Como sociedade, demos significativa atenção à CoP-27 do Clima, mas a crise de biodiversidade é tão importante quanto a climática. A CoP-15 de Biodiversidade se inicia em poucos dias e precisamos de decisões fortes, claras e objetivas, como um novo plano estratégico, mais ambicioso e dirigido também para melhorar as condições de vida das pessoas. Mais do que nunca, precisamos de uma participação brasileira firme e propositiva, capaz de buscar resultados concretos a esse importante desafio. Como no passado, como ocorreu, por exemplo, na CoP-10 da Biodiversidade, que aconteceu no Japão, em 2010, a liderança brasileira pode fazer a diferença.
Os cientistas vêm chamando atenção de que estamos em uma nova era de extinção de espécies por várias razões. Mas a conversão de ecossistemas, por meio de desmatamento e outros processos de conversão em outras formações vegetais, representa a principal causa para essa tendência preocupante. Ou seja, o desmatamento e a degradação de ecossistemas são graves, pois pioram a mudança climática, mas também promovem a crise de biodiversidade. Além de não contribuir para evitar tais crises, a relativa carência e a má distribuição das áreas protegidas e conservadas comprometem os serviços dos ecossistemas que elas prestam.
Essas crises e a carência relativa de soluções pioram ainda mais as consequências dos eventos climáticos que vem se tornando mais intensos e frequentes, com prejuízos mais graves aos mais pobres nas cidades. Também tornam mais grave a poluição do ar e reduzem a regularidade na oferta e a qualidade das águas. Com isso, há rebatimentos evidentes com maiores riscos para a agropecuária, a pesca e a indústria florestal. A crise de biodiversidade e a falta de soluções também coloca em risco a dinâmica costeira. Ainda, agravam as condições de saúde e bem-estar, especialmente nas áreas urbanizadas.
Esse contexto preocupante contribui igualmente para ameaçar as inúmeras possibilidades de aprimoramento do conhecimento sobre a natureza e reduzir as possibilidades de descobertas para a indústria (por exemplo, farmacêutica e de cosméticos) e oportunidades para o design industrial e a arquitetura (por meio da biomimética). Esse panorama contribui também para agravar os riscos de endemias (e talvez novas pandemias). E coloca ainda em risco os modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais e locais, afetando também os valores culturais (arqueológicos, históricos, místicos, paisagens culturais…) associados à natureza. E muito mais.
A ciência vem enfatizando, cada vez mais, ser fundamental reduzir a velocidade da extinção de espécies e enfrentar a redução das populações de animais e plantas silvestres e a destruição dos seus habitats. A ciência vem também demonstrando a necessidade de se ampliar a proteção de todos ecossistemas, terrestres e marinhos, para pelo menos 30% em áreas protegidas e conservadas até 2030, atuando com urgência, para sobrevivência da natureza, como a conhecemos, e da humanidade.
E apesar das inúmeras dificuldades com esse objetivo, há esperança, pois os acordos firmados na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CoP-10 da CDB), como o Plano Estratégico Global de Biodiversidade 2011-2020 e o Protocolo de Nagoya, foram muito importantes, inclusive para orientar as estratégias nacionais, até o momento.
Seguindo a orientação da ciência (especialmente via a Plataforma Intergovernamental sobre Ciência e Políticas Públicas de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos – IPBES e a sua versão brasileira, BPBES), reconhecendo o papel dos governos subnacionais (a exemplo do GCF – grupo de governadores sobre clima e florestas), com participação dos estados amazônicos, dos eventos Bio2020 e WBio2022, promovidos pelo Estado de São Paulo, Secretariado da CDB e parceiros, e do projeto Áreas Protegidas Locais, que reuniu Brasil, Colômbia, Equador e Peru, com GIZ, IUCN e ICLEI. E promovendo redes de parceria, reforçamos a importância de unir forças entre os signatários da convenção numa abordagem mais inclusiva e integradora (whole government), considerando também os povos indígenas e comunidades tradicionais e locais e demais representantes de organizações e grupos sociais (major groups), há caminhos possíveis.
As soluções baseadas na natureza representam alternativas normalmente das mais eficientes, eficazes e resilientes, que aproveitam os serviços dos ecossistemas para enfrentar necessidades humanas, como, por exemplo, o controle de enchentes e outros aspectos da segurança hídrica, a defesa das regiões costeiras, a produção sustentável de alimentos, a promoção da saúde e do bem-estar e a redução de emissões de gases do efeito estufa, e beneficiam tanto a biodiversidade quanto as pessoas, sendo, portanto, um dos caminhos essenciais, indispensáveis.
