O Brasil é um país de grandes números. Temos o maior rio, a maior floresta, a maior produção de grãos, de carne, de minério de ferro e muito mais. Para acrescentar à nossa sala de troféus, a Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO, sigla em inglês) confirmou nessa segunda-feira (16), em seu relatório bianual O Estado das Florestas no Mundo, que nós, brasileiros, somos detentores do pior balanço florestal do planeta. Entre 2000 e 2005, graças à alta taxa de desmatamento que temos na Amazônia, o país atingiu um déficit de 3,1 milhões de hectares de florestas, área que representa um estado e meio de Sergipe.
Por balanço florestal, entende-se a diferença entre o tanto de florestas que são plantadas e o quanto está sendo perdido num país. Isso não leva em conta, por exemplo, que uma floresta de eucalipto não se compara em biodiversidade com as matas da Amazônia ou da Mata Atlântica, mas indica que um país ainda tem como opção primária de desenvolvimento a destruição de áreas virgens.
Os dados colocam o país em uma posição bem distante do segundo colocado, a Indonésia, cujo déficit de floresta é de 1,8 milhão de hectares. A liderança brasileira na destruiçao de florestas tropicais não é uma novidade, mas os dados da FAO colocam o problema em uma perspectiva bem mais acurada.
Por exemplo, se comparado com o balanço florestal no Brasil entre 1990 e 2000, com déficit de 2,6 milhões de hectares, a taxa entre os anos 2000 e 2005 mostra uma piora no quadro: em cinco anos o país perdeu mais florestas do que em uma década. É preciso lembrar ainda que estes foram exatamente os anos em que o governo mais investiu em combate ao desmatamento com operações da Polícia Federal, prisão e multas contra infratores. Qual é, então, o problema que impede ao Brasil reverter seu déficit florestal? Na opinião dos autores do relatório da FAO, não existem por aqui, como em outras nações da América Latina, opções econômicas ao modelo de agronegócio exportador.
“Apesar de ter uma densidade populacional baixa, na América do Sul, os altos preços dos alimentos e combustíveis vão favorecer a continuidade dos desmatamentos para o incrementar a pecuária e a agricultura, para atender a demanda global; especialmente as economias sul-americanas com ligações crescentes com economias emergentes da Ásia”, descreve o relatório.
O coordenador do Programa Global de Dósseis (Global Canopy Program), Andrew Mitchell, afirma que o estado da economia global é um elemento chave na estratégia para salvar as florestas tropicais. É parte do problema, mas também parte da solução, pondera. “Como mostra o relatório da FAO, mercados levaram a esta situação pois a demanda por produtos agrícolas e madeireiros baratos é a maior causa de desmatamento. O que o relatório não mostra é que a nova economia global precisará dar valor ao serviços ambientais que as florestas tropicais proporcionam, como chuvas e regulação climática. Detruir estes serviços para obter terra nua é como cortar o galho em que estamos sentados”, diz
O reflorestamento chinês
O mundo como um todo, de acordo com FAO, apresentou uma melhora no seu balanço florestal. Na última revisão, apresentada em 2007 e com dados analisados entre 1998 e 2003, a perda estava na casa do 13 milhões de hectares, enquanto no relatório lançado esta semana o déficit foi de 7,3 milhões de hectares. A razão principal desta inversão é um forte investimento feito pela China em reflorestamento. Em cinco anos, o país plantou 4 milhões de hectares. Ou seja quase o mesmo que todo o desmatamento acumulado na América do Sul.
“Acho que, depois das enchentes de 1999, o governo chinês percebeu que algo sério estava acontecendo e resolveu reflorestar. E o interessante é que quando a China resolve fazer alguma coisa, ela realmente implementa”, analisa O professor da Universidada Norueguesa de Ciências da Vida Aril Angelsen. Entretanto, ele não deixa de lembrar que plantios não podem compensar as perdas de matas primárias, tanto pelo aspecto da biodiversidade quanto da absorção de carbono.
“Quando se desmata, há uma emissão súbita de milhões de toneladas de carbono, enquanto em uma floresta plantada a absorção durará por 20, 50 ou até 100 anos, dependendo do climax das espécies”.
No Brasil, os plantios de árvores também estão avançando, mas ainda em um ritmo insuficiente para diminuir a pressão sobre algumas áreas nativas. De acordo com dados do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, a área plantada praticamente dobrou entre 2002 e 2006, passando de 320 mil ha para 627 mil ha. Ao mesmo tempo, o alto consumo de carvão vegetal pela indústria siderúrgica brasileira impulsionou diversas carvoaria ilegais. Só no ano passado, o governo conseguiu enquadrar cerca de 200 empresas que compravam carvão ilegal no pólo de Carajás (Pará).
Efeitos da Crise
A FAO apontou a crise econômica como um grande desafio para o setor florestal. Por um lado, a falta de dinheiro pode atrasar investimentos em certificação de madeira e boas práticas de manejo florestal. Dados mostram por exemplo que durante a crise de 1997 e 1998, o corte ilegal de madeira no Sudeste Asiático ganhou força. Por outro lado, para países como o Brasil, onde o principal fator por trás do desmatamento são as commodities agrícolas, a crise econômica pode frear a destruição.
Angelsen, que trabalha há anos com as tendências do setor florestal em todo mundo, argumenta que o quadro mostrado pela FAO apenas reforça que é o mercado de commodities que está determinando as taxas de desmatamento. “Não é uma questão de quanto os governos ou as empresas investem em boas práticas, é a demanda por soja e carne no Brasil, ou de óleo de palma na Indonésia, que definirá se o desflorestamento vai subir ou cair”, avalia.
Em sua opinião, a partir desde ano é provável que estes países experimentem uma redução na perda de suas florestas graças a crise econômica.
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