Chegara a hora de deixar a região onde podem ser construídas as hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá e retornar a Santarém, onde faríamos as últimas entrevistas e pegaríamos o avião de volta ao Rio de Janeiro. Escolhemos como caminho para Santarém o mais seguro, reto e sem buracos ou poeira. Também escolhemos um transporte mais espaçoso e sociável, com lanchonete e tudo. Em vez de usar a Transamazônica e a BR163 para percorrer a distância entre Itaituba e Santarém, preferimos a mais antiga “estrada” da região: o Tapajós.
Não é a toa que as cidades e vilas que visitamos – Santarém, Itaituba, Jacareacanga e Pimental – estão a sua margem. Muito antes das ainda precárias estradas da região, o povo de lá usava mesmo era a água. Os rios locais eram o único meio de locomoção e a principal fonte de proteína na alimentação dos nativos. Fazem parte da paisagem pequenas lanchas com motores de rabeta ou os “quarentões”, apelido de um motor específico de 40 cavalos usado em travessias mais longas. Motor nessa região é abreviação para motor de barco, e distância é medida em “hora de motor”, já que rio não tem placa de quilometragem.
O Veloz II
Os barcos típicos da região são os “Gaiolas”, também chamados de “Recreio”. São barcos altos que costumam ter dois decks amplos, com colunas laterais, onde os passageiros penduram suas redes e assim se acomodam durante viagens que podem durar dias. Ao longo de cerca de 300 km, a volta de Itaituba para Santarém nesses barcos costuma durar 14 horas. O barco deixa Itaituba às 16 e chega em Santarém às 6h do dia seguinte.
Estávamos decididos por essa opção e na noite de véspera da partida fomos comprar a passagem no próprio gaiola que partiria no dia seguinte. O píer onde esses barcos ficam atracados é bem em frente à área central da cidade. Descemos por tábuas bambas e alcançamos o convés, onde encontramos 3 distintos marinheiros jogando cartas e bebendo sem camisa. “Boa noite, gostaríamos de comprar duas passagens para Itaituba”, anunciamos. Um deles moveu levemente o rosto, a sobrancelha, tomou seu tempo, e respondeu: “só com o chefe e ele está tomando banho”. Perguntamos o preço de um camarote, pois não tínhamos rede e carregávamos bastante equipamento fotográfico. “180 para os dois”, respondeu sem tirar os olhos do carteado o mesmo marinheiro. Bem, jantamos, voltamos ao mesmo barco e falamos com o tal chefe. Para encurtar, ele também falava de lado e, além disso, aumentou o preço para 200 reais. Tentamos pagar, mas, segundo ele, isso só seria possível no dia seguinte.
Saímos furiosos com o tratamento e, subindo de volta a orla, avistamos um barco logo ao lado que lembrava os catamarãs que fazem a travessia Rio-Niterói, na baía de Guanabara. Era uma lancha grande, com casco de metal e a cabine fechada por janelas de plástico fumê lacrado. Aproximamo-nos e dessa vez fomos muito bem tratados. O barco era o Veloz II, partiria às 13h do dia seguinte e chegava à Santarém às 19h30 do mesmo dia, navegando a uma velocidade média de 28 milhas (45 km/hora). Uau, isso é velocidade de carro e maior do que a média feita pelo ônibus da ida. As passagens custavam R$80 por cabeça e voltaríamos em apenas 6h30m, em lugar das 10h enlatados no ônibus que nos trouxe de Santarém e que cobrou R$70 por passagem.
Na quarta-feira, 17/7, com pontualidade britânica, o Veloz II partiu às 13h. Ele acomoda 80 pessoas sentadas em bancos de avião comprados usados e reformados, alinhados em duas fileiras com 3 lugares de cada lado. Cada lado é servido por 3 ou 4 TVs de LCD, que passam filmes ao longo da viagem. A cabine onde ficam os passageiros é refrigerada e na popa fica uma lanchonete com duas mesinhas de 4 cadeiras. As malas grandes entram no porão do barco e as pequenas sobre a cabeça, também como em um avião. A velocidade que, em princípio, assustava, revelou-se tranquila dada a massa da embarcação e a grandeza do Tapajós. Estávamos numa highway aquática.
Mapa da viagem de barco Itaituba-Santarém, traçado por GPS |
A viagem
Ao longo do percurso, o Veloz II fez 4 ou 5 rapidíssimas paradas (veja alfinetes azuis no mapa abaixo), que duravam o tempo exato para embarcar novos passageiros. Em uma delas, um píer minúsculo abrigava um casal e suas malas. Outra foi na mítica Fordlândia, a cidade construída por Henry Ford, em 1927, para servir de sede a um enorme projeto de produção de borracha e pneus, que fracassou.
Ao longo do trajeto, cruzamos o tempo todo com gaiolas e barcos ribeirinhos. O Tapajós alargava, afinava e, por vezes, era dividido em mais de um canal por suas ilhas. O Veloz II parado tem 2 metros de calado. Porém, navegando, é capaz de passar em pontos em que o rio tem somente 1,2 metro de profundidade. No auge da estação seca, o verão local, que vai de julho a outubro, o Tapajós pode se tornar raso assim. Não é atraente a ideia de cruzar um banco de areia, a uma velocidade perto de 50 km/hora, separado dele por apenas uma fina lâmina de água. Mas, Darlei, o piloto, não parecia preocupado. Segundo ele, a rota estava toda traçada em GPS.
A partir de Aveiros, o Tapajós se agiganta e vira um mar, com uma largura que pode chegar a 19 km. Da proa do barco, as margens somem e só se vê água. O vento forma pequenas ondas que fazem o barco pela primeira vez bater contra as águas. Uma moça com o filho no colo se assusta e chora. Às 18h30 passamos em frente à Alter do Chão e o sol está prestes a se pôr. O horizonte fica laranja e, em seguida, ganha uma aura rosa. Em meia hora, já quase escuro, avistamos as luzes de Santarém. Às 19h30, de novo pontualmente, aportamos. O burburinho na chegada lembra uma rodoviária. As pessoas querem saltar logo para terra firme, familiares esperam e os motoristas de táxi oferecem seus serviços.
Na orla de Santarém, o Tapajós de estrada vira avenida, com farto “estacionamento” para receber embarcações de todos os tipos, cores, tamanhos e até credos.
Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas. | ||
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