O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, em reunião na tarde desta quinta-feira, uma resolução que pode abalar as bases da indústria ilegal do desmatamento na Amazônia. Em seu voto de número 13, o órgão que regula as transações financeiras no País decidiu que quaisquer empréstimos na modalidade de crédito rural na Amazônia, seja de bancos públicos ou privados, só serão aprovados com a apresentação de Certificado de Cadastramento de Imóvel Rural (CCIR) e comprovação de respeito à legislação ambiental (licença, averbação de reserva legal, áreas de preservação permanente). As medidas passam a valer a partir de 1º de julho, quando inicia o plantio da safra 2008/2009.
A resolução, no entanto, não atingirá assentamentos da reforma agrária e empreendimentos de agricultura familiar, mesmo diante de evidências que os pequenos produtores contribuem hoje com 18% da destruição na Amazônia.
Para o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente João Capobianco, a medida é estratégica para o combate ao desmatamento na Amazônia, pois concretiza uma política de liberação de créditos associada à verificação da adimplência ambiental de proprietários rurais. “A medida é central para garantir a eficácia do decreto publicado pelo governo em dezembro”, diz.
A concessão de financiamentos mediante critérios ambientais faz parte de um conjunto de ações do Decreto 6.231, de 21 de dezembro de 2007, que estabeleceu medidas para prevenir, monitorar e controlar o desmatamento na floresta tropical.
Segundo Capobianco, as novas regras editadas pelo Conselho Monetário Nacional devem ter maior impacto no próximo plano de safra. Os financiamentos para atividades agropecuárias no primeiro semestre já foram liberados. “Como sinalização já ajuda, mas a eficácia será maior nos créditos oferecidos no segundo semestre”, explica.
Como vai funcionar
Não vai custar muito, pelo menos em termos de tempo, ao governo federal implementar a decisão do CMN. A razão é simples: os critérios já estão definidos pela legislação em vigor. Para conseguir dinheiro em bancos, o produtor rural terá que ter título definitivo da sua propriedade e fazer o seu cadastramento. Em outras palavras, vai ter que passar a bancos e órgãos de governo as coordenadas geográficas de sua fazenda, o que permitirá, através do uso de imagens de satélite, ver se ele tem lá dentro um passivo ambiental.
Se o seu título estiver em ordem e a análise via satélite mostrar que sua propriedade tem a reserva legal, seu pedido de empréstimo será aprovado sem problema. Mas se for detectado um passivo ambiental, ele terá que rebolar e negociar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a instituição financeira para por a mão no dinheiro. O TAC terá que necessariamente prever um plano de recuperação da área, que precisará ser aprovado pelo órgão de meio ambiente de seu estado. “Com o cadastro da propriedade através de suas coordenadas, os bancos e governo poderão monitorar se o plano de recuperação está sendo feito, incluindo no empréstimo inclusive penalidades financeiras caso isto não aconteça”, diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon.
Veríssimo conta que a medida tomada pelo CMN era o grande pavor do setor rural na Amazônia, que há décadas consegue financiamento do mesmo modo que seus pares de outras regiões do Brasil, isto é, sem seguir o que diz a lei sobre o meio ambiente. “Eles sempre disseram que a demanda pelo cadastramento não era cumprida porque não era exigida pelos bancos”, lembra ele, que acha a decisão do Conselho Monetário “importantíssima para conter o desmatamento na Amazônia”.
Portanto, o cadastramento de uma propriedade até hoje era visto como um atestado de burrice entre os ruralistas. Era uma maneira de deixar à mostra um passivo que ninguém – nem os governos e muito menos os bancos – estavam pedindo para ver. Agora a coisa mudou. Infelizmente não para todo o mundo.
“É, nada é inteiramente perfeito”, suspira Veríssimo quando é lembrado que a decisão do CMN não vale para os assentamentos e agricultores filiados ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) que estão na Amazônia. Mas ele prefere analisar essa isenção com uma dose de otimismo. “Podia ser melhor, mas já é muito bom. A medida já vai sufocar o dinheiro que financia os responsáveis por 80% do desmatamento na região”, diz. “E isso vai colocar mais luz e mais pressão sobre esses 20% restantes de desmate, que são causados por assentados e agricultores”. Em outras palavras, Veríssimo acha que a partir de agora será possível exigir regras para fiscalizar os pequenos e começar a pensar em dar fim a uma característica típica dos assentamentos do Incra na Amazônia: a completa falta de licenciamento ambiental.
Quem vai ser afetado
A diretora do Instituto Sócio-Ambiental, Adriana Ramos, alerta que a medida tem bom potencial para atingir a pecuária, mas poderá passar ao largo da produção de soja. Segundo ela, as grandes empresas do setor funcionam quase como bancos, pré-financiando a produção no País. “É uma das medidas mais efetivas que já seu viu acontecer, pois ataca a estrutura das atividades econômicas, mas sua implementação precisa ser avaliada daqui pra frente”, diz.
Conforme Capobianco, a produção de soja não escapará do controle governista devido aos embargos em áreas ilegalmente desmatadas. “Aquilo que é auto-financiado será atingido por esses embargos, definidos desde dezembro passado em todo o País e para qualquer atividade econômica”, avalia.
O assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura, Rodrigo Justus, afirma que, embora, não tenha ainda lido em detalhes a resolução do CMN, acha as novas regras “preocupantes”. Isso porque com as novas exigências de cadastro e licenciamento a demanda sobre os órgãos federais e estaduais de meio ambiente aumentará significativamente, sem que os mesmos tenham recebido investimento em pessoal e infra-estrutura. “Há pedidos de cadastramento feitos ao INCRA que nunca são respondidos”, reclama. Ele lembra que com o aparato de fiscalização que está sendo mobilizado agora em algumas regiões da Amazônia, a lentidão para aprovar licenças e requerimentos deve se tornar ainda pior.
Em Mato Grosso, a Federação da Agricultura e Pecuária do estado (Famato) ainda não calculou os prejuízos que a medida trará aos produtores, mas acredita que os efeitos serão sentidos principalmente na safra de setembro-outubro de 2008. De acordo com Rui Prado, presidente da federação, os impactos serão enormes, por mais que, no fim das contas, os bancos financiem 20% da produção de grãos e fibras no estado. O resto fica por conta das tradings, como Bunge, Cargill e ADM, que não foram afetadas pela resolução do CMN.
“É um absurdo atrelar o problema ambiental ao fundiário”, considera Prado. Ele diz que das 120 mil propriedades de Mato Grosso, pouco menos de seis mil estão cadastradas na Sema, embora Prado garanta que também existam muitas fazendas regularizadas que ainda não constam no sistema de licenciamento do estado. Só que não necessariamente as cadastradas estão com reserva legal averbada ou áreas de preservação permanente regularizadas, requisitos agora exigidos pelo governo federal para a obtenção de financiamentos rurais. Muitas delas, para não dizer quase todas, cumprem em tese termos de ajustamento de conduta.
“Não é culpa do produtor. Não queremos ser penalizados, mas ficamos enroscados na burocracia de órgãos como o Incra, a Sema, o Ibama e o Intermat (Instituto de Terras de Mato Grosso)”, reclama. Ele cita que o Incra, por exemplo, tem mais de 2.800 processos emperrados de georreferenciamento de propriedades em Mato Grosso.
*colaboraram Gustavo Faleiros e Andreia Fanzeres
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