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Pampa preservado é quase teoria para os principais candidatos ao governo do RS

Os dois líderes nas pesquisas para o governo gaúcho afirmam que irão dar celeridade ao licenciamento ambiental e colocam o Pampa em risco

Raissa Genro ·
29 de setembro de 2022 · 1 anos atrás

Quais propostas os dois primeiros colocados nas pesquisas para o governo do Rio Grande do Sul têm para o Pampa? As planícies vistas como monótonas, mas com uma biodiversidade riquíssima e com mais de 35 milhões de anos,  que predominam e caracterizam a Região Sul do Brasil, nunca foram tão ameaçadas. Segundo o Mapbiomas, entre 1985 e 2021, foi registrado a perda de 29,5% da vegetação natural do Pampa.  

Para responder a questão, ((o))eco analisou os pontos de atenção das propostas dos dois líderes da pesquisa para governador do Rio Grande do Sul – Eduardo Leite, do PSD, e Onyx Lorenzoni, do PL . 

Ambos afirmam que caso eleitos farão a flexibilização do licenciamento ambiental no estado.  Uma mudança na legislação que pode agravar o aumento da perda de áreas naturais na região.  Entre os serviços ambientais que o Pampa presta está a garantia de manutenção do solo, o aumento da infiltração da água da chuva, a manutenção de polinizadoras, sem contar as belas paisagens e seu vibrante potencial turístico.

A quarta pesquisa Ipec, divulgada nesta segunda-feira (26), apontou os candidatos como líderes nos índices de intenção de voto para o governo do Estado, mas sem chances dessa disputa terminar no primeiro turno, dia 02 de outubro. Eduardo Leite (PSDB) conta com 38% das intenções de voto, seguido de Onyx Lorenzoni (PL), com 25%, e Edegar Pretto (PT), com 15%. A pesquisa ouviu 1.808 pessoas entre os dias 23 e 25 de setembro em 85 municípios, e foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-09277/2022 e no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número RS-04810/2022.

O que diz Eduardo Leite

No caso de Eduardo Leite, que busca a reeleição, pesam medidas que já indicam como ele pretende promover mudanças no licenciamento estadual. Foi Leite quem aprovou o Novo Código Ambiental do Rio Grande do Sul, derrubando o tempo médio de espera para o licenciamento ambiental de 250 para 100 dias. E pior,  seguir na toada de “desburocratizar e atualizar os procedimentos licenciatórios”, se mantém entre suas principais propostas caso seja reeleito. 

Governador e candidato à reeleição no Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Foto SILVIO AVILA / AFP

A dissociação entre suas ações passadas como governador e as propostas futuras também chama atenção. No eixo II de seu plano de governo, denominado de Ambiental e Infraestrutura, Leite aponta que pretende implementar políticas de transição energética. Mas, durante o seu governo, ele foi na direção contrária e revogando o artigo 16 do Código Ambiental do Rio Grande do Sul, item que garantia prioridade à pesquisa e instalação de opções de energia alternativa descentralizada e renovável.

Quando trata mais diretamente sobre a conservação do Pampa, Leite propõe “qualificar os mecanismos de fiscalização contra queimadas”.  A questão, contudo, não é uma problemática: diferente dos demais biomas, as queimadas têm pouca expressão, chegando a uma média anual de 92,5 km2, conforme o Mapbiomas. A explicação se deve à falta de uma estação seca, baixo acúmulo de biomassa na vegetação campestre por causa da atividade pastoril e porque o fogo não é culturalmente utilizado como prática de manejo. 

Ainda assim, é possível contradizer o candidato à reeleição a partir da atuação de seu governo que revogou 40 artigos do Código Ambiental, liberando a queima e o corte de espécies ameaçadas da flora gaúcha. 

A reforma do Código Ambiental proposto pelo então governador segue em análise do Supremo Tribunal Federal (STF).  Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Ministério Público e a Procuradoria Geral da República se posiciona contra a Licença Ambiental por Compromisso (LAC) e dois dispositivos do novo código. 

Leite, traz, em seu plano, 12 vezes a palavra ambiental, 1 menção a meio ambiente, 3 a sustentabilidade, 5 a bioma e 4 a Pampa. 

