Reportagens

O ambientalista acidental

Arnold Schwarzenegger se interessou por meio ambiente por questão de sobrevivência política. Sorte da Califórnia, que sob sua batuta está vivendo uma revolução ambiental.

Adriana Maximiliano ·
3 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

Arnold Schwarzenegger escreveu uma dúzia de livros, estrelou outra dúzia de filmes, casou-se com a jornalista Maria Shriver, sobrinha de três famosíssimos Kennedys – John, Bob e Ted – e teve quatro filhos. Mas só agora, perto dos 60 anos, começou a pensar em plantar uma árvore. A consciência ecológica nunca foi o forte do ex-Mr. Universo e, por enquanto, ex-ator, até ele resolver ser candidato do partido Republicano ao governo da Califórnia. Era uma questão de fazer uma campanha com um mínimo de chances de vitória num estado em que 87% dos eleitores, segundo as últimas pesquisas, levam a situação do meio ambiente em conta na hora de votar. Apesar da conversão recente ao tema, desde que tomou posse em 2003, Schwazenegger anda fazendo história na área ambiental.

O mais novo capítulo dessa saga verde do governador apareceu numa lei assinada por ele em 27 de setembro, o “California Global Warming Solutions Act”, que exige uma redução na emissão de dióxido de carbono do estado em 25% até 2020 – algo como recolocá-la nos níveis de 1990. A lei foi criada por políticos democratas e vários deles o acusaram de protelar a sua aprovação na Assembléia Legislativa estadual. Mas o último ato de todo esse episódio, a assinatura, coube a Schwarzenegger e ele faturou pontos com o eleitorado. A legislação, prevista para entrar em vigor em janeiro do ano que vem, pode ser suspensa por mais um ano caso o governador tenha razões para acreditar que ela vai causar um prejuízo econômico significativo. Concretamente, no entanto, é difícil que Schwarzenegger vá adiar a estréia da lei.

Ele provavelmente arranharia o verde com que vem há algum tempo retocando a sua imagem. Desde que assumiu o governo, o homem tomou uma série de iniciativas em favor do meio ambiente que prometem transformar radicalmente o perfil ambiental de seu estado. Foram oito no total, entre leis, projetos e programas, alguns até obrigando o estado a assumir funções que estão nas mãos do governo federal. A Califórnia sob Schwarzenegger, por exemplo, meteu-se em preservação de oceanos, aumentando o controle sobre a água de lastro de navios que atracam em seus portos. O governador pressionou construtores para tornarem painéis solares padrão nas casas e prédios levantados no estado, tem um plano para instalar 200 postos de hidrogênio nas estradas interestaduais e investiu 624 milhões de dólares no transporte público este ano, um aumento de 220% em relação ao dinheiro investido em 2005.

Além disso, passou uma lei protegendo 25 milhões de acres na Sierra Nevada, de onde sai 65% da água consumida na Califórnia e envolveu-se numa campanha junto aos donos de veículos para que eles se livrassem de carros velhos e poluentes. Mais de 7 mil desses automóveis viraram sucata. “Quando eu concorri para o cargo de governador, prometi fazer do meio ambiente a peça central do meu governo”, lembrou Schwarzenegger em agosto, ao anunciar a nova lei de energia que, entre outras medidas, vai transformar a energia solar no sistema padrão das novas casas da Califórnia. Politicamente, afastou-se do presidente George Bush, do seu partido e cuja capacidade de fazer corpo mole em relação a questões ambientais já virou uma lenda nos Estados Unidos, e foi buscar aliados internacionais para suas medidas em defesa do meio ambiente.

Discurso e prática

Há dois meses, em Long Beach, Schwarzenegger fez um pacto de combate ao efeito estufa com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair. O Reino Unido e a Califórnia se comprometeram a trocar experiências e buscar soluções em parceria para o problema. No ano passado, ele já havia procurado o primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, para fazer outro pacto, referente ao hidrogênio. Num estado em que oito em cada dez pessoas consideram o aquecimento global tão ameaçador para a economia quanto para a qualidade de vida, a estratégia de Schwarzenegger para conquistar o eleitor parece perfeita. Para deixar claro que o meio ambiente é o mote da reeleição, ele também lançou um site, Green California, e até seu ônibus de campanha ficou verde e ganhou um painel com a imagem do Parque Nacional de Yosemite, atração de Sierra Nevada. Referência ao partido Republicano no caminho verde para a reeleição? Não há nenhuma.

