Análises

Gestão ambiental: o seu município joga na primeira divisão, foi rebaixado ou nem participa do campeonato?

Uma gestão ambiental não depende apenas de ações do prefeito. As câmaras municipais têm papel fundamental na formulação, no monitoramento e na fiscalização das políticas ambientais

Thiago Lopes Ferraz Donnini ·
24 de setembro de 2024

No cenário dramático em que vivemos, com altos níveis de poluição do ar, desmatamento avassalador em todos os biomas, aumento expressivo das temperaturas, entre outros graves problemas, qual tem sido o papel desempenhado pelos municípios? Como podemos avaliar a qualidade da gestão ambiental a cargo de prefeitos(as) e vereadores(as), muitos(as) concorrendo à reeleição ou buscando eleger sucessores(as)?

Pensemos a partir do Estado de São Paulo, intensamente afetado por queimadas às vésperas da eleição de 2024. O Programa Município VerdeAzul (PMVA), do Governo do Estado, avalia, desde 2007, a qualidade da gestão ambiental nos municípios paulistas. Trata-se de um ranking de participação voluntária, baseado em dez diretrizes: Município Sustentável, Estrutura e Educação Ambiental, Conselho Ambiental, Biodiversidade, Gestão das Águas, Qualidade do Ar, Uso do Solo, Arborização Urbana, Esgoto Tratado e Resíduos Sólidos. 

Cada uma das diretrizes do PMVA se desdobra em exigências específicas. Inicialmente, são verificados critérios positivos, como existência e funcionamento regular de órgãos ambientais e implementação de políticas públicas específicas – como saneamento, gestão de resíduos, arborização urbana, uso do solo, prevenção de queimadas, transporte limpo, entre outras. Na sequência, a pontuação alcançada é reduzida em função dos passivos ambientais identificados em cada município por ocorrências registradas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).  

De forma muito resumida, é possível dizer que o PMVA mede aspectos básicos de uma gestão ambiental municipal conforme parâmetros constitucionais e legais vigentes. Não é exigido nenhum grau de sofisticação para que o município alcance a posição de “Certificado” no ranking. De outro ponto de vista, poderíamos até dizer que esse programa indica quais dos municípios paulistas estão efetivamente integrados, como órgãos locais, ao Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), conforme a previsão legal datada de 1981¹.

No ciclo de avaliação 2022/2023, foram Certificados os municípios que computaram a partir de 80 pontos. Além disso, o PMVA divulga as categorias Qualificado I (entre 40 e 59,99 pontos) e Qualificado II (60 a 79,99 pontos). Para ilustrar, poderíamos comparar o PMVA ao campeonato brasileiro de futebol e sua divisão em séries. Na série A, ou primeira divisão, estariam os municípios Certificados. Nas séries B e C, respectivamente, os Qualificados II e I. Na série D, aqueles que não obtiveram pontuação mínima para se qualificar. Além disso, há os que não colocaram o time em campo — e não são poucos. 

Apenas 412 dos 645 municípios paulistas se inscreveram para o último ciclo do PMVA (63,88%). Ou seja, 233 municípios, aparentemente, ignoraram o programa e os potenciais benefícios que dele poderiam advir, incluindo o acesso aos recursos do Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição. Dos 412 municípios inscritos no PMVA, temos o seguinte resultado: 86 foram certificados (20,87%), compondo o que chamamos de “série A do campeonato”; 184 foram qualificados na categoria II (44,66%), integrando a “série B”; 85 foram qualificados na categoria I (20,63%), participando da série “C”. Além disso, 57 municípios (13,83%) não pontuaram suficientemente para serem incluídos em nenhuma das categorias de qualificação. É a “série D”. Lembrando que a realidade de outros 233 municípios é desconhecida, ao menos neste programa.

A capital do Estado São Paulo – cujo cenário eleitoral dispensa comentários em 2024 – é um caso curioso no PMVA. Em 2008, primeiro ano da série histórica, contava 63,26 pontos, aparecendo entre Qualificados II. Evoluiu, em 2010, para o patamar dos municípios Certificados, alcançado mais de 80 pontos e se manteve no grupo por três anos seguidos, chegando a 86,35 pontos em 2012. A partir do ano seguinte, no entanto, foi “rebaixada” e nunca mais figurou entre os Certificados. O retrocesso, aliás, é suprapartidário: no período de 2013 a 2023, a cidade foi governada por PT (2013/2016), PSDB (2017 a 2020) e PMDB (desde 2021). 

