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Por um triz

Com apenas 20 indivíduos para contar a história, espécie da Mata Atlântica é descoberta em morro do Rio, atrás da sede do governo estadual. Planta sobrevive em um hectar.

Bernardo Camara ·
25 de março de 2008 · 16 anos atrás

Mesmo em frangalhos, a Mata Atlântica ainda guarda boas surpresas debaixo dos seus 7% de floresta que resistem pelo Brasil. Uma delas foi encontrada há quatro anos, em Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro. Com seu modesto um metro de altura, a Calathea reginae foi coletada no morro Mundo Novo, que sobe bem atrás do Palácio da Guanabara, sede do governo estadual. Mesmo com a vegetação sendo empurrada pela favelização que avança nas costas do executivo fluminense, a planta conseguiu se manter numa dimensão que hoje não passa de um hectar. A roupagem científica chega em breve, com sua descrição sendo publicada em abril na revista inglesa Kew Bulletin.

Da família Marantaceae, a caloura dos livros de botânica já surge na corda bamba da extinção. “Ela só ocorre nas matas atrás do Palácio Guanabara, é endêmica pontual. No mundo inteiro, só tem ali”, alerta o pesquisador João Marcelo Alvarenga Braga, responsável pela descoberta. Segundo o especialista, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o risco da reginae desaparecer para sempre é traduzido em números: “Devem restar uns 20 indivíduos”.

Apesar de ter sobrevivido por décadas à invasão cafeeira e, mais tarde, à dos homens, a espécie atualmente está ilhada. De um lado, prédios. De outro, árvores estranhas ao ecossistema local. “Nos anos 1920, houve corte raso em toda a vegetação dali, pois era área de expansão. Entrando um pouco na mata, você ainda encontra pé de café, além de muita planta exótica. A Calathea reginae ocorre num pedacinho de mata que sobrou”, diz Braga.

Contradizendo o que normalmente ocorre por aí, o que salvou a planta foi justamente a aquisição do terreno em que ela se encontra pela iniciativa privada. A área onde os remanescentes foram recolhidos pertence à Universidade Santa Úrsula, que resolveu proteger o pequeno trecho de floresta que margeia o campus.

Chances de vida

Impressionado com a descoberta em meio a uma floresta urbana do Rio, João Marcelo Braga não esconde os riscos de sobrevivência da espécie: “Por si só, ela já está criticamente ameaçada, pois não ocorre em unidade de conservação e está num ponto que já teve muito uso. Estamos tratando de um local cercado de prédios, casas, pessoas, carros e ruas”.

O pesquisador conta que a Calathea reginae já ganhou um pedaço de terra no arboreto do Jardim Botânico, numa medida de conservação ex-situ. Mas reconhece que a ação não é suficiente. “O que podemos fazer é buscar a conservação de sua semente e introduzi-la em nosso arboreto. No entanto, isso não quer dizer que ela está protegida. A planta em si vai estar preservada, mas sua biodiversidade, não”.

Segundo Braga, o outro papel que o instituto pode desempenhar é o de alerta às autoridades. A partir de um laudo técnico, os órgãos de fiscalização e proteção ao meio ambiente vão ficar sabendo da situação desfavorável da espécie. Ele, porém, não se ilude com a possibilidade de a área ser rapidamente protegida: “No Rio, a política de conservação de espécies ameaçadas é um pouco precária”, lamenta, ao lembrar que este é o único estado do sudeste brasileiro a usar uma lista da flora ameaçada absolutamente defasada.

“A gente usa uma antiga, do Ibama, da década de 90, que contém um pouco mais de cem espécies. Hoje, certamente, esse número passa de mil”, diz. O JBRJ, junto com algumas universidades iniciou um novo inventário para atualizar o ranking, ainda sem previsão para ficar pronto. “Na prática, raramente existe alguma iniciativa efetiva do poder público em proteger pontualmente as espécies ameaçadas, endêmicas ou raras da nossa flora. Infelizmente, é muito provável que, em pleno século 21, muitas plantas da nossa flora estejam sendo extintas, até mesmo antes de serem descobertas por nós cientistas”.

De uma família ainda pouco conhecida pelos pesquisadores – Marantaceae – a herbácea encontrada por Braga vai ter que mostrar a que veio para garantir sua sobrevivência. Com uma beleza exótica e entregue à própria sorte pela distração do poder público, sua aparência é a última cartada para deixar o estado terminal e continuar integrando a lista das mais de 500 espécies entre as Marantaceae. “É uma planta que tem seu valor ornamental, pode ser introduzida em áreas de cultivo. Talvez isso venha a salvar a espécie”, diz Braga, esperançoso.

  • Bernardo Camara

    Bernardo Camara é jornalista formado pela PUC-Rio. Desde 2007 dedica-se a temas ambientais e de direitos humanos. Viveu por 4...

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