A tragédia do Rio Grande do Sul tem uma relação direta com a atual crise climática, na qual observa-se um aumento e intensificação de eventos extremos, como as chuvas que assolaram o estado. Esse desastre de enormes proporções é mais uma demonstração de que a crise climática já é uma realidade na maioria das cidades brasileiras e do mundo, causando danos econômicos e humanos consideráveis. Nesse sentido, há uma necessidade urgente de adotar uma gestão de riscos de desastres adequada e construir novas infraestruturas urbanas compatíveis, ao mesmo tempo em que se transforma a infraestrutura existente em sistemas mais resilientes.
Entretanto, o enfrentamento do problema não se limita a ações nos centros urbanos. Na semana em que o Código Florestal completa 12 anos de sua edição, a sua implementação nunca foi tão necessária, graças à capacidade da lei de ajudar a prevenir os danos e minimizar os impactos dos desastres climáticos.
O Código Florestal é uma peça fundamental no enfrentamento às mudanças do clima. A lei estabelece dois instrumentos de conservação da vegetação nativa em áreas privadas: as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a Reserva Legal. A recuperação e manutenção da vegetação em APPs (como margem de rios, encostas e topos de morro) promove a preservação dos recursos hídricos, a estabilidade geológica e a proteção dos solos. As florestas e demais formas de vegetação em áreas de Reserva Legal conservam a biodiversidade e contribuem para a estabilidade hídrica e climática. A implementação desses dois instrumentos contribui ao mesmo tempo para esforços de mitigação, com a captura e estoque de carbono da atmosfera, e para os esforços de adaptação a eventos extremos, servindo como esponjas para chuvas torrenciais e garantindo a caixa d’água para tempos de seca.
A implementação da lei florestal depende da interação de vários atores. Os produtores rurais, como destinatários da lei florestal, possuem um papel estratégico como parte da solução da crise climática, através da regularização ambiental de suas propriedades, recuperando os passivos de APP e Reserva Legal, e da adoção de práticas de agricultura de baixo carbono.
Por outro lado, cabe ao poder público estadual o gerenciamento do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de sua jurisdição – recebendo, analisando e validando as informações declaradas pelos produtores – e a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) que permitirá aos produtores a adequação legal de seus imóveis rurais. A maioria dos estados ainda está muito atrasada na implementação da lei por conta de uma série de desafios: falta de recursos humanos, financeiros, cartográficos e tecnológicos; dificuldades na comunicação com proprietários e produtores; e ainda há estados que não regulamentaram o PRA.
Essa equação depende também de mais dois atores – legislativo e judiciário. Nos últimos 12 anos, desde a edição do Código Florestal, dezenas de projetos de lei vem sendo apresentados por parlamentares que visam flexibilizar suas regras, diminuindo sensivelmente o nível de proteção. O poder judiciário, por sua vez, está demorando quase uma década para dar uma decisão que impactará nas regras de compensação de Reserva Legal. Alterações legislativas e demora da justiça geram insegurança jurídica na aplicação da lei, postergando a recuperação dos passivos ambientais.
A recuperação dos passivos de vegetação nativa nos imóveis rurais brasileiros não impedirá futuras tragédias climáticas, mas além de contribuir para mitigá-las, certamente reduzirá os seus impactos nas pessoas, nas cidades, na produção agrícola e na economia como um todo. Portanto, avançar com a efetiva implementação do Código Florestal em todo o país deve ser uma prioridade nacional, pactuada entre os todos os atores, cada um reconhecendo a sua responsabilidade e atuando de forma cooperativa.
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