Candidato do bolsonarismo 

Para Onyx Lorenzoni, do PL, que se intitula candidato do presidente Jair Bolsonaro no estado, e segue em segundo nas pesquisas, os investimentos no agronegócio devem ser prioritários.  “…o produtor brasileiro é o que mais preserva no mundo”, segundo seu plano de governo. Com tópicos de caráter amplo, o candidato do Partido Liberal de 67 anos, fala em “uso racional dos recursos naturais sem comprometer o meio ambiente, preservando-os para gerações futuras”, uma citação quase ipsis litteris do conceito de desenvolvimento sustentável apresentado pela primeira vez em 1987, no Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Ex-ministro do trabalho e previdência social, Onyx Lorenzoni, e o presidente, Jair Bolsonaro. Foto: Sergio LIMA / AFP

Onyx promete “valorizar, incentivar, respeitar e ouvir quem produz, invertendo a lógica dominante nas últimas décadas”.  Mas, o que tem predominado nas últimas décadas no Rio Grande do Sul, na verdade, é uma intensa conversão do Pampa em lavouras, fragilização do Código Ambiental e mudança do licenciamento de projetos de alto impacto somado a emergência climática. 

Historicamente aliado de pautas ruralistas, enquanto deputado federal, Onyx votou diversas vezes junto a esta bancada. 

Em seu plano de governo, Onyx cita apenas a ideia de incentivar o turismo ecológico, sem, contudo, dizer como fará isto. Em comum com seu oponente Eduardo Leite, também traz a questão de “agilizar as licenças ambientais”. 

Terceiro setor se manifesta pelo Pampa

Lançada em junho deste ano, a “Carta aberta à sociedade gaúcha pela proteção do Pampa” contou com a assinatura de 19 entidades e servidores da área ambiental, através da Coalização Pampa. 

Nela são listadas 10 “diretrizes e ações estratégicas para serem analisadas e implementadas pelas autoridades do Rio Grande do Sul e pelos poderes executivo, legislativo e judiciário”. Rogério Chimanski, analista ambiental de recursos hídricos da Secretaria de meio Ambiente do Rio Grande do Sul, integrante da Associação dos Servidores da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, uma das entidades que assina o manifesto, e destaca que “no momento em que essas diretrizes nortearem as ações e decisões do governo teremos um pequeno alívio na devastação do Pampa e, a partir daí, um longo caminho em busca da conservação, restauração e valorização do nosso principal bioma”. 

Para Rogério, é de fundamental importância que o próximo governador esteja publicamente comprometido com todas as diretrizes listadas pelas organizações. 

A biodiversidade do Pampa

 O Bioma e seus campos nativos se estendem por uma área de mais de 750 mil km², entre o Brasil, Uruguai e Argentina, ocupando dois terços da área do Rio Grande do Sul, (sendo o resto área de Mata Atlântica).  

Bioma Pampa. Foto: Divulgação TV Brasil

Diferente do que muitos imaginam, Pampa não foi criado pelo desmatamento de áreas florestais. Apesar dessa suposta ‘uniformidade’, o bioma abriga mais de 2.600 espécies de plantas, segundo a rede de pesquisa Campos Sulinos, sendo, em sua maioria, gramíneas, de baixo e de alto porte. Há também a ocorrência de ervas, arbustos e árvores isoladas. Na Flora e Fauna campestre há espécies endêmicas, que só existem no Pampa, sendo que muitas estão ameaçadas de extinção. 

O Pampa, em especial na parte leste, é uma região de relevância internacional para aves migratórias em virtude da combinação de lagoas costeiras, praias, dunas, campos, matas de restinga e áreas pantanosas atrai uma grande concentração de aves ao longo de todo ano, que chegam buscando alimento ou locais para reprodução. 

Procurados pelo ((o))eco, nenhum dos dois candidatos se manifestou, apenas a assessoria de Eduardo Leite, que enviou os dados já registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Além de Eduardo Leite e Onyx Lorenzoni, concorrem ao cargo de governador do Rio Grande do Sul Carlos Messalla (PCB), Edegar Pretto (PT), Luis Carlos Heinze (PP), Rejane de Oliveira (PSTU), Ricardo Jobim (Novo), Roberto Argenta (PSC), Vicente Bogo (PSB) e Vieira da Cunha (PDT).

  • Raissa Genro

    Jornalista que há mais dez anos atua na comunicação ambiental

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