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Palavra contestada

Pesquisadores são ameaçados em Corumbá (MS) porque fizeram estudo sobre impacto de siderúrgica no Pantanal. Eles são acusados de serem contra o desenvolvimento.

Andreia Fanzeres ·
17 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Tudo o que um grupo de seis pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul fez foi aceitar uma solicitação do Ministério Público e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) para fazer um parecer técnico do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da siderúrgica de ferro-gusa que a empresa EBX, do empresário Eike Batista, quer instalar no Pantanal.

O documento foi concluído no dia 24 de abril. Até hoje não foi aberto para o público e, sem o aval do Ministério Público, nem a chefia de pesquisas da Embrapa Pantanal se sente confortável em revelar os resultados. Ainda assim, mesmo sem uma linha do parecer ter sido divulgada, seus autores estão sendo alvos de protestos e ameaças em Corumbá devido a suspeita de que o parecer é contrário à criação de um pólo mínero-siderúrgico numa importante área do Pantanal. E, portanto, irá impedir o desenvolvimento da região e a geração de cerca de dois mil empregos.

“Fora ambientalistas!”, “Fora os que não querem o desenvolvimento de Corumbá!”, “Vamos expulsá-los à bala!” alardeiam algumas pessoas de dentro de carros de som com a marca da prefeitura da cidade se referindo aos pesquisadores. “Eles ganham em dólar!”, “São ligados a organizações internacionais”, “São marajás, que ficam encastelados em suas boas casas, enquanto você, trabalhador desempregado, está passando necessidade…”.

A radicalização das manifestações levou os pesquisadores a buscarem apoio fora do ambiente pantaneiro. Um deles, Débora Calheiros, doutora em ecologia de rios e áreas inundáveis e funcionária da Embrapa Pantanal, procurou os meios de comunicação e publicou um artigo demonstrando indignação pelo fato de os impactos ecológicos não estarem sendo levados em consideração. Por isso, representantes de ongs testemunham que Débora vem sendo fortemente atacada na imprensa local, especialmente pelo radialista Pedro Paulo, da rádio Tamengo, retransmissora da Transamérica na cidade. “Não estou atacando ninguém. Minha família é pantaneira, mora aqui há mais de 200 anos. Nós sabemos como preservar o Pantanal e como ele é importante para nós.”, defende o locutor.

“Essa briga não é minha, nem da rádio. É da cidade, que quer desenvolvimento”, defende o radialista. Débora rebate e, como pesquisadora, se diz responsável em alertar a população sobre os riscos dos empreendimentos industriais planejados. “Tem pantaneiro que não conhece nada além da capital do estado. A maioria nunca foi a ambiente poluído, não sabe o que vai perder”, avisa.

O plano e as dúvidas

Este empreendimento da EBX é apenas um dos 10 previstos para aportarem na cidade com o objetivo de formar um pólo minero-siderúrgico e outro gás-químico no coração do Pantanal. O projeto é cheio de pontos passíveis de dúvida. A empresa está disposta a investir 75 milhões de dólares para implantar uma unidade de produção com potencial para gerar 35 mil toneladas de ferro-gusa por ano. Tudo movido a carvão vegetal, o que, para os pesquisadores, é um dos pontos mal explicados pela empresa. Não ficou claro de onde a EBX vai tirar madeira para produzir as anuais 216 mil toneladas de carvão vegetal que atenderão a sua demanda.

A EBX divulgou que vai usar uma área de 33.800 hectares fora do Pantanal para plantar eucalipto e extrair a madeira para fazer o carvão, mas isso não convenceu os pesquisadores. “Não nos deram a informação de onde virá a matéria-prima. Lembre-se que a EBX foi expulsa da Bolívia porque eles iriam usar carvão vegetal de mata nativa”, diz a bióloga, que suspeita que o combustível para abastecer a siderúrgica brasileira também virá do país vizinho.

A siderúrgica está planejada para ser construída a cerca de 50 quilômetros de Corumbá, numa região conhecida como Antônio Maria Coelho, que, segundo Débora Calheiros, é o único lugar que tem abundância de água fora o rio Paraguai. “Esses empreendimentos usam muita água e têm enorme potencial poluidor”. Ainda mais ali. Dezoito famílias vão precisar ser remanejadas e a área é próxima dos balneários da cidade, refúgio dos corumbaenses em períodos de forte calor.

Outro ponto passível de questionamento, na opinião de Débora, foi a condução do processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, quando essa atribuição deveria ser do Ibama. “É área de influência de um rio da União, o Paraguai, estamos numa área de fronteira, sem falar nos riscos de poluição que esse empreendimento pode trazer ao Pantanal. Por tudo isso, o governo federal deveria estar dirigindo o processo”, diz.

Luis Felipe Kunz, diretor de licenciamento do Ibama em Brasília, explica que os processos de licenciamento só passam para as mãos do governo federal quando a área de influência da obra abrange mais de um estado. “Como a obra da siderúrgica tem impacto direto apenas no Mato Grosso do Sul, ela fica automaticamente a cargo do estado”, afirma Kunz.

Em nota, o governo estadual demonstrou mais do que interesse em instalar logo a siderúrgica em Corumbá. “Mato Grosso do Sul não pode ter apenas dois setores segurando a economia, como a soja e o boi. Tem que diversificar”, disse o secretário de Meio Ambiente, José Elias Moreira. O turismo, como se vê, ficou pra escanteio.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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