Reportagens

Tempo de bonança

No quarto ano de execução de seu plano de manejo, a Estação Ecológica de Anavilhanas vive boa fase. Ganhou recursos do ARPA e começa a organizar seu entorno.

Manoel Francisco Brito ·
5 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Interessado em fazer turismo para ver de perto a exuberância da Floresta Amazônica? Anavilhanas, arquipélago fluvial no rio Negro com cerca de 400 ilhas é uma ótima opção. Fica próximo de Manaus, apenas 100 quilômetros, e é um lugar lindo. O Negro tem uma cor, negra óbvio, fascinante, capaz de refletir com perfeição tudo o que está acima de sua superfície. Na época da cheia, que vai de novembro a julho, as águas altas colocam o ser humano bem próximo da copa das árvores e permitem que, dentro de uma embarcação pequena, ele navegue pelos igapós (foto), braços d’água que adentram as florestas alagadas. Pena que, por lei, conhecer tudo isso é proibido. Anavilhanas é desde 1981 uma Estação Ecológica (Esec), uma das mais restritivas dentre as 12 categorias de Unidades de Conservação previstas na legislação brasileira.

Numa Esec, além de atividades de pesquisa, não se pode mais nada. Turismo, portanto, nem pensar. Mas no caso de Anavilhanas, dane-se a lei. Uma visita ao Google deixa isso claro. Digite “turismo” ao lado de “Anavilhanas” na caixa de busca e de volta vêm 585 resultados de páginas oferencendo passeios de barco pelo arquipélago e hospedagem em áreas próximas. “Não é necessariamente como coisa ruim. É uma realidade com a qual se é obrigado a lidar”, diz Claudio Pádua, do Instituto Ipê, desde 1997 envolvido com o plano de manejo de Anavilhanas e há quatro anos responsável por coordenar a sua implantação. “A questão é que o turismo tenha o menor impacto ambiental possível e o maior impacto educacional”.

Pádua sabe que é muito difícil acabar com o turismo em Anavilhanas. “Além da beleza cênica, a área está muito perto de Manaus”, afirma. O pecado original, na verdade, reside no seu status de Estação Ecológica, definido há 24 anos sem qualquer estudo que pudesse sustentar a decisão. Como Esec, Anavilhanas já nasceu letra morta. Ela tem 350 mil hectares de extensão que cobrem de margem à margem do Negro, uma das principais vias de navegação fluvial para a população do Amazonas. “Bastou o sujeito encostar o dedão do pé no rio e pronto, ele já está ilegal”, diz o biólogo Thiago Straus Rabello (foto), que faz parte do grupo de 7 funcionários do Ibama que zela pela saúde ambiental de Anavilhanas.Seria melhor que tivesse sido criada como Parque Nacional, categoria que permite a visitação pública. Há até um projeto com este objetivo tramitando no Congresso.

Mas Pádua, ciente dos perigos de deixar políticos bulirem com Unidades de Conservação, acha preferível adaptar o status atual ao seu entorno e vice-versa, reduzindo os eventuais focos de pressão sobre a Estação Ecológica. . É isso que os funcionários do governo e o pessoal que os ajuda com o plano de manejo vêm fazendo com razoável diligência desde 2001, desde que ele começou a ser implantado. Trinta das cinquenta comunidades localizadas à sua volta já estão desenvolvendo de educação ambiental. Agora, o Conselho que coordena o plano de manejo da Esec está agindo junto às operadoras de turismo. Elas já foram convocadas para uma reunião. “Apenas uma não veio”, conta Pádua, do Ipê, “o que nos dá a esperança que a qualidade do turismo do ponto de vista ambiental pode melhorar muito em Anavilhanas”. Na média, ela ainda é instável. “A idéia é conversar com os operadores e chegar a corpo de regras comuns que regulamentem o turismo como atividade de educação ambiental”, explica Rabello.

Tocado como atividade educativa, além de reduzir a pressão que exerce sobre o meio ambiente em Anavilhanas, o turismo poderia se enquadrar, forçando um pouco a barra, como pesquisa e, portanto, ser mais adequado ao que reza a lei. Além de buscar a melhoria das práticas de turismo em Anavilhanas, o plano de manejo criou alternativas para gerar renda para as populações do entorno. Pádua tem carinho especial pela Fundação Almerinda Malaquias. Ela organiza o trabalho de crianças com resíduos de madeira (foto). O artesanato é vendido na região e exportado para fora do país. Com os planos para a reorganização do entorno de Anavilhanas razoavelmente sob controle, foi a vez este ano de cuidar das questões operacionais internas da Estação Ecológica.

