Reportagens

O trabalho de uma década para mapear e proteger as populações de muriqui-do-norte

Esforço liderado pelo Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB) joga luz sobre novas populações e mira no manejo pioneiro como estratégia fundamental para sobrevivência do primata

Duda Menegassi ·
3 de julho de 2025

Proporcional ao seu tamanho, o muriqui-do-norte, maior primata das Américas, enfrenta uma longa lista de desafios e ameaças que põe em risco seu futuro. Em perigo crítico de extinção, o macaco, que vive apenas na Mata Atlântica, entre os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e uma pequena porção do Rio de Janeiro, enfrenta as consequências de séculos de destruição do bioma. Para agravar o cenário de perda e fragmentação de habitat, as pesquisas apontam que as mudanças climáticas irão comprometer a qualidade de parte das florestas em que hoje vivem os muriquis. É diante desse contexto desafiador que atua o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB), criado há 10 anos justamente com a missão de apoiar projetos de pesquisa e conservação da espécie.

A ONG lidera também as ações de manejo com o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Inclusive com um pioneiro trabalho ex situ, fora do ambiente natural, realizado na Muriqui House, em Ibitipoca. “A condição da espécie é tão desafiadora que tivemos que desenvolver um Programa de Manejo Populacional para tentar salvar o máximo possível de populações. O muriqui exige isso de nós”, explica o primatólogo Fabiano Rodrigues de Melo, um dos fundadores do MIB e atual conselheiro do instituto.

Ao mesmo tempo em que correm para tentar salvar populações isoladas em fragmentos de mata e fadadas à extinção, caso nada seja feito, o time do MIB também busca mapear e conhecer melhor todas as populações remanescentes do primata. Esse esforço, que faz uso de tecnologias como armadilhas fotográficas de dossel e drones termais, já botou no mapa populações então desconhecidas ou pouquíssimo estudadas de muriquis, como na Serra do Brigadeiro e no município de Peçanha. 

((o))eco conversou com o primatólogo Fabiano Melo sobre os 10 anos de atuação do MIB, as iniciativas lideradas pelo instituto em prol da espécie e os desafios que se impõem para garantir o futuro do maior primata das Américas.

Confira a entrevista completa:

((o))eco: Você já trabalha com os muriquis há mais de dez anos, assim como outras pessoas do MIB. De onde surgiu a ideia de criar o Muriqui Instituto de Biodiversidade?

O primatólogo Fabiano Melo, um dos fundadores do Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB). Foto: Duda Menegassi

Fabiano Melo: Em 2013, quando nós confirmamos que só havia dois machos [de muriquis-do-norte] em Ibitipoca, nós ficamos muito aflitos, com a sensação de que precisávamos fazer algo a mais para não perder mais muriquis. Nós já havíamos perdido a população de Rio Casca [município em Minas Gerais] e tínhamos a população do Sossego [outro município mineiro], que sempre foi um grupo solitário e com um tamanho oscilante. E tínhamos o caso crítico de Ibitipoca, onde vimos um grupo reprodutivo desaparecer porque só sobraram dois machos. Então entre 2013 e 2015, quando começamos a nos articular para criar a ONG, foi muito movido por esse sentimento de que precisávamos juntar um time e fazer alguma coisa. E nós pensamos na ONG para viabilizar a captação de recursos. Basicamente nascemos assim, com o intuito de concentrar os esforços de quem trabalhava com o muriqui e com isso fortalecer as ações de conservação para a espécie. Na época conversamos com especialistas como a Karen Strier [pesquisadora que estuda os muriquis desde 1982 e responsável pelo projeto dos muriquis em Caratinga-MG] e o Leandro Jerusalinsky [coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros – CPB/ICMBio], que hoje são nossos conselheiros. E a ONG nasceu oficialmente em maio de 2015.

O nome tinha que ter muriqui, isso estava decidido. E queríamos um nome que tivesse uma sigla fácil de lembrar e que funcionasse em inglês também. O primeiro nome que pensamos foi Instituto Muriqui de Biodiversidade, que ficaria IMB. Aí decidimos inverter porque na tradução seria Muriqui Institute of Biodiversity. Então nas duas línguas é MIB. Na época falaram que ia confundir com o filme “Men in Black” [“MIB – Homens de Preto” no português], mas eu achei até legal, porque ajuda a não esquecerem a sigla.

