Reportagens

Tragédia mapeada

A 2ª versão do mapa de conflitos ambientais do Rio de Janeiro é lançada com 480 agressões à natureza e à sociedade. O estado aparece como grande vilão.

Juliana Tinoco ·
10 de maio de 2006 · 18 anos atrás

O estado do Rio de Janeiro tem um novo mapa de seus conflitos ambientais. O estudo foi realizado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur), que mapeou 480 agressões ambientais na região fluminense, denunciadas pela população a órgãos públicos. Esta é a segunda versão do trabalho. A primeira, publicada em 2004, trazia 250 casos.

A pesquisa durou 30 meses e, repetindo o formato do primeiro estudo, buscou responder a três perguntas: quem são os principais responsáveis pelas agressões ambientais no Rio de Janeiro, qual o perfil dos denunciantes dessas agressões e que destinos têm essas denúncias, depois que chegam aos ouvidos dos órgãos competentes? Esses dados permitiram a composição de um mapa do estado, cujas informações são distribuídas por município ou região.

Foram analisados 68 municípios, 15 a mais do que na primeira edição do projeto. A região noroeste e as zonas sul e norte do estado representaram as principais atualizações. Os 230 novos casos que foram descritos no CD não significam, no entanto, que sejam os mais recentes. Além do aprofundamento dos dados anteriores, os trabalhos de campo mais abrangentes fizeram essa nova versão bem mais completa.

Na visão dos pesquisadores, foram considerados conflitos ambientais quaisquer agressões ou uso da natureza que prejudicassem grupos sociais diversos, notadamente a população de menor renda financeira, índios, quilombolas, pequenos agricultores e pescadores. Isso significa, na prática, que os danos ao meio ambiente foram medidos segundo os impactos sociais que causaram.

No rastro das denúncias

A falta de controle e fiscalização dos órgãos ambientais é citada no estudo como o principal responsável pelo surgimento de conflitos ambientais. Também o fechamento e abandono de indústrias (que geram depósitos irregulares de resíduos), além do intenso investimento nesse setor na porção norte do estado e na região do Vale do Paraíba.

Os pesquisadores descobriram que 70% das denúncias foram encaminhadas aos Ministérios Públicos Estadual e Federal e à Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Dos denunciantes, 40,3% eram moradores ou associações de moradores residentes próximos aos passivos ambientais. Apenas 5,6% das denúncias foram feitas pela imprensa e 4,5% por organizações não governamentais.

Com o inventário das denúncias em mãos, foi fácil identificar os principais vilões do meio ambiente no Rio. O próprio estado foi apontado como causador das agressões, seja por ação direta ou por omissão, em 26,8% das denúncias. As prefeituras totalizaram 19,8%, seguido pelas mineradoras, com 8,4%. Somam-se ainda uma série de indústrias, tais como químicas, de metais, petroquímicas, de energia elétrica, alimentícias e de armazenamento de resíduos, num total de 26% das denúncias.

Além da degradação causada por processos industriais, o acesso à água potável é citado como um dos principais problemas em emergência. “A cidade do Rio de Janeiro é abastecida através da Estação de Tratamento Guandu, a maior da América Latina, localizada perto de Santa Cruz, no subúrbio. Os esgotos lançados nos rios e a poluição industrial tornam as águas escassas e poluídas, o que torna a distribuição imprópria. Enquanto a estação sofre colapso, não há política de gestão dos rios”, explica um dos pesquisadores.

Jean Pierre Leroy, coordenador do projeto Brasil Sustentável e Democrático, da ong Fase, e organizador do Mapa dos Conflitos Ambientais, considera o destino do lixo tóxico como um dos mais graves problemas. “A Feema recebeu denúncias de que havia um depósito de transformadores elétricos do metrô próximo à Ceasa [Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro]. Os moradores das favelas vizinhas tiravam o óleo vegetal desses transformadores, altamente tóxico, para usar na cozinha ou em cosméticos. Graças à denúncia, a Feema removeu os transformadores de lá, mas ninguém fez nada com relação as pessoas”, conta Jean Pierre.

As zonas oeste e norte do município do Rio, além de Nova Iguaçu, Itaguaí, Volta Redonda e Barra Mansa são apontadas como áreas de sacrifício, ou seja, de sobrecarga de agressões ambientais. Esses locais não só acumulam indústrias em seus territórios, como estão propensos a maior expansão industrial.

Os órgãos públicos têm adotado a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para tentar solucionar os conflitos ambientais. Esse tipo de acordo evita que a indústria ou empresa responsável pelo dano seja fechada. Ao mesmo tempo, define medidas de compensação ambiental a serem cumpridas por elas mesmas. “Muitos colegas discordam de mim, mas o que vejo é que o TAC é uma espécie de acordo de cavalheiros. Quem não quiser cumprir, não cumpre. O pessoal já assina tendo na cabeça a idéia de ‘Eu vejo o que faço depois’”, revela Jean Pierre.

Muitos problemas e poucas perspectivas de solução fazem o pesquisador acreditar que a situação ambiental no estado do Rio de Janeiro esteja em franca piora. “A Feema está menos equipada e o trabalho do Ministério Público é insuficiente. Os órgãos precisariam se comunicar melhor. Segundo ele, é comum que, dentro da própria Feema, enquanto um departamento estuda o licenciamento para alguma indústria, na sala ao lado estejam recebendo denúncias contra a mesma, sem que ninguém ligue uma coisa à outra.

Busca interativa

E para que você mesmo possa entender melhor que conflitos ambientais são esses, o Ippur ajudou ainda mais. Tornou o CD do Mapa bem mais interativo do que a primeira versão. Com a escolha de uma referência para pesquisa, o interessado pode, por exemplo, enxergar onde estão os problemas ambientais em um mapa que só mostre os rios, ou apenas estradas, os distritos e municípios fluminenses.

Depois, é só escolher o tipo de conflito ambiental que deseja identificar. Eles foram didaticamente divididos em 18 categorias, como poluição atmosférica, sonora, da água e do solo, problemas acarretados por depósitos de resíduos químicos, lixo, esgoto, ocupações irregulares e comprometimento dos recursos hídricos para consumo e pesca. Os conflitos aparecerão como pontos vermelhos no mapa, de acordo com sua localização. Além da descrição do problema, cada um desses casos contém informações como data da denúncia, tipo de denunciante, o autor da agressão e endereço.

A mesma pesquisa pode ser feita baseada apenas em referências como tempo, autores e denunciantes. Isso permite que o interessado saiba quantas denúncias de poluição foram feitas em nome de determinada empresa, ou em que período de tempo notou-se maior incidência de vazamento de produto químico em rios.

A Fase vai colocar à venda o CD do Mapa dos Conflitos Ambientais do Rio de Janeiro através do seu site na internet: www.fase.org.br.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

Leia também

Notícias
27 de março de 2024

G20 lança até o final do ano edital internacional de pesquisa sobre a Amazônia

Em maio será definido o orçamento; temas incluem mudanças climáticas, risco de desastres, justiça ambiental e conhecimentos indígenas

Colunas
27 de março de 2024

O papel do jornalismo na construção de uma nova mentalidade diante da Emergência Climática

Assumir a responsabilidade com a mudança de pensamento significa assumir o potencial do jornalismo em motivar reflexões e ações que impactam a sociedade

Reportagens
27 de março de 2024

ICMBio tem menos de R$ 0,13 para fiscalizar cada 10.000 m² de áreas protegidas

Acidente com servidores no Amapá escancara quadro de precariedade. Em situação extrema, além do risco de morte, envolvidos tiveram de engolir o próprio vômito

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.