Poucos municípios se mantiveram sempre acima de 80 pontos no período entre os anos de 2008 e 2020 do PMVA, que foi consolidado em uma tabela única. Alguns são grandes centros urbanos e industriais, como Sorocaba e Jundiaí, e outros, como Gabriel Monteiro e Piacatu, cidades de pequeno porte, com pouca relevância econômica no Estado. As pesquisadoras Marina Dantas e Cláudia Passador, da Universidade de São Paulo, sistematizam conclusões de estudos anteriores sobre os dados do PMVA e analisam os fatores que podem estar associados ao melhor desempenho de municípios em determinados ciclos do programa. Dentre os achados da pesquisa, verifica-se que o melhor desempenho não está associado ao porte populacional dos municípios Certificados, que é muito variado.   

Outros indicadores parecem confirmar as constatações preocupantes obtidas através do PMVA, lançando luzes sobre a realidade dos municípios não participantes. O Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) mede critérios parecidos com aqueles definidos pelo PMVA para a gestão ambiental municipal, ao lado de outras questões administrativas, financeiras e sociais. Para o ano base 2022, o TCESP indica que 438 (67,91%) dos municípios do Estado (excluída apenas a Capital) obtiveram a nota C, que é a mais baixa, no quesito relativo à gestão ambiental. Um pouco acima, com C+, temos 100 municípios (15,50%). Com a nota B, 80 municípios  (12,40%) e B+, 3,88%. Apenas um município, Bragança Paulista, alcançou a nota A (0,16%) — no PMVA, a mesma cidade figura com 98 pontos, entre os Certificados com maior nota. 

Temos ainda o ranking de desmatamento da mata atlântica nos municípios, divulgado periodicamente pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O município de Itapecerica da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo, liderava esse ranking em 2022. O mesmo município aparece com apenas 29,5 pontos no último ciclo do PMVA (insuficiente para ser qualificado no ranking e, portanto, figurando no que chamamos aqui de “série D”) e tem a pior nota do IEG-M/Meio Ambiente (como a maioria dos municípios paulistas). 

Vale lembrar, ainda, que uma gestão ambiental minimamente rigorosa não depende apenas de ações do poder executivo municipal. As câmaras municipais têm papel fundamental na formulação, no monitoramento e na fiscalização das políticas ambientais. Retrocessos ambientais significativos, em geral, contam com a chancela de vereadores(as), por ação ou omissão.

Parte dos aspectos avaliados pelo PMVA, aliás, depende de atuação legislativa. Em 2021, realizei um levantamento sobre projetos de lei relevantes para a temática ambiental em tramitação nas câmaras dos oito municípios que integram o Consórcio Intermunicipal da Região Sudoeste da Grande São Paulo (Conisud). Pude verificar que o assunto tem sido maciçamente ignorado, ainda que nessa região estejam algumas das principais áreas de mananciais do Estado de São Paulo, unidades de conservação estratégicas e diversos remanescentes de mata atlântica ainda não protegidos. Não por acaso, nenhum dos municípios do Conisud obteve pontuação suficiente para se qualificar no PMVA. Três deles sequer se apresentaram ao programa no último ciclo. No IEG- M, todos obtiveram a nota mais baixa. 

Finalmente, ainda que o PMVA avalie critérios mínimos para uma gestão ambiental adequada, no próximo ciclo (2024-2025), a nota para os municípios Certificados cairá de 80 para 75 pontos, sem que esta flexibilização esteja devidamente motivada – o que, é claro, seria muito difícil no cenário ambiental que enfrentamos. Embora a medida não surpreenda, considerando o perfil do grupo político do atual governador de São Paulo, será mais um retrocesso para os esforços de aperfeiçoamento da gestão dos municípios.  

Notas

¹O estudo “Diagnóstico da gestão ambiental municipal”, da Confederação Nacional dos Municípios, pontua, já no primeiro parágrafo, que: “A gestão ambiental foi implantada efetivamente e institucionalmente nos Municípios brasileiros a partir da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), a qual designou aos Municípios um papel significativo na defesa do Meio Ambiente”. Disponível em: <https://cnm.org.br/storage/biblioteca/2023/Estudos_tecnicos/202305_ET_MAMB_Diagnostico_Gestao_Ambiental_Municipal..pdf>

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Thiago Lopes Ferraz Donnini

    Advogado e professor de direito administrativo, foi pesquisador na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

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