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O mundo é mesmo de Marlboro?

Estamos prestes a vivenciar uma onda de extinções ainda pior do que a que dizimou os dinossauros. Não se trata de nenhum meteoro, mas de 7 bilhões de humanos.

29 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Em recente artigo publicado na página da BBC na Internet (Biodiversity: The sixth great wave), o correspondente da BBC Online para a biodiversidade, Alex Kirby, chama a atenção para o processo que alguns cientistas já vêm chamando, há algum tempo, de a “sexta grande onda de extinção em massa” por que passa a Terra. A última dessas “ondas” aconteceu há cerca de 65 milhões de anos, no período geológico conhecido por Cretáceo, e – de certa forma, ainda bem – acabou com os grandes répteis protagonistas da trilogia Jurassic Park. Daquela vez, segundo a teoria mais aceita, um grande meteoro que caiu no Golfo do México teria sido o causador do grande cataclisma. Dessa vez, o meteoro somos nós, que vimos apresentando a mesma inteligência daquele pedaço de pedra interplanetário.

A humanidade, em sua desenfreada expansão, tem exercido uma enorme pressão sobre todas as demais espécies, seja tomando e destruindo seus habitats, seja explorando-as diretamente. As plantações e construções, o consumo de madeira, peles, carne, chifres, dentes e óleos vegetais e animais acabam diariamente com um número de espécies que só podemos estimar, pois para precisá-lo seria necessário conhecer, antes de destruir, todas elas. Disso, não estamos nem perto. Estima-se que existam entre 13 e 14 milhões de espécies vivas neste planeta, das quais só conhecemos pouco mais de 1,5 milhões. Não chegam a 11%. Segundo dados apresentados por Kirby, a lista vermelha dos animais em risco de extinção divulgada pela World Conservation Union incluía um espécie em cada família de pássaros, 13% das espécies de plantas com flores e nada menos do que um quarto dos mamíferos.

Kirby chama a atenção, ainda, para o fato de que, embora existam muitas campanhas para salvar o panda, a foca e outras espécies “superiores”, muito pouco tem sido feito para preservar as que realmente comandam e criam as condições de vida no planeta, como os micróbios e as bactérias. Convenhamos, é muito mais fácil angariar fundos para salvar um animalzinho felpudo e com grandes olhos redondos do que uma criatura microscópica, cuja existência a maioria de nós ignora, e com aparência assustadora ou repugnante. Ninguém doa dinheiro ou se importa em preservar os ácaros, mas eles são, como todos os demais seres vivos, um elo essencial da cadeia que sustenta a vida na Terra, tão ou mais importante dos que qualquer mamífero. É justamente essa noção de interdependência que nos falta. Não importa o quão sejamos desenvolvidos, não podemos viver sem o equilíbrio ecológico sustentado por todas essas criaturas que repudiamos.

Se a humanidade insiste em destruir o que propicia a sua própria vida, em nome de interesses passageiros e mesquinhos, não existe outra saída a não ser baixar a cabeça e admitir que Thomas Hobbes estava certo: o homem é o lobo do homem e precisa da assustadora figura do Estado tirânico para impedi-lo de destruir a si mesmo. Quando Hobbes, na primeira metade do século XVII, concebeu O Leviatã, talvez não soubesse, mas estava criando um dos maiores manifestos a favor do direito ambiental jamais escritos.

Segundo ele, o ser humano é naturalmente agressivo, ganancioso e capaz de matar seu semelhante para conseguir o que deseja. Tem sido assim desde sempre. O problema se agrava, no entanto, quando passamos a nos organizar em sociedade e passamos a precisar de um mínimo de segurança para viabilizar essa convivência. Foi assim que Hobbes veio com a figura do Leviatã, a corporificação, em um ou em um pequeno grupo de indivíduos, do Estado, cuja única função seria, de acordo com o contrato social firmado por todos os indivíduos que integram uma determinada sociedade, assegurar a vida de seus subordinados. Garantida a paz, a sociedade pode deixar de se preocupar com a própria segurança todo o tempo e torna-se produtiva. Sob a tutela do Leviatã, quem cometesse atos de violência contra outra pessoa, seria punido rigorosamente. Hobes se baseia no que me parece ser o reconhecimento da estupidez natural humana, que é incapaz de pôr de lado seus impulsos pessoais mesmo que isso seja necessário para a sua própria existência.

É evidente que bem menos da metade da população mundial sabe das delicadas relações existentes entre todas as formas de vida. É verdade, também, que muitas pessoas por aí não se importam com nada a não ser suas necessidades imediatas, que se não atendidas podem significar o fim de suas vidas. Mas os responsáveis individuais pelos maiores danos ambientais são pessoas instruídas, que têm pelo menos alguma consciência das conseqüências de seus atos: industriais, fazendeiros, donos de mineradoras ou pedreiras, por exemplo. É gente que, no mínimo, tem acesso aos meios de comunicação que vêm denunciando, com certa freqüência, os problemas ambientais do planeta. Dificilmente se acharia um dono de madeireira que não tenha visto pelo menos um Globo Repórter sobre a Amazônia e seus problemas. Mesmo assim, seria quase ridículo imaginar um deles mudando de profissão em decorrência de uma consciência ecológica recém-adquirida. Não se trata, portanto, de ignorância, no sentido puro do termo, mas de estupidez.

É aqui que entra o direito ambiental. O direito não é fim em si próprio, ao contrário do alguns parecem crer. O direito é o meio através do qual se mantém a ordem e se possibilita a vida em sociedade. O direito ambiental não é diferente e se apresenta como a mais valiosa ferramenta de que dispomos para viabilizar a nossa própria existência, não apenas em sociedade, mas como indivíduos, como espécie. Ao que tudo indica, por estranho ou irracional que pareça, nós temos que temer ser duramente punidos por nossos crimes ambientais ou vamos continuar nosso lento suicídio coletivo – que talvez não seja nem tão lento assim e talvvez não seja propriamente um suicídio, mas um genocídio que saiu pela culatra. A degradação dos recursos naturais, ao que parece, se assemelha ao vício cigarro, que insistimos em manter mesmo sabendo que nos levará a um fim doloroso e trágico. Como as fotos que o Ministério da Saúde colocou nos maços de cigarros, o resultado de nossos maus passos pela Terra está bem na nossa cara.

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