Se a conversão política de Schwarzenegger ao ambientalismo, ainda que tardia, foi avassaladora, o mesmo não se pode dizer de sua conversão pessoal. O governador, que há muito adora andar em jatinhos particulares e tem um gosto preferencial por motocicletas grandes e carros maiores ainda, só recentemente começou a mudar seus hábitos. Há dois meses, colocou sua coleção de Hummers – o mega jipe que emite três vezes mais dióxido de carbono do que um carro comum – à venda. Mas isso não aquietou seus adversários. A equipe do democrata Phil Angelides, o rival insosso de Schwarzenegger nas eleições do próximo dia 7 novembro, faz de tudo para mostrar que a face verde do governador é apenas uma máscara. “Ele já admitiu publicamente que deixa a temperatura de sua casa nos 15º C durante o verão”, acusou o conselheiro de campanha de Angelides, Bob Mulholland, numa entrevista para a Salon.com.

Os ataques não são novos. Em 2004, a GM fez uma versão experimental movida a hidrogênio e deu de presente ao governador, que já tinha uma frota de quatro Hummers. Na ocasião, Schwarzenegger lançou o projeto Hydrogen Highway (Auto-estrada de Hidrogênio), que já recebeu US$ 6,5 milhões para a construção dos postos de hidrogênio na Califórnia. Um ativista interrompeu o governador inúmeras vezes para gritar com um megafone: “A Hummer isn’t clean and Arnold isn’t green!” (“Um Hummer não é limpo e Arnold não é verde!”). O problema com eles é que além de não surtirem muito efeito junto ao eleitorado, o governador parece sempre ter alguma nova medida ambiental na manga para jogar na cara dos críticos.

No mês passado, o procurador-geral da Califórnia, Bill Lockyer, sob inspiração do chefe, processou a GM e outras cinco grandes fabricantes de automóveis dos EUA e do Japão por danos relacionados à emissão de gases causadores do efeito estufa, incluindo a saúde dos californianos e o meio ambiente. E o estado vai obrigá-las, a partir de 2009, a colocarem um selo em todos os carros 0km vendidos em seu território mostrando quanto de gases poluentes eles emitem. Mesmo que tudo isso não passe de postura política, o fato é que Schwarzenegger embicou a Califórnia num rumo de proteção ambiental que não parece ter volta. E ele não podia ser mais bem-vindo. Se a Califórnia fosse um país, teria a sexta maior economia mundial, uma estatística que a coloca ombro a ombro com os maiores poluidores do planeta. Nos Estados Unidos, só um estado lança mais emissões na atmosfera do que ela: o Texas.

Escudeiro

Schwarzenegger trata seus feitos na área ambiental com razoável dose de humildade. Numa entrevista no ano passado para a revista OnEarth, disse que não sabia o que se passava com o planeta até virar candidato ao governo estadual. E uma vez empossado, ao invés de ditar o que deveria ser feito pelo meio ambiente, contratou alguém para lhe dizer o que fazer. A honraria recaiu sobre um democrata, Terry Tamminen, que lhe foi indicado por Robert Kennedy Jr, outro democrata, primo de sua mulher e deputado no Congresso americano. Durante todo o governo, Tamminen teve reuniões diárias com Schwarzenegger e deu uma aula valiosa de defesa do meio ambiente para o governador. Foi Tamminen, inclusive, quem levou o chefe para assistir ao novo filme do democrata Al Gore sobre aquecimento global, “An Inconvenient Truth”.

Ex-diretor da fundação Environment Now, ele virou o cérebro verde por trás do homem que quer transformar a Califórnia num modelo ecológico para os Estados Unidos. No entanto, ele não vai estar ao lado de Schwarzenegger num eventual segundo mandato. Participa da campanha de reeleição, mas avisou que tão logo ela acabe, vai se dedicar a escrever um livro contra o consumo de petróleo e dar consultoria para empresas privadas. Os republicanos mais ortodoxos gostaram da notícia. Os ambientalistas, odiaram. Temem que sem Tamminen ao seu lado, o governador fique reduzido a apenas mais um exterminador do futuro.

* Adriana Maximiliano é jornalista e vive em Washington, D. C.

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