Os postos de gasolina ganharam as páginas dos jornais. No Rio, a descoberta da “máfia dos combustíveis” provocou a prisão de donos de postos ilegais e relevou um esquema de corrupção dentro da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), que estaria emitindo licenças ambientais fraudadas. Em São Paulo, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) identificou, em um ano, cerca de 750 novas áreas contaminadas com resíduos tóxicos no estado. Segundo o Instituto Ekos Brasil, este número pode chegar a 30 mil. A maioria provocada por vazamentos em postos de gasolina.
Não é privilégio de São Paulo. O perigo está em quase toda esquina, em todo o Brasil. Embaixo de cada posto existem cilindros repletos de gasolina, álcool e diesel. Vazamentos podem contaminar o solo, os lençóis freáticos e os rios. Nem o ar escapa, poluído pelo vapor da gasolina. Ao abastecer um veículo, alguns frentistas botam uma flanela em cima da boca da mangueira para evitar a evaporação, outros não têm o mesmo cuidado. Além de poluir a atmosfera, o vapor da gasolina misturado com oxigênio torna-se inflamável, e qualquer fagulha pode provocar uma explosão. Não foi à toa que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) tornou obrigatório o licenciamento ambiental dos postos.
A superintendente do Instituto Baía de Guanabara, Dora Hees, que participou da criação da Feema, em 1975, e trabalhou no órgão até se aposentar, diz que em postos de gasolina quase tudo é capaz de poluir se houver descuido. A baía de Guanabara, por exemplo, sofre com a quantidade significativa de óleo de carro que chega a seu espelho d’água através dos rios. Na hora da troca de óleo, muitos postos não coletam o resíduo como obriga a lei. Ele vai parar na rede pluvial. O certo é guardar o óleo queimado em um recipiente especial e enviar o material para uma empresa de refino licenciada.
Mas o risco maior ao meio ambiente e à saúde pública são os tanques de combustível enterrados em contato direto com o solo. A proteção dos cilindros resume-se basicamente a uma parede dupla de aço. Os tanques mais modernos, ainda uma minoria, são feitos de fibra de carbono, material mais resistente à corrosão. Vazamentos de tanques subterrâneos são freqüentes e só costumam ser descobertos depois que provocaram prejuízo considerável. Em Guadalajara, no México, aconteceu um caso digno de filme americano. Em 1989, um vazamento demorou tanto para ser detectado que contaminou o esgoto da cidade. Dias depois, a população começou a sentir o cheiro característico do combustível e o governo decidiu retirar as tampas dos esgotos. O vapor liberado se misturou com o oxigênio da superfície e bastou uma batida de carro para dar início a uma série de explosões que devastou 6 quilômetros da cidade e matou centenas de pessoas.
Mas não é necessário ir tão longe nem buscar um exemplo tão drástico para descrever os perigos de um posto de gasolina. Em 1999, um posto na Tijuca, onde fica o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, poluiu o poço de um prédio residencial e o problema só foi identificado e solucionado por persistência dos moradores, que entraram em contato com a Feema e com os responsáveis pelo posto. Outro caso bem brasileiro aconteceu na época do Pró-Álcool, quando tanques projetados para armazenar gasolina foram usados para estocar álcool. Como o material não era adequado, o combustível infiltrou no solo. “Tinha rede de telefone explodindo e ninguém sabia o que era”, lembra Dora Hees.
Vazamentos podem ser identificados ainda no começo e até mesmo evitados. Os tanques mais modernos têm sistemas eletrônicos de monitoração, mas uma maneira simples e barata de vigiar os tanques é anotar diariamente o estoque de combustível. Qualquer mudança de padrão pode significar o princípio de um vazamento. Caso a suspeita se confirme, só há uma coisa a fazer: esvaziar o tanque e trocá-lo por um novo. Como o custo de uma obra dessas fica em torno de 50 mil reais, muitos postos preferem deixar vazar. O barato pode sair caro. Correm o risco de tomar uma multa e serem obrigados a sanear o meio ambiente. Professor do Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio e especialista em Geotecnia Ambiental, José Araruna fez estudos de impacto para companhias de petróleo e garante: “Vale a pena investir na prevenção dos riscos ambientais, porque remediar é muito caro”.
A maioria das grandes empresas do setor segue esse conselho, mas postos ilegais pagam pra ver. Como descobriu a Polícia Federal, alguns o fazem literalmente. Outra negligência comum dos postos clandestinos é não trocar os tanques, que têm uma vida útil de 15 anos, em média. Uma doutoranda da Universidade de Brasília (UnB) analisou 260 postos do Distrito Federal e constatou que 59% apresentavam problemas graves no sistema de armazenamento e que boa parte dos tanques tem mais de 20 anos de uso.
Em São Paulo, a Cetesb iniciou no fim de julho uma espécie de recall dos postos de abastecimento. Em cinco anos, a companhia quer enquadrar todos os estabelecimentos dentro das normas criadas em 2000 e 2001 pelo Conama. Os postos que possuem tanques subterrâneos com mais de 15 anos terão que fazer uma reforma completa em suas instalações. Os que ainda têm tanques dentro da validade terão que preencher condições mínimas. E aqueles que desejarem abrir um estabelecimento terão que cumprir uma série de exigências de segurança ambiental, além das recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Algumas empresas petrolíferas têm regimentos internos até mais rígidos do que as leis do Brasil. É o caso da Petrobrás. “As empresas contratadas devem atender critérios de Segurança, Meio Ambiente e Saúde, e a Petrobrás apresenta cuidados e condutas nos contratos que superam as exigências legais”, afirma Paulo da Luz Costa, gerente de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da rede de postos da companhia. No caso da anglo-holandesa Shell, vence o mais forte. É cumprida a norma mais rígida, seja a legislação do país de atuação ou a da própria empresa. Mas apesar dos constantes esforços para manter e operar os equipamentos de forma correta, acidentes acontecem, equipamentos falham e as pessoas erram.
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