Reportagens

Na mira de três prefeitos

O único parque nacional do mundo criado exclusivamente para proteger a vegetação de restinga fica no Rio de Janeiro, mas a pressão urbana do entorno o ameaça.

Juliana Tinoco ·
28 de julho de 2006 · 18 anos atrás

As restingas alagadas são cada vez mais raras no estado do Rio de Janeiro. E no que depender de politicagem, burocracia, demora e conflito de interesses, elas são capazes de desaparecer. Esses problemas caricatos de repartições públicas no Brasil impedem há oito anos a liberação do plano de manejo do Parque Nacional Reserva de Jurubatiba, o único no planeta destinado exclusivamente à proteção desse tipo de restinga. Enquanto a unidade de conservação não sai do papel, a visitação permanece proibida. O objetivo é impedir que a população transforme este pequeno paraíso em área de lazer e moradia.

São mais de quatorze mil hectares de parque entre os municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã, no norte fluminense. Dentro, há 44 quilômetros de praia deserta e 18 lagoas ideais para banho e repletas de espécies de peixes, algumas têm água salinizada e baixíssimo nível de poluição. Segundo uma pesquisa realizada na região, existe espelho d´água livre de coliformes fecais.

Os bichos reconhecem a qualidade de vida do parque. Aves migratórias (foto ao lado) o transformaram em parada obrigatória e espécies que já estiveram ameaçadas de extinção, como a lontra e o jacaré-de-papo-amarelo, o usam como refúgio. “Já foi encontrada em Jurubatiba uma espécie nativa de crustáceo que nunca se viu em outra lagoa do Brasil. Aqui mora também um tipo de lagarto colorido (foto abaixo) que está altamente ameaçado, pois só sobrevive em áreas de restinga”, conta Marcos César dos Santos, biólogo e funcionário do Ibama no parque.

Vizinhança

A porta de entrada para o parque e a sede do Ibama ficam no município de Macaé, que tem suas praias ocupadas por favelas e comércio – com total anuência da prefeitura. O resultado são águas poluídas, restingas e outros tipos de vegetações costeiras destruídas. A área da Jurubatiba certamente teria sofrido processo de degradação semelhante se não fosse pelo instituto de biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que criou o Núcleo de Pesquisas Ecológicas de Macaé (NUPEM).

No início dos anos 80, a área da reserva era usada para pesquisas de campo do Núcleo, mas encontrava-se bastante degradada, principalmente por causa da drenagem de grande parte das lagoas para pastagem. Em 1983, com a entrada da Petrobrás e da exploração de petróleo em Macaé, o NUPEM percebeu que o município estava a ponto de sofrer uma exploração demográfica e decidiu aumentar a presença na área para impedir que toda a restinga fosse tomada.

Francisco Assis Esteves, professor e pesquisador do Núcleo, esteve à frente do processo por busca de apoio para a criação da unidade de conservação. E conta que o que realmente salvou a região foi um caso de amor. Na época, Ricardo Soavinski, então diretor do Ibama, apaixonou-se por uma aluna do NUPEM e passou a freqüentar Macaé e a ouvir de perto as reivindicações pela criação do parque. Com o seu apoio, surgiu a perspectiva da assinatura de um decreto. Mas os fazendeiros se revoltaram ao saber do risco de perderem sua área de pasto e obtiveram apoio da prefeitura, que não queria ceder uma área tão valiosa para o mercado imobiliário.

O impasse só chegou a um fim em 1998, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Parque Nacional Reserva de Jurubatiba. “O que realmente ajudou foi a participação da imprensa. Duas matérias no Jornal Nacional e uma na Veja foram suficiente para mobilizar a opinião pública para o nosso lado”, conta Esteves.

Apesar da vitória, o parque não deixou de ser alvo de conflitos de interesse. O mapa de Jurubatiba se intercala, justo na parte litorânea, com áreas ocupadas e que, por isso, foram excluídas de seus limites. São pequenas comunidades que existiam ali anteriormente à sua criação e, como as famílias nunca foram indenizadas, não deixaram suas casas. Resultado: cresce a ocupação irregular na região.