E como a criação do MIB ajudou a alavancar o trabalho com os muriquis, em especial em Ibitipoca?

Eu acredito que quando você institucionaliza você dá outro corpo. Deixa de ser uma pessoa e passa a ser uma instituição. Isso dá mais credibilidade. A criação de um CPNJ também fortalece as estratégias de captação de recursos e isso ajudou muito. Inclusive para fortalecer a relação com o próprio Ibiti Projeto [parceiro na iniciativa do Muriqui House]. Foi um passo muito importante nesse arranjo institucional. E nos fez ter força e fôlego para buscar novos recursos. Hoje o Muriqui House tem o apoio do Ibiti Projeto, claro, mas temos outros apoios, como do FUNBIO, que é investido 100% lá. 

A criação da ONG foi fundamental não apenas para o projeto do Muriqui House, mas também para termos fôlego de captar recursos para atuar em outras áreas, como no Jequitinhonha, no Sossego e no trabalho da Rede Muriqui. Hoje temos estrutura que nos permite lidar com vários projetos. 

Conta um pouco mais sobre esses projetos e quais as áreas-chave em que vocês atuam.

Hoje nós temos uma rede de projetos. O carro-chefe é a Muriqui House, em Ibitipoca, onde fazemos esse manejo ex situ com a espécie. Estamos com oito animais lá, quatro machos e quatro fêmeas. Além disso, temos projetos com muriquis nos municípios mineiros de Sossego, de Peçanha, em Jequitinhonha, na Mantiqueira e na Serra do Brigadeiro, além da Rede Muriqui – iniciativa do Marcello [Nery, presidente do MIB] que busca muriquis isolados e perdidos em fragmentos de floresta com apoio de proprietários rurais, prefeituras e lideranças comunitárias em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Temos ainda o Primatas PERDidos, com os muriquis no Parque Estadual do Rio Doce, e  apoiamos o projeto do Muriquis de Caratinga, que é comandado técnicamente pela Karen Strier por meio da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, mas o MIB dá um suporte, inclusive de gestão de projeto.  

Até com muriqui-do-sul estamos trabalhando agora, com iniciativas na Serra da Bocaina, entre Rio de Janeiro e São Paulo, e no distrito de São Francisco Xavier, em São Paulo, onde temos um convênio com várias instituições e parceria com a prefeitura de São José dos Campos para monitoração dos muriquis-do-sul lá. 

Equipe do MIB em campo. Foto: Acervo MIB

Cada um desses projetos tem vários parceiros e apoios – como Re:wild, The Rufford Foundation, a Universidade Federal de Viçosa, o próprio Ibiti Projeto, o CPB/ICMBio e vários outros – e cada um com coordenações diferentes. 

E o MIB não é só muriqui, nós damos suporte a outros projetos relacionados à biodiversidade, por exemplo, para conservação da surucucu-pico-de-jaca da Mata Atlântica (Lachesis rombeatha) no nordeste, que começou em janeiro deste ano.

O muriqui-do-norte é estudado desde a década de 80, quando teve início a pesquisa da primatóloga Karen Strier em Caratinga (MG). Como você avalia o papel do MIB nesses 10 anos para ampliar o olhar sobre as outras populações da espécie, em particular em Minas Gerais?

Pois é, 80% da população de muriquis-do-norte está concentrada em Minas. Então queira ou não, é um estado importantíssimo para a conservação da espécie. E se não fosse a nossa transformação em uma ONG, nós não teríamos conseguido ampliar nossa atuação no estado. Em Peçanha, por exemplo, é um projeto genuinamente MIB. Existe porque o MIB existe. No Jequitinhonha havia um histórico de pesquisa, inclusive do meu próprio doutorado, mas meu retorno para monitorar os bichos lá, que são a população conhecida mais ao norte da distribuição da espécie, só foi viabilizada pela existência do MIB. Ao mesmo tempo, o trabalho no PERD, também sempre teve o apoio do MIB. E todos os outros projetos, no Brigadeiro, no Sossego, também foram muito fortalecidos pela existência do MIB.

