Reportagens

Regularização corrida

O DOF, novo sistema para controle de produtos florestais do Ibama, completa um mês, já identifica tentativas de fraudes e revela que a pressa foi inimiga da perfeição.

Andreia Fanzeres ·
2 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

O DOF, sistema eletrônico de controle de produtos florestais, completou no domingo das eleições seu primeiro mês de vida com um saldo de pelo menos seis tentativas de fraudes identificadas pelo Ibama. Quatro delas na gerência executiva do órgão em Imperatriz, no Maranhão. Nesses casos, empresas fantasmas conseguiram se cadastrar no sistema com CNPJs falsos e declararam estoques de madeira fictícios. Como o DOF ainda não está integrado ao banco de dados da receita federal nem das estaduais, o cadastro não foi interrompido automaticamente. Esse tempo foi suficiente para que as empresas conseguissem emitir duas autorizações para transporte, segundo informou um técnico do Ibama de Imperatriz a O Eco. Só depois os servidores suspeitaram dos dados inseridos no sistema porque as supostas empresas não tinham pastas cadastrais na superintendência do órgão em São Luís. Além disso, descobriu-se que seus dados foram inseridos a partir de um mesmo computador, com datas e horários consecutivos, sendo que as empresas hipotéticas se diziam localizadas em cidades diferentes.

O diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, sabe que nenhum sistema é perfeito e está livre de fraude. Mas, no caso do DOF, defende que nem por isso ele pode ser considerado vulnerável. “Por causa do DOF é que tem sido possível identificar tentativas de fraude e em tempo recorde em relação ao que ocorria com o sistema antigo, a ATPF”, afirma em artigo publicado aqui mesmo, no site. Eletronicamente, o sistema é digno de aplausos. Mas não é porque na época das ATPFs os crimes aconteciam com muito mais facilidade e freqüência que o novo mecanismo, como um todo, está imune a críticas. Mesmo passado apenas um mês de sua implantação.

Esse período foi chamado por Hummel de adaptação, maturação do DOF. Foi o prazo que as empresas do ramo tiveram para se cadastrar no novo sistema pela internet, regularizando, assim, sua situação. O objetivo do Ibama foi estabelecer uma espécie de marco zero. Ou seja, uma referência sobre quais são e onde estão os empreendimentos, incluindo produtores, vendedores e compradores de produtos florestais.

Até o dia 27 de setembro, 2.300 empresas do setor conseguiram se inserir no DOF. Pouco para um mercado que, segundo dados internos do Ibama e do IBGE, abarca cerca de 15 mil empresas. Para o coordenador geral de Gestão de Recursos Florestais do Ibama, José Humberto Chaves, existem duas explicações possíveis para um número tão baixo: “Boa parte das empresas estavam irregulares e não conseguiram se cadastrar e, em segundo lugar, esse comportamento é típico do brasileiro, deixando tudo para última hora”, sugere.

O aumento nas emissões de DOFs conforme se aproximava o fim do mês também foi flagrante. Até três dias do término do cadastro, cinco mil documentos de origem florestal estavam sendo emitidos por dia. Mas, apenas no dia 28 de setembro, esse número deu um salto para 20 mil. Só que para isso cabe uma terceira explicação.

Fiscalização fundamental

Quem perdeu a chance de se cadastrar pela internet nesse primeiro mês do DOF só vai conseguir se tornar legalizado no mercado depois que fiscais do Ibama verificaram no pátio a quantidade de madeira declarada e todos os documentos da empresa – por ordem de solicitação. Muito melhor foi fazer uma auto-declaração, em setembro. Informar ao sistema todos os dados e, sem checagem imediata, conseguir emitir os DOFs e comercializar a madeira. “O que chamam de marco zero é na verdade um atestado de incompetência”, afirma Marcelo Marquesini, engenheiro florestal do Greenpeace. Ele relata que esse cadastramento só foi necessário porque o Ibama, por si só, não podia fazer a migração das informações das empresas a partir de seu sistema antigo de controle, o Sismad, já que foram tantas as fraudes que notadamente os dados contidos ali não eram confiáveis.

Diante disso, nada mais coerente do que tentar começar tudo de novo para rearrumar o setor e o próprio Ibama. Mas sem perder de vista que esse também é um sistema que, para funcionar, depende fundamentalmente da capacidade de fiscalização. Sem ela, esse auto-cadastramento passa a ser um perigo em potencial.

