian Roriz, e está sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por enriquecimento ilícito, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa”, denuncia.
Em junho deste ano, agentes federais estiveram no apartamento de Luiz Antônio Flores em Goiânia e na sede da Belacap, em Brasília, e encontraram documentos importantes para a investigação das transações suspeitas entre o órgão público e a empresa Qualix. E também armas, dólares e pepitas de ouro, tudo sem comprovação de origem nem declaração fiscal. O deputado encaminhou ofício ao presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Manoel de Andrade, pedindo o afastamento do diretor da Belacap. A Qualix pretende se defender atacando. Já informou que vai à Justiça contra a interdição da usina de lixo hospitalar e a multa de R$ 4 milhões aplicada pelo Ibama.
Em mais uma iniciativa para ordenar o setor, no dia 7 de outubro a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente marcou uma audiência pública para conversar com donos de clínicas e hospitais particulares. Quer que eles cumpram a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que determina a separação do lixo tóxico dentro do próprio hospital.
O governo, além de livrar-se dos processos de corrupção, precisa decidir rápido para onde vai mandar o material. O secretário de Meio Ambiente de Goiás, Aldo da Silva Arantes, assegura que lá o lixo não entra. “O impasse é problema do Distrito Federal. Aqui já está decidido”, encerra.
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