O MIB conseguiu fazer com que nós tivéssemos mais projetos em áreas onde os muriquis não eram estudados. Nós melhoramos muito o nível de conhecimento das populações. Hoje, por exemplo, com o trabalho inclusive da minha filha, a Amanda [Alves de Melo], estamos pesquisando a genética dessas populações todas de muriquis e refazendo a análise da diversidade e variabilidade genética dessas populações, para entender como isso influencia o manejo. Graças ao MIB alcançamos esse nível de parceiros e de novas áreas que nos permitem dizer que sabemos muito mais sobre as populações de muriquis-do-norte, como um todo, do que sabíamos 10 anos atrás.

Um muriqui carrega um filhote por entre os galhos, exibindo seu longo corpo. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

Uma das populações que têm recebido uma atenção especial é a localizada no município de Peçanha, no nordeste de Minas. Explica o contexto dessa população, que foi redescoberta pelo MIB.

Nós voltamos a ir para Peçanha em 2017, 2018. Fazia quase 20 anos que ninguém ia para lá e não sabíamos se ainda havia muriquis ou não. E o IEF-MG relatou o avistamento de muriquis no município, mas que eram poucos animais. E uma equipe do MIB começou a ir regularmente para lá, com recursos da Re:wild. Foram dois anos, um total de quatro, cinco campanhas, andando na mata, com playback… e não viram os bichos. Em 2020, eu fui lá com o dronequi [drone utilizado para monitoramento de muriquis], já na versão 2.0, com um sensor térmico e uma câmera de melhor resolução. Eu brinquei “vamos achar esses muriquis agora”. E não deu outra. No primeiro dia, nada. Mas no segundo dia de manhã, não fazia nem 40 minutos que estava voando e vi o grupo inteiro. Filmei com a câmera colorida, com a térmica. E depois contamos um total de 15 animais, o que foi uma grande surpresa porque naquela altura já achávamos que o grupo nem existia mais. E uns dois anos depois, a Fernanda [Tabacow, diretora financeira do MIB e uma das pesquisadoras do instituto] iniciou um projeto de monitoramento em Peçanha e hoje conhecemos os bichos todos que ainda estão lá. 

Fabiano com o drone, equipado de câmera termal, que permite identificar grupos de muriqui no dossel. Foto: Duda Menegassi

É um fragmento de mata de cerca de 500 hectares que ficou de pé como Reserva Legal de fazendas particulares. A população em Peçanha é conhecida desde a década de 70, quando Aguirre registrou os muriquis lá. E agora estamos vendo que essa população vai desaparecer. Estou falando de 50 anos que uma população ficou sozinha lá. Provavelmente já estava sozinha quando foi documentada, porque aquela região do Vale do Rio Doce foi detonada há bastante tempo. Hoje o grupo tem apenas oito indivíduos. Está acontecendo a mesma coisa que aconteceu em Rio Casca e Ibitipoca. E se nós não fizermos manejo, vamos perder todos os indivíduos lá. Ano passado, nós pegamos uma fêmea em idade reprodutiva, a Cora, que estava a ponto de migrar, levamos ela para Ibitipoca, para o Muriqui House, e ela está se integrando ao grupo. Então essa é a parte legal. O projeto de Peçanha está contribuindo com a conservação da espécie, graças ao conhecimento que ampliamos da população de lá. Agora estamos estudando qual a melhor estratégia para esse grupo em Peçanha – se levamos outros bichos para lá e protegemos a área ou se tiramos os muriquis de lá – mas sem dúvida nenhuma iremos precisar fazer manejo. 

As fêmeas migrantes e o desafio da fragmentação

A dinâmica populacional dos muriquis depende das fêmeas, responsáveis por migrar dos seus grupos nativos ao se aproximarem da idade reprodutiva, entre 5 e 7 anos de idade. Esse movimento, que ajuda a garantir a diversidade genética da espécie, pode ser uma sentença de morte diante de um contexto de desmatamento severo e isolamento dos grupos. Ilhadas em fragmentos de mata, as fêmeas migrantes não têm para onde ir e acabam morrendo em busca de um novo grupo. Ao mesmo tempo em que os machos residentes ficam igualmente sozinhos, sem ter com quem reproduzir.