Assim, uma das importantes decisões que esperamos seja tomada na segunda parte da 15ª Conferência da ONU de Biodiversidade, a ser realizada entre 07 e 19 de dezembro deste ano, em Montreal (sede da Convenção sobre a Diversidade Biológica), sob presidência da China, é a pactuação do novo marco global de biodiversidade, por meio do plano estratégico no horizonte de 2030, com metas ambiciosas e claras.
Inclusive sobre dois conteúdos fundamentais:
- a ampliação da cobertura de sistemas de áreas protegidas e conservadas eficazes, ecologicamente representativos e socialmente equitativos para 30% de todos os ecossistemas, terrestres e aquáticos, tendo a defesa dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais como premissa; e
- a distribuição equitativa dos benefícios advindos da biodiversidade conservada e utilizada de forma sustentável, inclusive nos serviços ambientais e nas áreas protegidas e conservadas.
É fundamental que a meta de 30% até 2030 não seja lida de forma simplificada, somente considerando a porcentagem de cobertura. Pois, precisamos de sistemas de áreas protegidas e conservadas, eficazes, com representação ecológica e gestão equitativa. Vale ressaltar que esse objetivo não é limitado ao que “sobrou” de natureza, como, por exemplo, em nossa Amazônia ou nosso Pantanal, mas há necessidade de recuperação dos ecossistemas mais degradados, como, por exemplo, o caso da nossa Mata Atlântica.
Mas precisamos também que os países desenvolvidos contribuam, sobretudo com uma base de financiamento muito mais significativa e específica do que vem sendo acordada até o momento, seguindo uma sistemática de viabilização dos recursos mais eficaz do que a atual, sendo assegurado também aos países em desenvolvimento apoio técnico e organizacional complementar.
Nesse contexto, não se pode ignorar que o Brasil é o país de maior biodiversidade no mundo. É evidente que a Amazônia é central para a biodiversidade brasileira, mas precisamos que a representatividade ecológica seja assegurada nas estratégias governamentais e da sociedade. Portanto distribuindo a conservação e a recuperação em todos os ecossistemas, em todas ecorregiões, de todos os biomas do país, de água doce, marinhos e terrestres. Precisamos ainda assegurar a integridade e a dinâmica ecológica desses ecossistemas em todos os ambientes, com prestação de serviços ambientais na zona rural e nas cidades e zonas periurbanas.
O Brasil tem um histórico de construção de estratégias próprias para a conservação da biodiversidade que tem assegurado a sua liderança global nessa agenda. Infelizmente, perdemos tempo e oportunidades com os retrocessos dos últimos anos. Mas temos esperança que, com a nossa reinserção na liderança global para o enfrentamento às mudanças climáticas, para a retomada da agenda da biodiversidade e dos direitos e condições de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais e locais, possamos novamente nos destacar, em âmbito global, pelas nossas contribuições nacionais e pelo protagonismo em políticas públicas de proteção da natureza e pelas políticas sociais associadas, assegurando a distribuição dos seus benefícios advindos da biodiversidade, de forma justa e equitativa.
É esse cenário que se apresenta para a conferência global em Montreal. Apresentamos aqui um convite para que nós, no Brasil, possamos dar a devida atenção à 15ª CoP da Biodiversidade.
Qual será a participação do Brasil na CoP-15 da Biodiversidade? Retomaremos a liderança?
Conseguiremos avançar na ambição da conservação da natureza, para alcançar, no mínimo, 30% de proteção de todos os ecossistemas, terrestres e marinhos, até 2030, em sistemas de áreas protegidas eficazes e equitativos, incluindo a recuperação para os ecossistemas mais degradados, e respeitando e promovendo os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais?
Conseguiremos trazer os países mais desenvolvidos à arena de diálogo para apoiarem financeiramente, de forma mais significativa e eficaz, a conservação global da biodiversidade?
Conseguiremos conectar as estratégias de conservação da natureza com as urgências climáticas, considerando as soluções baseadas na natureza?
Conseguiremos aliar as demandas ecológicas com as urgências sociais, como a necessidade de superação da fome e a redução de danos dos eventos climáticos mais drásticos às populações vulneráveis?
Conseguiremos conservar a natureza e promover o acesso justo aos seus benefícios, com maior atenção aos grupos atualmente menos favorecidos?
(Este é o terceiro de 3 artigos sobre a Conferência da ONU sobre Biodiversidade em dezembro de 2022. No primeiro artigo apresentamos (i) as relações entre os temas de clima e biodiversidade e a necessária aproximação entre as respectivas convenções. No segundo trouxemos (ii) a nossa avaliação sobre a evolução dos resultados nos últimos 12 anos, considerando a importância do Brasil. Neste terceiro retomamos (iii) a importância das decisões na CoP-15 da Convenção sobre Diversidade Biológica.)
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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