Reportagens

Volta por cima

Apesar das dificuldades de 2005, indústria madeireira do Pará ganhou mais dinheiro com exportação e reduziu seu consumo de matéria-prima. A floresta agradece.

Manoel Francisco Brito ·
26 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Antes de socializar entre os brasileiros os prejuízos recentes do agronegócio lançando um pacote de bondades de 75, 5 bilhões de reais para o setor, o governo deveria olhar para o que aconteceu com as exportações da indústria madeireira do Pará no ano de 2005. Ela tem uma bela lição a dar aos plantadores de soja do país. Os madeireiros, do mesmo modo que agricultores e pecuaristas, também enfrentaram problemas de infra-estrutura para escoar matéria-prima e um câmbio desfavorável. Só que tiveram sofrimentos extras, como a suspensão de mais de 200 planos de manejo que estavam em situação irregular no Sudoeste do estado e mudanças no marco regulatório, com a aprovação pelo Congresso da Lei de Gestão de Florestas Públicas.

Na prática, isso afetou sua capacidade de encontrar matéria-prima para exportação. Mas não afetou a sua rentabilidade. Números sobre as exportações de madeira do Pará que acabam de ser compilados pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do estado (Aimex) mostram que a receita obtida em 2005 com a venda de produtos madeireiros para o exterior chegou a 575 milhões 196 mil dólares, um crescimento de 5,8% em relação ao ano anterior. O aumento veio junto com uma redução no volume de madeira exportada. Em 2004, o Pará despachou para fora do país 1 milhão 184 mil toneladas de madeira. Em 2005, foram 1 milhão e 67 mil toneladas.

O consumo menor é boa notícia para a saúde da floresta onde os madeireiros paraenses vão buscar sua matéria-prima. Significa que no ano passado, eles derrubaram menos árvores. O crescimento na rentabilidade indica, como aponta Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon), uma mudança fundamental no perfil da indústria madeireira paraense. “Ela reduziu o desperdício, investiu em tecnologia e passou a exportar produtos manufaturados, que têm maior valor agregado”, diz. Graças a isso, conseguiu aumentar sua receita de exportação num ano de adversidades. A média de desperdício da indústria em 2005 ainda não foi inteiramente contabilizada pela Aimex.
Segundo cálculo do Imazon, no ano anterior ela estava em cerca de 38%. Leonardo Sobral, gerente de meio ambiente da Cikel, uma madeireira certificada pelo Forest Sewardship Council (FSC), confirma que o número baixou. “Em alguns produtos, ele caiu para 36%”, diz. E o investimento em tecnologia deu resultado. “Há três anos, poucos fabricavam pisos. Hoje, praticamente todas as madeireiras fabricam”, prossegue Sobral. Essa inovação tecnológica, conseguida com a compra de máquinas importadas sem qualquer linha de crédito subsidiada do governo, como gosta de lembrar Justiniano Neto, diretor da Aimex, ajudou a conquista de novos mercados lá fora.

Escadas para a França

“A indústria começou a produzir um piso para jardins, uma espécie de lajotinha de madeira que o sujeito pode montar sozinho na sua casa, que fez imenso sucesso na Europa”, diz ele. Outro madeireiro, acostumado a exportar madeira serrada, comprou máquina de 1 milhão de euros, financiada em cinco anos pelo seu fabricante, e passou a mandar escadas para a Europa, conta Neto. Sua receita deu um salto de 30%. Esses investimentos ajudaram a mudar também o perfil das exportações de madeira do Pará em 2005. O volume de madeira serrada e compensado exportados em relação a 2004 caiu. O de molduras, pisos, cabos de ferramenta e objetos de decoração subiu.

Dessa inesperada transformação e conseqüente bonança financeira nem as madeireiras do Sudoeste do Pará, região alvo das ações do governo de repressão ao corte ilegal de madeira no ano passado, escaparam. Luis Carlos Tremonte, vice-presidente do Sindicato das Madeireiras do Sudoeste do Pará (Simaspa), conta que sua empresa passou a produzir lâminas a partir de madeira branca, consideradas de menor valor, e teve ganhos reais com a mudança. “Começamos a produzir produtos com valor agregado e menos desperdício e o nosso preço dobrou”, diz.

Essa tendência de receita maior e consumo menor continuou no primeiro trimestre de 2006. As exportações chegaram a 148 milhões de dólares, aumento de 0, 89 % em relação ao mesmo período de 2005, mas o volume de madeira utilizado, comparando os dois trimestres, baixou 15%. Baixou também a exportação de produtos sem o chamado valor agregado. Madeira em estado bruto e carvão vegetal desapareceram da lista de exportações no 1º trimestre de 2006. Em madeira serrada a redução do volume enviado para fora do país foi de quase 20%. Produtos madeireiros beneficiados, entretanto, continuaram crescendo. Molduras, por exemplo, deram um salto de 71% nos três primeiros meses deste ano.

Neto, da Aimex, acha entretanto que vai ser difícil manter esse desempenho, pelo menos num futuro próximo. “Estamos batendo no limite em termos de capacidade de suprimento de matéria-prima”, diz. O problema está principalmente nas incertezas em torno da liberação de planos de manejo e autorizações de operação no estado neste ano de transição para 2007, quando a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que regula a concessão para a exploração florestal em terras da União entrará em vigor. Mesmo as madeireiras certificadas, que não terão grandes dificuldades de adaptação ao novo marco regulatório e previam um 2006 mais róseo, começam a ficar preocupadas.

Estabilidade

A Cikel, que tem planos de manejo aprovados em três áreas no Pará, não sabe quando vai poder voltar a entrar na mata para cortar árvores. “No nosso caso, o que assusta é a greve dos funcionários do Ibama, que não parece ter prazo para acabar”, diz Sobral. “Ainda estamos sem a autorização anual para funcionar”. “Em 2005, apesar de todas as dificuldades, ainda conseguimos operar com planos de manejo aprovados em 2004. Mas estamos quase parando. Aqui no Sudoeste, as serrarias estão operando a 30% da sua capacidade”, diz Tremonte.

Tremonte, do Simaspa, é quem tem a visão mais sombria do curto prazo. Na sua região de atuação, o Sudoeste do estado, o governo federal estima que há 40 planos de manejo em condições de voltar a operar este ano e submeteu à avaliação de seus donos um contrato que foi qualificado pelo sindicato como excessivamente leonino. Ele reclama que o texto impõe aos madeireiros prazos de pagamento pelo uso dos recursos excessivamente curtos, pede garantias que eles não têm condição de dar e ainda diz que a terra em que estiverem trabalhando este ano pode ser concedida a outro no ano que vem.

“Estamos recomendando aos nossos associados que não assinem porque eles não terão como cumprir com as condições”, diz, antevendo a paralisação de muitas madeireiras na região em 2006. Neto é bem menos radical. “O madeireiro não pede subsídio. Muito menos socorro. Ele acha que o risco é inerente ao negócio”, afirma. “Do mercado, a gente corre atrás. O que precisamos é apenas de um mínimo de estabilidade regulatória para poder trabalhar”.

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