Reportagens

Obra de ficção

Depois de consolidar a hegemonia política, o socioambientalismo chega ao horário nobre da Globo com minissérie que enaltece o movimento extrativista de Chico Mendes.

Gustavo Faleiros ·
21 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

Finalmente, no dia 2 de janeiro, a TV Globo mostrará o resultado de 8 meses de filmagens sob o que ainda resta de árvores no solo do Acre. É a data marcada para a estréia de “Amazônia. De Galvez a Chico Mendes”, nova minissérie da emissora que tem a intenção de contar a história desse estado amazônico sob a ótica dos seringueiros. Tudo indica que a trama vai reforçar o mito que os transformou, desde a morte de Chico Mendes em 1988, em defensores do meio ambiente.

A autora da minissérie, a acreana Glória Perez, afirma que quer dar ao público pouco mais do que os tradicionais romances globais com pano de fundo histórico. Pretende alimentá-lo também com as velhas mensagens acerca da cobiça externa sobre a região. “Minha expectativa é que a minissérie ponha na ordem do dia a discussão sobre a Amazônia e leve o Brasil a se interessar tanto por ela quanto os estrangeiros já se interessam desde os remotos tempos da conquista do Acre”, diz.

A trama de “Amazônia” está consolidada sobre três personagens históricos do Acre. Contará primeiramente as aventuras de Luiz Galvez, um jornalista espanhol que no fim do século 19 confabulou com políticos brasileiros para retirar o território acreano da mão dos bolivianos. Depois, a minissérie vai reproduzir a revolução acreana comandada pelo gaúcho Plácido de Castro, que no início do século 20 acabou de vez com as pretensões da Bolívia sobre o Acre. Por fim, retratará a luta do líder sindical Chico Mendes, que será interpretado por Cássio Gabus Mendes.

É em torno deste último personagem que Glória Perez vai tecer as mensagens ambientais de sua minissérie. Mas o conteúdo terá cunho marcadamente social. A minissérie terminará exatamente com a morte de Chico Mendes e, segundo a autora, isso dará a oportunidade para que o público conheça as idéias do líder seringueiro de unir natureza com luta social – uma mistura que em geral deixa cicatrizes na natureza.

Pesquisa

O tom socioambiental da minissérie foi em grande parte dado pelos herdeiros políticos do líder seringueiro no Acre, chamados para evangelizar as pessoas envolvidas com a produção, e pelos consultores que a Globo contratou para ajudar Glória Peres a costurar a sua história. No início das filmagens a ministra Marina Silva fez uma palestra aos atores em Rio Branco. Nela, falou de sua vida no Acre, da época em que trabalhava nos seringais. A antropóloga e ex-secretária da Amazônia do Governo Federal, Mary Alegretti, responsável em grande parte pela propaganda que transformou Chico Mendes em ambientalista, também foi uma das interlocutoras da dramaturga.

Glória Perez ouviu ainda conselhos do governador do Acre, Jorge Viana, e do jornalista Toinho Alves, os mentores do conceito que valoriza o modo de vida dos extrativistas da Amazônia. “Eles [Marina Silva, Mary Alegretti, Jorge Viana e Toinho Alves] deram uma contribuiçao muito preciosa, tanto para os atores quanto para mim. A visão da minissérie é absolutamente harmônica com a visão que eles têm sobre o assunto”, afirma.

No blog da própria Glória Perez, o “Blog da Autora” dá para se ter uma dimensão de como foi feita a pesquisa para retratar os momentos históricos do Acre. É claro que por ser o personagem mais recente, Chico Mendes foi desenhado a partir dos relatos mais quentes, dos amigos e familiares. “O risco de retratar uma personagem histórica é não deixar escapar sua humanidade, é driblar a possibilidade de que ela se transforme numa bandeira apenas. Então perguntávamos para as pessoas: do que é que ele gostava de falar quando não estava falando da causa da floresta, que música gostava de ouvir, essas coisas”, relata a dramaturga.

Os primos de Chico Mendes, Nilson, Zuza, Duda e Raimundão ensinaram a atores globais as peculiaridades da vida dos seringueiros. Equipes da Globo se embrenharam pelas reservas e assentamentos extrativistas com os parentes de Chico Mendes para que pudessem aprender como retirar leite de seringa e colher castanha. Por outro lado, os parentes foram as fontes para a história do movimento dos extrativistas.

Ainda hoje um líder sindical em Xapuri, Raimundão detalha como agiam os criadores de gado da região, que contratavam capatazes para expulsar os seringueiros. Ele recebeu em sua casa na reserva Chico Mendes os atores que vão interpretar os pistoleiros e grileiros. “Parece que ele estão fazendo tudo direitinho”, diz. “Vão contar algo bem próximo da realidade”. Ou do mito Raimundão (foto ao lado).

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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