O DOF é capaz de detectar fraudes em diferentes níveis de segurança. Por exemplo: apesar de ter sido possível inserir um CNPJ falso no cadastramento de alguma empresa, se não houvesse registro em outras bases de dados, como o Cadastro Técnico Federal, a inscrição seria bloqueada automaticamente. Outros fatores podem levantar suspeitas sobre quem quer entrar no DOF. As superintendências do instituto podem estranhar a declaração de uma determinada quantidade de madeira, por uma empresa, quando se sabe que ela não movimenta há um longo tempo. Para Marquesini, do Greenpeace, esses são alguns dos indícios que podem ser notados no sistema através do acompanhamento dos servidores do Ibama.

De qualquer modo, todas as empresas que conseguiram se cadastrar no DOF estão sujeitas a uma fiscalização no pátio, coisa que não aconteceu de maneira organizada nesse primeiro mês do DOF. De acordo com Elias Silva Pinho, gerente substituto do Ibama de Marabá (PA), todos os analistas capacitados para fiscalização estão em campo para diversas atividades, mas só farão vistoria nas empresas bloqueadas pelo DOF se por acaso em seu trajeto cruzarem por alguma. Esse esquema, assim, não permite previsão de quando elas serão fiscalizadas, o que, de pronto, derruba a garantia que Hummel deu, na época do lançamento do sistema, de que as vistorias iam acontecer imediatamente. Silva Pinho garante que foram muitas as bloqueadas, mas o Ibama de Marabá se negou a revelar mais dados sobre número de cadastramentos e bloqueios.

A assessoria de imprensa do Ibama no Pará também não quis dar essa informação, alegando que todos os dados ainda estão sendo consolidados e apenas nesta quarta-feira, numa entrevista coletiva, o superintendente fala oficialmente, inclusive sobre o suporte logístico que o Pará recebeu de Brasília para fiscalização, o que inclui lap tops, palm tops, computadores, e sistemas autotrack (para rastreio de veículos) integrados ao DOF.

Pressa e desorientação

Enquanto as unidades do Ibama ainda não falam precisamente sobre o mês crucial que passou, Justiniano Netto, diretor executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do estado do Pará (Aimex), explica que os pequenos produtores que precisam acessar a internet para se cadastrar no DOF nas unidades descentralizadas do Ibama ficaram de mãos vazias. “Não há computadores com internet para esta finalidade nos escritórios regionais. É como uma exclusão digital dentro do estado”, afirma.

Embora as empresas associadas a Netto sejam de grande porte e não precisem desse tipo de serviço, ele constatou outra dificuldade para a execução dos cadastros: falta de orientação dos servidores. “As informações que tínhamos se resumiram ao que o pessoal de Brasília dizia. O Ibama continua desestruturado no interior do estado”, diz Netto, que criticou a maneira apressada como tudo está sendo feito, apesar da transparência que o DOF oferece ser mais do que necessária do setor.

“No Pará inteiro existe apenas uma pessoa que consegue tirar dúvidas mais específicas sobre o DOF, que trabalha em Belém. É uma servidora. Quando ligamos, só passam para ela.” Diante desse quadro, Netto ainda diz que empresas do Pará que fornecem madeira foram diversas vezes procuradas por empresas compradoras, no centro-sul do país, cheias de dúvidas ao saberem que elas também deviam se cadastrar no DOF. “Os compradores diziam que nas representações do Ibama nos estados do Sudeste não conseguiam obter informações sobre o novo sistema, por isso ligavam para o Pará”.

Marquesini acredita que, se por um lado o bloqueio das empresas pressupõe um rigor maior no controle dos produtos florestais, por outro pode estimular um efeito indesejável. “Se é difícil estar dentro do sistema, muitos trabalharão fora dele”, especula o engenheiro do Greenpeace. “Não é difícil burlar algum documento já impresso. É só uma folha, emitida por qualquer impressora. Se a fiscalização não tiver acesso online vai ser complicado”, diz. De acordo com dados do Ibama, até o dia 29 de setembro os computadores do instituto registraram aproximadamente 55 mil transações com DOF no país.

Mas Hummel defende que o bloqueio de algumas empresas pode ser positivo para a construção do que chamou de ‘mapa da ilegalidade’. “Com os bloqueios, a gente consegue identificar as empresas que estão tentando burlar”, opina. Além disso, diz que por conta da atenção dos funcionários do Ibama à movimentação que acontece no DOF pela internet e através do cruzamento de mais dados internos do órgão, a integração das informações cadastrais à receita federal não era fundamental neste primeiro mês. Mas num segundo momento admite que isso também será feito. “A interligação já está sendo providenciada, inclusive com outras entidades e com o sistema dos outros estados para facilitar a fiscalização”, promete.

* Colaborou para esta reportagem Aline Ribeiro.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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