A inclusão da proibição de desmatamento ilegal para todas as fitofisionomias e biomas brasileiros como prerrogativa para compras de commodities pelos países europeus, proposta conhecida como Lei de Importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities), pode ser votada no Parlamento Europeu após apreciação de relatório.
Entre as entidades brasileiras que defendem a proposta está a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) e a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib).
A Lei de Importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities) foi aprovada, após intensos debates em 2022, e busca inibir a importação de produtos que promovem o desmatamento ilegal dentro das suas cadeias produtivas. Mas, até julho, a FERC, ainda em tramitação de dispositivos finais, incluía apenas produtos vindos de regiões com florestas conforme a definição da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO/ONU). Essa definição desconsidera grande parte dos biomas brasileiros e, consequentemente, exclui também a realidade de parte dos povos indígenas e comunidades quilombolas do país, além de outras populações tradicionais.
Com a aplicação da lei com o texto atual, apenas 15% do Pantanal, um dos biomas mais atingidos com as queimadas nos últimos anos, seria protegido. Situação semelhante ocorreria com o Cerrado, que tem apenas um quarto de sua área reconhecida como floresta pela FAO e é uma das áreas com avanço significativo do agronegócio e da pecuária.
No dia 16 de novembro, a Apib e a CONAQ publicaram a nota “Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais” ressaltando a posição das organizações em defesa de todos os ecossistemas naturais do Brasil. “Nós incitamos a União Europeia a tomar as medidas necessárias urgentes para prevenir o desmatamento importado a partir de florestas, e também o desmatamento importado de outras áreas arbóreas nativas. Isso é crucial no contexto do Cerrado, uma vez que a maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida neste bioma tão ameaçado”, afirma um trecho da nota.
O tema foi considerado central para os representantes dos povos tradicionais, que relataram os detalhes dos impactos da nova legislação europeia sobre os territórios no painel “A necessidade de proteção legal externa contra a grilagem de terras”, que aconteceu durante a 27ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), em 18 de novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Com a presença de representantes do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Tropical Forests and Agriculture – NWF, FERN e Marcos Kaingang – assessor jurídico da Arpinsul, o painel tinha o objetivo de discutir legislações anti-desmatamento dos Estados Unidos e da União Europeia, além de definir quais são os impactos destes projetos de leis para povos indígenas e comunidades tradicionais.
“Se a lei anti desmatamento da União Europeia for aprovada no formato atual, ela vai legalizar e permitir que os territórios indígenas, que estão localizados dentro dessas áreas, sejam explorados e os produtos continuem chegando na Europa de forma legal”, destaca Dinamam Tuxá, coordenador da Apib.
Em junho, lideranças indígenas da Apib estiveram em Bruxelas, na Bélgica, em diversas reuniões com membros e comissões do Parlamento Europeu para se posicionar sobre a Lei anti-desmatamento. O objetivo era exigir que as demandas dos povos originários fossem incluídas na legislação, o que não ocorreu de forma integral. O Parlamento Europeu incluiu o respeito aos direitos indígenas no texto, mas não adicionou a proteção de todos os biomas brasileiros.
Biomas não florestais ameaçados
A maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida no Cerrado que como lembram as lideranças dos povos tradicionais em sua nota, não é área degradada mas, sim, a savana mais rica do Planeta além de ser o território habitado por centenas de povos e culturas, como os indígenas, quilombolas e geraizeiros. O mesmo vale para todos os outros ecossistemas naturais que não são florestas, mas nem por isso, seguem menos ameaçados, como o Pampa, o Pantanal, a Caatinga e, também, a Mata Atlântica.
Se a regulação europeia contra o desmatamento se restringir apenas a proteger florestas, terá ação de proteção extremamente limitada. De acordo com nota técnica produzida pelo Mapbiomas 74,1% do Cerrado continuariam desprotegidos, 75,8% do Pantanal, 88,7% dos Pampas e quase 90% da Caatinga. Mesmo na Amazônia, 15% do território não se encaixa nos critérios florestais da FAO.
Com a regulação internacional do modo como está proposta, a tendência é a de que os outros biomas passem a sofrer uma pressão ainda maior no que se refere à expansão da degradação pela grilagem, desmatamento e utilização das áreas para pecuária e agricultura extensiva.
Ao incluir áreas de “outras áreas arbóreas nativas” (savanas primárias), e não apenas florestas nativas, seria possível elevar o nível de proteção do Cerrado de 26% para 82%, do Pantanal de 23% para 42% e da Caatinga de 10% para 93%.
Uma eventual revisão da lei, após a decisão final por parte do Parlamento europeu, poderá ser discutida depois de 2 anos. Neste período, milhões de hectares de ecossistemas valiosos seriam destruídos, com a emissão de milhões de toneladas de carbono e seria um contexto propício para o incremento de agressões violentas a centenas de territórios e povos tradicionais. Especificamente no Cerrado, de acordo com estudo divulgado no início de janeiro pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o desmatamento para monocultura e pastagem é o principal responsável pela diminuição de 34% da vazão dos rios até 2050.
Ainda não há previsão de votação para a nova versão do texto da Lei de Importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities), mas o novo relatório com a inclusão de mais proteção aos outros biomas deve ser apreciado nas próximas semanas.
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