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MPF pede soluções definitivas para o “cemitério de navios” na Baía de Guanabara

Após inquérito gerado por denúncia do Movimento Baía Viva, a Ação Civil Pública requereu à Justiça que órgãos públicos ajam pelo fim do abandono de embarcações há décadas

Elizabeth Oliveira ·
6 de março de 2024

Ambientalistas veem uma luz no fim do túnel para a resolução do chamado “cemitério de navios”, um problema que se arrasta, por décadas, na Baía de Guanabara, acarretando em prejuízos socioambientais, econômicos e culturais inestimáveis. Em caráter de urgência, o MPF requereu à Justiça, por meio de Ação Civil Pública (ACP), que órgãos públicos ajam pela solução em caráter definitivo do abandono de embarcações em municípios como Rio, Niterói e São Gonçalo. O inquérito que deu origem a essa mobilização foi motivado por representação do Movimento Baía Viva, após o navio São Luiz, à deriva, se chocar contra a Ponte Rio-Niterói em 14 de novembro de 2022. O processo foi distribuído na 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Dentre as demandas, o MPF solicitou que a Justiça determine à Capitania dos Portos para que apresente, no prazo de 30 dias, um mapeamento das embarcações abandonadas na Baía de Guanabara e um inventário com informações sobre cada uma e seus bens, além de especificações sobre a presença ou não de substâncias ou materiais potencialmente perigosos ao meio ambiente, à saúde e à navegação. 

Da mesma forma, deve ser apresentado pelo órgão, um inventário de embarcações identificadas que não possuem equipamentos e acessórios de segurança para o tráfego e permanência na Baía de Guanabara, o que segundo argumentado na ação garantiria condições mínimas para a prevenção de poluição e para a segurança da navegação. 

Ainda sobre a Capitania dos Portos, o MPF requereu a listagem sobre locais apropriados para recolhimento, descomissionamento, desmantelamento e a reciclagem das embarcações, cascos e outros bens abandonados, de forma a possibilitar que haja tratamento e destinação adequados para os materiais decorrentes dessas iniciativas. Caso o órgão não disponha das informações e dos documentos, foi solicitado que a Justiça estabeleça um prazo de 90 dias para que sejam providenciados. 

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Foi solicitado, também, que a Capitania dos Portos, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) apresentem, no prazo de 90 dias, “um plano emergencial de atuação coordenada e gestão integrada referente ao monitoramento, fiscalização e retirada dos navios caracterizados como abandonados ou cascos soçobrados na Baía de Guanabara, especificando como funciona o fluxo de informações entre a autoridade marítima e os órgãos ambientais”.

O geógrafo Elmo Amador, entusiasta de estudos sobre a Baía de Guanabara, além de referência no tema, foi um dos fundadores do Movimento Baía Viva. Ele cunhou a expressão “cemitério de embarcações”, na década de 1990, quando o Rio de Janeiro estava em evidência internacional por sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e  Desenvolvimento (Rio-92), em meados de 1992. Esse foi considerado um marco global dos debates sobre questões ambientais e suas múltiplas interfaces na sociedade contemporânea. De lá para cá, vêm se multiplicando muitos problemas socioambientais envolvendo a maior e mais degradada baía urbana do estado do Rio de Janeiro. O abandono de embarcações é apenas um deles, somado à falta de saneamento adequado nos municípios do seu entorno, despejo de lixo doméstico e poluição industrial, dentre outras mazelas.

Comitê deverá acompanhar o processo

Para acompanhar todo o processo, foi requerida a formação e implementação de uma comissão ou comitê judicial que terá como missão auxiliar “a adoção de medidas estruturais visando ao monitoramento do cumprimento das decisões e avaliar programas e projetos apresentados, sobretudo no que se refere à explicitação da metodologia de trabalho e técnicas apresentadas”. 

Esse comitê judicial deverá ser constituído por representações “da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), da Companhia Docas do Rio de Janeiro, do Movimento Baía Viva, além de representantes da área de ciência e tecnologia ligados à navegação aquaviária e preservação ambiental, notadamente aqueles que apresentem estudos e especialização em relação à Baía de Guanabara”. 

Há de´cadas se sabe da existência de navios abandonados na Baía de Guanabara. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na ACP, o procurador da República, Jaime Mitropoulos, argumentou que “a existência de dezenas de navios, embarcações e cascos abandonados na Baía de Guanabara configura a situação de risco de dano para a segurança da navegação e para a integridade do ecossistema marinho da região”. Ele também destacou que “o caso do navio São Luiz ilustra como a ineficiência na tomada de decisões e sobretudo na execução das ações incrementa o risco de danos ao meio ambiente e à navegação aquaviária”.

Alegando que os órgãos públicos já tinham conhecimento da situação precária, o procurador também usou o exemplo da embarcação mencionada para ilustrar a gravidade do problema. Segundo ele, “o São Luiz estava na Baía de Guanabara desde 2016 e encontrava-se sem funcionamento das máquinas, sem energia, sem sistema de fundeio, de operação e de propulsão, sem equipamentos de segurança da embarcação e com o casco apresentando estado avançado de corrosão em suas estruturas, com sinais de desgaste e oxidação”.

Na representação ao MPF, pela qual o Movimento Baía Viva requereu a apuração de “responsabilidades cíveis e criminais das autoridades públicas competentes nos níveis Federal, Estadual e dos Municípios”, foi destacado pela organização ambientalista que “há cerca de 30 anos vem se formando um cemitério de carcaças de embarcações que estão afundadas e/ou abandonadas em diversos trechos da Baía de Guanabara, tais como; na orla do bairro do Gradim (São Gonçalo), no Canal de São Lourenço (Niterói), na Ponta do Cajú, Canal do Cunha e da orla das ilhas do Governador, Fundão e de Paquetá, entre outros”. 

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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