Pensando justamente no manejo, qual a estratégia e as ações prioritárias para garantir a sobrevivência da espécie em longo prazo?

Algo que é importante de mencionar é o PAN PPMA – o Plano de Ação Nacional para Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e das Preguiças-de-Coleira, cujo 2º ciclo começou agora, com vigência até 2030 – que contempla as estratégias de conservação para as duas espécies de muriqui. 

E em julho de 2024, nós elaboramos o Programa de Manejo Populacional Integrado, coordenado pelo ICMBio, que ainda não foi homologado, mas deve ser publicado em breve. Esse programa já diz o que nós temos que fazer. A condição da espécie é tão desafiadora que tivemos que desenvolver um programa de manejo populacional para tentar salvar o máximo de populações possível. O nosso desafio é exatamente esse: nos tornarmos cada vez mais capazes e mais bem-sucedidos na execução desse manejo populacional. Acho que esse é o futuro do MIB, temos um propósito e uma expertise muito forte nessa questão do manejo. O muriqui exige isso de nós. E não tem mais ninguém fazendo manejo de muriqui-do-norte atualmente. Isso dá muito orgulho porque a espécie precisa e o tempo urge. E quanto mais a gente acertar, quanto mais estivermos preparados, melhores as chances de termos apenas ações bem-sucedidas. Como a Eduarda, que foi resgatada e translocada para o Sossego, onde já teve oito filhotes. Ou o próprio Elliot, o primeiro muriqui-do-norte nascido em cativeiro.

Na Muriqui House, em Ibitipoca, os pesquisadores do MIB buscam formar dois grupos sociais para reintrodução na natureza. Foto: Acervo MIB

Impossível falar de manejo sem falar na Muriqui House, única população de cativeiro do muriqui-do-norte. Quais os próximos passos dessa iniciativa?

Sim, a Muriqui House é o único lugar hoje que faz o manejo ex situ de muriqui-do-norte. Estamos com oito indivíduos. Os irmãos Bertolino e Luna, que vieram do fragmento de Ibitipoca; as fêmeas que vieram primeiro, a Ecológica e Socorro, da região do Sossego; o Elliot, que é o primeiro filhote nascido em cativeiro na história da espécie, filho da Ecológica; a Nena, fêmea que resgatamos no Caparaó; um macho bem jovenzinho ainda, que é o Morfeu, que veio de Caratinga; e trouxemos a Cora agora, lá de Peçanha. 

E o plano é recuperar a capacidade reprodutiva desse grupo social que estamos montando. Porque dois machos são mais novos, o Morfeu e o Elliot, e ainda não estão em idade reprodutiva. E os outros dois não estão dando conta. Mas nós não vamos só esperar os machos. Nós estamos fazendo reprodução assistida, fertilização in vitro e congelamento de sêmen, em parceria com a Reprocon (Reproduction for Conservation). A Muriqui House inclusive está nos ajudando a aprender sobre o comportamento reprodutivo da espécie. E queremos trazer mais bichos para fortalecer socialmente e reprodutivamente esse grupo que já existe. 

E precisamos de um segundo grupo, porque com um grupo só, acontece de novo o que vimos em Ibitipoca e Rio Casca antes: as fêmeas migram, não encontram nenhum outro grupo, acabam predadas, morrem, e o grupo vai decaindo até que para de reproduzir. Quando houverem dois grupos, nós vamos soltá-los na mata e nós esperamos que eles passem a trocar fêmeas naturalmente e a crescer de tamanho. Porque habitat ali no Ibitipoca tem de sobra. O Ibiti Projeto tem mais de 3 mil hectares de floresta contínua, onde caberia uma população bem saudável de muriquis, de até 5, 7 quem sabe até 10 grupos. 

Mas muriquis têm uma vida longa, reproduzem uma vez a cada três anos. Então os resultados são lentos, mesmo com o manejo. 

Quanto mais velho um muriqui-do-norte, mais despigmentada a sua face, característica que a difere dos muriquis-do-sul. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

O que todo esse trabalho representa para você, enquanto pesquisador?