Até 2004, ela sofreu, como toda e qualquer operação do serviço público brasileiro, com a absoluta falta de recursos para sua gestão. O problema não era nem a falta de equipamento. Além da sede, localizada em Novo Airão, Anavilhanas tem 3 bases flutuantes, o que Rabello qualifica como um superbarco, com capacidade para 30 pessoas, e 4 voadeiras. Mas das 3 bases, duas estavam afundando. O superbarco também. E as voadeiras só de vez em quando funcionavam. Não havia dinheiro para a gasolina. “Quando as usávamos”, conta Rabello, um carioca de 25 anos de idade que passou no concurso do Ibama recém-saído da faculdade de biologia e está há três anos na Estação, “precisávamos calcular direitinho o consumo de ida e volta. Se havia dúvida quanto a poder voltar, não saíamos”.

Em 2005, A Estação Ecológica recebeu 800 mil reais que garantiram o combustível das voadeiras e levaram o barcão para o estaleiro para reparos. Em novembro, ele estará tinindo para novamente navegar pelas águas do rio Negro. O dinheiro veio do programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), projeto que envolve o governo federal, governos estaduais e municipais da região Norte, Ongs internacionais como o WWF e organismos multilaterais como o Banco Mundial. Ele está comprometido com o investimento de 400 milhões de dólares ao longo de dez anos na criação e manutenção de Unidades de Conservação na Amazônia. Para o próximo ano, a turma que cuida de Anavilhanas meteu um pedido de recursos ambicioso no ARPA. Quer 2, 6 milhões de reais.

“Não sei se vão dar”, diz Rabello. Mas se derem, garante, a Estação Ecológica vai finalmente, 24 após a sua criação, ficar consolidada. Um pedaço do dinheiro vai garantir sua manutenção anual e a de projetos de educação ambiental. O grosso destina-se a compra e instalação de balizas para criar uma hidrovia na área de Negro onde está Anavilhanas. “O balizamento vai facilitar muito o nosso trabalho de controle e fiscalização do tráfego de barcos”, diz Rabello. Hoje, quem navega pelo rio na área da Estação Ecológica está, pelo menos na teoria, em situação irregular e é portanto passível de punição. Dada a quantidade de barcos que trafegam pelo Negro, o combate a ilegalidade é inexequível.

Com as balizas para definir uma hidrovia, o trabalho será facilitado. “A fiscalização só terá que correr atrás de quem for flagrado fora dela”, explica Rabello. Não se deve imaginar que a falta do balizamento criou uma situação de caos que ameaça o futuro de Anavilhanas. Longe disso. A área, comparadas à outras Unidades de Conservação no Pará, Mato Grosso ou Rondônia, por exemplo, ainda está praticamente intacta. A irregularidade mais flagrada pela fiscalização no interior da Estação é a pesca, que é proibida. “Em geral é gente com uns poucos peixes, que está fazendo pesca de subsistência”. Nesses casos, o peixe é retido. Mas os ficais liberam os infratores com no máximo um sermão. “Os caras não tem muita alternativa para o consumo de proteína”, diz Rabello. Há ocasiões em que são flagrados com jacarés abatidos. Os bichos também são para consumo próprio.

Mas quando isso acontece, os fiscais são um pouco mais duros. Apreendem todo o material dos infratores – de isopores a facões (foto). “Não dá para ser tão tolerante porque voce pode mandar o recado errado e generalizar a idéia de que caçar jacaré não dá dor de cabeça”, diz Rabello. A extração da madeira dentro de Anavilhanas também é um problema. Mas o corte ainda está longe de ser feito em escala industrial. Às vezes, captura-se um barco derrubando com motosserras troncos ainda parcialmente submersos. “Os caras tem uma habilidade incrível. Dentro da água mesmo cortam as árvores e vão transformando-as em pranchas”, conta Rabello.

O que mais se pega transportando ou tirando madeira ilegalmente são barcos muito mal conservados, caindo aos pedaços. Os batelões em geral vão buscar madeira retirada por habitantes da região, trocada na maior parte por comida e outros produtos. Está mais para escambo do que para crime organizado. Ainda assim, a atividade às vezes merece repressão mais organizada do pessoal do Ibama. Quando isso acontece, o preço da dúzia do pau-de-escora em Manaus, uma madeira utilizada para escorar construções que é o principal produto florestal retirado de Anavilhanas sempre sobe. Este ano, numa dessas ocasiões, ele saltou de 20 para 50 reais.

Com o dinheiro do ARPA ajudando a melhorar a qualidade da gestão do Ibama dentro da Anavilhanas, praticamente só há uma coisa que ainda deixa os funcionários do órgão que trabalham por lá incomodados. O excesso de reuniões, burocracia e de demandas com às quais, às vezes, eles não tem nem nada a ver. “A gente ainda perde muito tempo em reunião fazendo projetos para arranjar recursos ou prestando contas. Seria melhor passar mais tempo no campo, mas é muito difícil”, diz Rabello. Além disso, como único órgão federal em Novo Airão, a sede da Estação Ecológica (foto) recebe qualquer cidadão que tenha algo a resolver com o governo. Como é comum em toda a Amazônia, o que mais bate à porta do Ibama é gente querendo regularizar posse de terra. “A gente não pode resolver. Mas não dá para não atender”.

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