Um grupo de pesquisadores peso-pesado – entre os quais os biólogos Marcelo Gordo (Universidade Federal do Amazonas), Flávio Rodrigues (Universidade Federal de Minas Gerais), Wagner Fischer (Ibama) e Leandro da Silveira (Fundo para a Conservação da Onça Pintada) e Laury Cullen Jr. (Instituto de Pesquisas Ecológicas, IPÊ) – levantou dados inéditos em várias regiões do país e fez uma projeção que aponta para a matança de cerca de 2,5 milhões de animais por ano nas estradas pavimentadas ou não.
Os números não se limitam aos animais que ficam com as vísceras à mostra na beira da pista para o horror de quem passa. É que muitos bichos, depois de receberem a pancada violenta, saem titubeantes e vão morrer longe da estrada. Ou então, quando servem, acabam virando iguaria na mesa de apreciadores de carne silvestre “fresca” e grátis.
Um capítulo à parte na lista dos atropelados é o dos insetos que, se alguém ainda duvida, também pertencem à fauna e desempenham papel ambiental de suma importância, seja polinizando as plantas seja servindo à cadeia alimentar da natureza. No caso deles, o cálculo é mais difícil de fazer, mas Wagner Fischer, do Ibama, arrisca estimar que cerca de 7,5 milhões de insetos são pulverizados por carros e caminhões nas estradas do país.
Além da enormidade dos números, há um agravante: muitos atropelamentos acontecem próximos a importantes áreas de preservação ambiental, cujo papel é resguardar para o futuro amostras dos principais ecossistemas brasileiros. Como os animais são parte fundamental desses ambientes, é o equilíbrio ecológico e a biodiversidade nacional que estão indo para o cemitério.
Pelas contas dos biólogos, só entre os animais vertebrados, o número de espécies vítimas de atropelamento chega a 180, das quais 19 estão na lista das espécies ameaçadas do Brasil. Entre elas, o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), o Tatu-canastra (Priodontes maximus), o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), a jaguatirica (Leopardus pardalis), a onça-pintada (Phantera onca), a sussuarana (Puma concolor) e outros.
Estes bichos chegaram à lista dos ameaçados de extinção devido, principalmente, ao desmatamento e ao tráfico. Com os altos índices de atropelamentos, essa modalidade de crime ambiental passa a concorrer entre os fatores que estão acabando com a fauna nativa.
Solução? Tem sim. Por exemplo, adotar passagens subterrâneas ou passarelas nas rodovias para os animais silvestres, instalar cercas de proteção e redutores de velocidade, promover campanhas educativas nas estradas. “Mas nenhuma dessas medidas sozinha pode resolver o problema. Tem que haver integração das ações”, afirma Wagner Fischer.
Pelas leis brasileiras, o empreendedor não está obrigado a tomar essas providências quando abre uma estrada. Só o faz se houver empenho dos órgãos licenciadores (órgãos municipais e estaduais de meio ambiente ou o Ibama, dependendo da abrangência da obra) ou pressão de organizações civis, que são mais ágeis por natureza.
Em março deste ano, a ong Pró-Carnívoros conseguiu junto ao Ministério Público do Distrito federal condicionar o licenciamento da duplicação da rodovia BR-020 a uma série de medidas de proteção à fauna. A ong considera a obra uma ameaça aos mamíferos da Estação Ecológica de Águas Emendadas, a 45 km de Brasília. A duplicação deve sair este ano, devidamente equipada com cercas e passagens subterrâneas para salvar a pele dos bichos. Ponto para os ambientalistas.
No caso do asfaltamento da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e margeia várias áreas de preservação ambiental e reservas indígenas, o Ibama decidiu se antecipar. Exigiu que os riscos diretos à integridade da fauna fossem considerados desde o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Um censo dos atropelamentos na estrada constatou o óbvio: que na parte asfaltada eles se intensificam, por causa do aumento da velocidade dos carros. Entre os bichos atingidos, estavam tamanduás, capivaras, cobras, tatus e até jacarés. O estudo não detalha as medidas preventivas que serão adotadas, mas fala em “diversas pontes, que podem se configurar em destacadas estruturas de passagem de fauna”.
De sua parte, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) diz estar negociando com os órgãos licenciadores programas de educação ambiental e medidas mitigadoras para obras. Segundo Angela Parente, coordenadora geral de Meio Ambiente do DNIT, a estratégia é centrar os esforços nos novos empreendimentos, pois a maioria das estradas antigas foi construída antes mesmo da Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605, de 1998).
Para que a solução do problema não fique restrita a casos específicos, o país precisa estabelecer marcos legais que exijam a proteção à fauna nas estradas como uma regra geral. Já houve tentativas de aprovar no Congresso uma lei nesse sentido, mas elas fracassaram pela pressão dos que acham que proteger os animais é mais uma exigência ambiental exagerada atravancando o progresso. Menos sujeito a lobbies do gênero, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) pode tomar a iniciativa e criar Resoluções para frear o massacre da fauna nas estradas. Resta saber se ele está disposto assumir essa bandeira.
* Jaime Gesisky é jornalista ambiental e consultor do Ibama.
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