Três comunidades ficam às margens de lagoas e têm status de balneário. Aguardam a finalização do plano de manejo e a abertura da reserva ao turismo para se firmarem como aldeias turísticas. Ao mesmo tempo, jogam esgoto nas lagoas e no mar, constroem irregularmente à beira d´água e servem de fácil acesso para qualquer um que queira usufruir de Jurubatiba sem autorização.

Além das comunidades, existem fazendas que ganharam o direito de manter sua plantação e não serem incomodadas dentro do parque. O dono de uma delas financiou a campanha do prefeito de Macaé na época da decisão. Quem também nunca precisou abandonar sua casa no parque foi Edinho Sem-Camisa. Morreu sem revelar seu nome verdadeiro e dizem as más línguas que se tratava de um perigoso pistoleiro da região. Mas boatos à parte, o fato é que Edinho não gostava de receber visitas e proibia que qualquer um pescasse na lagoa que fica em frente a sua velha casa, (foto abaixo) hoje ocupada por seu filho. Esta lagoa é uma das mais preservadas do parque.

Pressão

A unidade de conservação também sofre pressão de cidadãos abastados que tentam a todo custo se apropriar de um cantinho do refúgio. Um breve passeio de carro é suficiente para encontrar uma casa já com as paredes erguidas em meio à vegetação e outra, logo à frente, recentemente embargada pelo Ibama. Além da expansão imobiliária, não é raro encontrar quem se aproveite de um dia de sol para um mergulho nas lagoas, ainda que isto não seja permitido. O problema não é tanto o banho, mas a pesca, que é proibida em qualquer lagoa e que geralmente acompanha o programa dos intrusos.

Quem tem fazenda nas redondezas, aproveita o espaço para soltar o gado. Livre, o boi come tudo o que vê pela frente. Quem também não encontra obstáculo para suas atividades são os moradores das comunidades, que fazem fogo sem atentar para o perigo das grandes queimadas. Brigadistas são contratados pelo Ibama todos os anos para ajudar a conter os inúmeros focos que lambem parte da vegetação do parque nos meses mais secos.

Mas os principais inimigos de Jurubatiba são os prefeitos de Macaé (Riverton Mussi -PSDB), Carapebus (Rubem Vicente – PMDB) e Quissamã (Armando Cunha Carneiro da Silva – PSC), que declaram ser terminantemente contra a existência do parque. Eles incentivam construções de casas às margens da praia. A briga entre Ibama e prefeitura se estende. “Num sábado desses qualquer, fui dar uma volta próximo ao parque quando vejo as escavadeiras da prefeitura derrubando árvores. Eles iam começar a construir casas lá dentro sem nem sequer consultar o Ibama”, revela o chefe do parque, Eduardo Jalles Jardim. Ele e mais dois funcionários são responsáveis por proteger e administrar Jurubatiba, mas geralmente falta recursos para encher o tanque dos dois carros que a sede possui. O resultado é que as fiscalizações são menos freqüentes do que o necessário.

“Proteger o meio ambiente não dá voto por aqui. Por sorte, temos muita gente legal que defende o parque, mas o que precisamos mesmo é de mais funcionários, mais carros de fiscalização e, de preferência, uma sede que fique dentro do parque para tornar o controle mais efetivo”, reclama Marcos César.

Mas toda a verba que seria destinada ao parque continua presa no Ibama em Brasília, aguardando o término do plano de manejo. “O processo está em seu andamento normal, que infelizmente é lento e burocrático”, diz Esteves. Desde o começo do ano, a sede do parque recebeu pouco mais de R$1.500 por mês para todas as suas despesas. E o dinheiro para os meses futuros não está garantido, depende do Ibama ter ou não verba. “Acho que o maior problema de Jurubatiba é a ausência do Ibama, que não destina os recursos. Com o que se tem por aqui, não dá para preservar o parque”, conclui Esteves.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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