Para nós, pesquisadores, a noção de tempo é diferente. Ao mesmo tempo em que é lenta por que temos regras, burocracia, padrões e protocolos para respeitar, a sensação é de que as coisas vão escorregando pelas mãos. Quando vemos que estamos perdendo mais uma população. E a sensação é de que eu estou envelhecendo, o tempo está passando e não estamos conseguindo lidar com o manejo na velocidade que queríamos.

Em compensação, como nós aumentamos os esforços de conhecimento onde não tínhamos estudo, nós encontramos surpresas boas, como na Serra do Brigadeiro, onde existe uma população super saudável com pelo menos 325 muriquis. E nós só conseguimos isso por conta do esforço do Leandro [Santana, diretor técnico do MIB e pesquisador responsável pelo projeto no Brigadeiro], com uso de armadilhas fotográficas no dossel, censo e agora com drone também.

Graças a esse trabalho do MIB, com a descoberta dessas populações, um maior conhecimento de outras que não eram estudadas, com uso dessas novas tecnologias, estimamos hoje que existem cerca de 1.200 muriquis-do-norte. Um número superior à última contagem oficial, feita em 2005, quando calculamos que havia um pouco menos de mil. 

Então é uma mistura de desespero, de que não vamos dar conta, e por outro lado alegria de que estamos conseguindo fazer esforços de conservação fundamentais, conhecer melhor uma população importante, como a do Brigadeiro, preservar a genética do Ibitipoca, aprender a refazer grupos sociais com essa ressocialização que estamos experimentando no Muriqui House. Nós vemos que é possível fazer a diferença, mas é mais devagar do que eu gostaria.

Pensando no desafio da fragmentação do habitat, quais são as ações em curso para aumentar a conectividade dos fragmentos florestais com muriquis?

Estamos trabalhando em corredores, como o Caratinga x Sossego, que já é oficialmente reconhecido pelo estado de Minas Gerais. E agora estamos com uma força-tarefa junto ao ICMBio e outras instituições para formalizar a criação do Corredor Muriqui, que incluiria o Parque Estadual do Rio Doce, o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, o Parque Nacional do Caparaó e as RPPNs Feliciano Miguel Abdalla, Mata do Sossego e Sossego do Muriqui. Estamos lutando para viabilizar a criação desse corredor, seja na esfera federal ou estadual, e pelo reconhecimento dessa área como de importância ecológica. Para concentrar esforços e recursos nessa região, ampliar as áreas de mata disponíveis e para que os muriquis possam expandir sua ocupação e melhorar o tamanho populacional, principalmente dessas duas RPPNs onde temos grupos literalmente isolados.

Os muriquis-do-norte dependem da conservação da Mata Atlântica. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

Para além dos desafios históricos de desmatamento e fragmentação da Mata Atlântica, há ainda o cenário de mudanças climáticas e como isso afetará os muriquis. Como vocês têm se preparado para isso?

Nós temos visto nas projeções de mudanças climáticas que vamos perder as áreas mais ao norte no bioma, como Jequitinhonha, parte do leste de Minas Gerais e parte do Espírito Santo. E o objetivo é tentar garantir que esses bichos não desapareçam com a floresta, porque ela vai mudar, provavelmente irá ficar mais seca. E precisamos proteger o que ainda temos de áreas com muriqui e que ainda não são protegidas, como Peçanha e algumas populações no Espírito Santo. E na hora do manejo, precisamos repovoar as matas que ficarão estáveis no futuro e que tinham muriquis, mas onde eles foram extintos localmente. 

É muito importante pensarmos nas mudanças climáticas e olharmos as florestas onde haverá estabilidade climática, onde poderíamos deixar muriquis que, mesmo com as mudanças do clima, elas seriam capazes de manter a espécie ali. Acho que essa é uma decisão importante de manejo, não só olhando a genética, mas olhando também a questão de habitat disponível e adequado sem muriqui hoje e que nós precisaríamos reintroduzir. Por exemplo, há regiões como a Serra Negra da Mantiqueira, a própria região do Ibitipoca e outras áreas de remanescentes florestais com 5, 10 mil hectares onde a floresta se manterá muito parecida com o que é hoje. A Serra da Mantiqueira vai ser a área core de estabilidade climática. Ela sempre foi, não à toa que ela faz a divisão entre as duas espécies de muriquis.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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