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Corte na educação ameaça vida de animais silvestres de antigo zoológico em MT

No Centro de Pesquisa de Animais Silvestres, jacarés já não tinham peixes para comer nesta quarta-feira. Unidade está vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso

Michael Esquer ·
8 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

O lugar que já foi atração turística e único zoológico do estado de Mato Grosso, e que um dia chegou a abrigar mais de mil animais de diversas espécies nativas do Cerrado e do Pantanal mato-grossense, está vivendo uma situação dramática. Trata-se do Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Silvestres (Cempas) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que, com o corte orçamentário de universidades e institutos federais – recém anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), e depois pelo Ministério da Economia (ME) –, teme não conseguir alimentar os animais que ainda abriga. 

Com uma área de aproximadamente 11 hectares, o centro fica dentro da UFMT, em Cuiabá (MT), capital do estado. Substituindo o antigo zoológico da universidade, que foi extinto em 2019 depois de quase uma década embargado, o Cempas recebe, identifica, marca, avalia, recupera e reabilita animais silvestres resgatados em apreensões de fiscalização e resgate, que são realizadas por órgãos ambientais, ou até mesmo pela entrega voluntária de moradores.

Atualmente, o centro está vinculado à Faculdade de Medicina Veterinária (Favet) da UFMT, que é também a responsável pelo gerenciamento da unidade. A ((o))eco, Roberto Lopes de Souza, diretor da Favet, conta que pelo menos 300 animais da população remanescente que havia no zoológico ainda vivem no Cempas. “Eles consomem muita comida, bem menos do que já consumiram um dia [quando existiam em maior quantidade]”, conta. 

Entre os animais, alguns ainda estão no centro porque o processo que estava sendo feito pelo Ibama – esvaziamento e reencaminhamento de indivíduos, quando avaliado como adequado, para reservas florestais ou outra área natural – ainda não foi finalizado. Este é o caso dos jacarés (cerca de 70 exemplares) e dos catetos (mais de 100), que possuem a maior população dentro do que era o zoológico. 

Além desses, também vivem no recinto outros animais que não devem ou não podem ser soltos, como duas onças-pintadas, de 25 anos de idade, duas jaguatiricas, papagaios e uma pequena população de animais do Cerrado, como pacas e cutias. 

O corte feito no orçamento da universidade, segundo conta o diretor da Favet, resultou no cancelamento do empenho – garantia de dinheiro – que era destinado à compra de ração, frutas, peixes e carnes, que são utilizados para alimentar os animais. “O nosso estoque está terminando, nós estamos meio desesperados”, relata Souza. Mensalmente, diz ele, o Cempas gasta em média R$ 30 mil para alimentar todos os animais.

No centro, o recebimento dos alimentos acontece de forma semanal. Como a entrega desta semana já foi feita, a maioria dos animais já foi alimentada. “Não tem ninguém que esteja passando fome ainda, mas a gente precisa das entregas semanais”, acrescenta.

Apesar da maioria dos alimentos serem perecíveis, o diretor diz que ainda deve restar um pouco de alimento para a próxima semana. Mas os peixes, por exemplo, que alimentam os jacarés, já acabaram, e a carne, que alimenta as duas onças-pintadas, também estava prestes a acabar nesta quarta-feira. “Os jacarés é a única espécie que já não tem [peixe para comer]”, diz ele. 

Quando o estoque de peixe acabar, conta ele, o Cempas deverá utilizar a pouca carne que resta também na dieta do animal. “Tem que ver o que que tem na geladeira para dar”, comenta. 

Diante dessa situação, a É O Bicho deu início a uma campanha de arrecadação para o Cempas da UFMT. A primeira doação foi feita na tarde desta quinta-feira (8), com a entrega de verduras, frutas, ovos e 100 quilos de carne para a unidade. Em 2020 e 2021, a ONG coordenou duas campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos para animais silvestres durante os incêndios florestais registrados no Pantanal mato-grossense.

“Situação desafiadora”

((o))eco entrou em contato com o MEC e com o ME para expor a situação e questionar se medidas excepcionais sobre o caso seriam tomadas. Em nota enviada à reportagem, a pasta da Economia disse que a execução orçamentária e financeira tem sido “desafiadora neste fim de ano”.  

A pasta também disse que está trabalhando com os demais Ministérios para resolver questões relacionadas às despesas discricionárias – de custeio e investimento. 

“Conforme nota divulgada pelo Ministério da Economia (ME) na última segunda-feira, a execução orçamentária e financeira tem sido desafiadora neste fim de ano. Bloqueios tiveram de ser realizados em diversos ministérios e órgãos para o cumprimento do teto de gastos, que é uma determinação constitucional.

O ME tem trabalhado em conjunto com os demais ministérios para resolver as questões relacionadas às despesas discricionárias, sempre respeitando o arcabouço fiscal vigente.

Nesse sentido, a portaria SETO/ME nº 10.395, publicada na terça (6/12) em DOU extra, viabilizou aumento em R$ 300 milhões dos limites de pagamentos de despesas discricionárias do Ministério da Educação (MEC), mediante redução nos cronogramas de pagamento de despesas obrigatórias desse ministério. Trata-se de uma medida regular de governança, com previsão legal. Ao MEC compete alocar esses recursos entre seus órgãos, conforme suas prioridades”.

Recursos no fim 

((0))eco também entrou em contato com a UFMT para verificar se a instituição tinha uma estimativa do impacto do corte para as atividades desenvolvidas pelo Cempas. A instituição ainda não tinha se manifestado até a publicação desta matéria. 

Em nota publicada na última terça-feira (6), a universidade disse que tinha apenas R$ 10 mil de saldo em caixa, e que não conseguiria pagar bolsas e auxílios estudantis deste mês e nenhum dos serviços executados em novembro. “Restaurante universitário, limpeza, segurança, motorista, jardinagem, energia elétrica, água, telefone e internet”, diz trecho da nota. 

No mesmo dia, o professor Evandro Soares da Silva, reitor da UFMT, se reuniu com o reitorado da universidade, representantes dos servidores docentes, técnicos-administrativos e estudantes para discutir a situação. Estimativa feita durante a reunião estimou que apenas neste ano os cortes sofridos pela Instituição estejam na ordem de R$ 5,2 milhões. 

Já no final desta tarde (8), a UFMT divulgou outra nota, onde disse que, após pressão e mobilização de outras entidades no país, o Governo Federal havia liberado parte do recurso bloqueado. A universidade disse que conseguiu pagar as bolsas e auxílios estudantis, mas não abordou os outros gastos mencionados na terça-feira (6), ou ainda a situação do Cempas da instituição. 

  • Michael Esquer

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com passagem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

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