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Pesquisa da WWF e Ibope mostra que os brasileiros não concordam que meio ambiente é obstáculo, como Lula vem apregoando. Crescimento não valida degradação, diz a maioria.

Gustavo Faleiros ·
20 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

Para quem anda desanimado com as demonstrações de cidadania do povo brasileiro, um alento: a população não aceita e se cala diante tudo que acontece em Brasília .Uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira confirma o que o presidente Lula ainda não aparenta saber: a maioria não engole o discurso que o meio ambiente impede o crescimento do país. De acordo com um levantamento da WWF-Brasil (World Wildlife Fund) encomendado ao Ibope, a maioria dos brasileiros (62%) tem plena convicção de que o que realmente trava o desenvolvimento é corrupção. Também foram mencionados os “entraves” dos juros, da burocracia e em último lugar, estava lá, com apenas 7%, as restrições ambientais.

A pesquisa da WWF ouviu 1001 pessoas em 217 municípios em todas as regiões do país. Os entrevistados foram escolhidos proporcionalmente à composição etária, de renda e de escolaridade do país. O resultado não poderia ter sido mais oportuno no momento em que se acirra o debate sobre crescimento econômico e meio ambiente. A maior parte das pessoas (64%) afirmou ser possível conciliar desenvolvimento com proteção dos recursos naturais. Apenas 10% disseram acreditar que é impossível crescer sem degradar.

Entre os dados que mais animaram os ambientalistas da WWF está a declaração de que 80% dos entrevistados não aceitam conviver com mais degradação ambiental mesmo que isso represente mais emprego e renda. Essa constatação, na opinião do diretor de Políticas Públicas da ONG, Mauro Armelin, indica que na cabeça do brasileiro não existe antagonismo entre desenvolvimento e qualidade ambiental. “Isso mostra que a sociedade quer um crescimento que respeite os recursos naturais, que leve em conta as peculiaridades de cada região”, observou.

A pesquisa da WWF também avaliou a performance do governo Lula na questão ambiental. As respostas não deixam de surpreender. Mesmo que 33% dos entrevistados tenham dito que não concordam de nenhuma forma com a declaração do presidente de que “índios, quilombolas, ministério público e ambientalistas” são uma pedra no sapato, 44% deles julgaram que a gestão petista dá relevante importância à questão ambiental. Na visão de Armelin, isso claramente demonstra que a população reconhece como boa a atuação da ministra de Meio Ambiente, Marina Silva.

Outro ponto que pode deixar até os mais céticos um pouco mais esperançosos é a lista de problemas ambientais que mais preocupam os brasileiros. Assim como em uma pesquisa feita em 2004, a poluição da água aparece em primeiro lugar, como questão que consterna 52% dos brasileiros. A surpresa se deve ao segundo lugar, onde aparece o desmatamento, citado por 49% dos entrevistados. Antes o desmatamento não figurava entre as preocupações principais. “A sociedade brasileira não está satisfeita com o padrão de avanço da fronteira agrícola na Amazônia”, interpretou o superintendente de Conservação da WWF, Carlos Alberto Scaramuzza.

Banho demorado

O comportamento dos brasileiros com relação à água, o elemento da natureza que a população mais identifica com parte do meio ambiente, foi amplamente mapeado pelo levantamento da WWF. É interessante o dado que mostra que de 2004 para cá, elevou-se de 19% para 23% o número de pessoas que alega ter baixo consumo de água e exercer muito controle sobre o uso. A maioria, 33% afirma ter consumo médio e alto controle. Apenas 20% dos entrevistados confessaram tomar banhos com duração acima dos dez minutos. Parece ótimo, mas o coordenador do programa de Água para Vida do WWF, Samuel Barreto, acha que o número não reflete a realidade. “Acho que as pessoas tomam banhos mais longos, mas pelo menos elas já têm vergonha de admitir”, frisou.

Quando se trata de água não deixam de aparecer dados contraditórios. Por um lado, 91% das pessoas ouvidas disseram que fecham a torneira quando escovam os dentes. Mas por outro, muitas delas contaram que ainda têm o hábito de lavar calçadas e quintais com frequência assustadora. Dos entrevistados, 94% moram em casas, e destes, 48% lavam seus quintas semanalmente, e 7% o fazem diariamente.

A pesquisa foi entregue nesta quarta-feira à ministra Marina Silva e pode ajudar a conduzir políticas de conservação dos recursos hídricos. Isto porque, há dados que mostram uma grande disposição da população em contribuir com medidas de racionamento. Para 44%, o consumo de água está próxima do ideal, enquanto 55% declararam que podem diminuir o uso em seus domicílios. Entre as ações citadas para a redução, 31% mencionaram o tempo de banho, 26% falaram da torneira quando escovam os dentes, e 15% aceitam lavar com menor frequência seus quintais. A força desta disposição em contribuir está no dado no qual se vê que 90% acreditam que o Brasil terá problemas com água nos próximos anos.

Na opinião de Barreto, ao se comparar os dados desta pesquisa com os 2004 se vê claramente a consolidação de uma consciência ambiental no país. Por outro lado, poucos conhecem os instrumentos públicos para a proteção dos recursos naturais, como a cobrança pelo uso da água e os comitês de bacia. O desafio é mostrar que estas ferramentas podem ser tão utéis quanto cortar alguns minutos no banho.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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