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Trilha Transcarioca, um trabalho de muitos

A ideia surgiu há 20 anos, germinou e ganhou força de um coletivo dedicado. Somos montanhistas, defendemos o meio ambiente, somos muitos.

21 de maio de 2015 · 9 anos atrás

Botinha amarela, a marca registrada de sinalização da Trilha Transcarioca. Foto:
Botinha amarela, a marca registrada de sinalização da Trilha Transcarioca. Foto:

No início do mês recebi um telefonema da Márcia Hirota, Diretora-Executiva da SOS Mata Atlântica. Atendi sem medo, Márcia sempre foi portadora de boas notícias. Dessa vez, contudo, a notícia não era boa, era ótima: a SOS estava levando para o Rio de Janeiro, pela primeira vez em seus onze anos de existência, o evento “Viva a Mata – Encontro Nacional pela Mata Atlântica“. Melhor ainda, Márcia me convidou a ir à Cidade Maravilhosa para receber uma homenagem pelo “esforço na conservação da Mata Atlântica”.

A homenagem, contudo, está longe de ser para mim, pois como a própria SOS sinalizou, ela é um “reconhecimento pelo trabalho em pról da concretização da Trilha Transcarioca (e dos Caminhos da Serra do Mar)”. No dia do prêmio, 13 de maio, embarquei em Brasília logo depois do expediente, diretamente para o Rio de Janeiro, onde subi ao palco de um auditório lotado de companheiros de lutas e de crenças para receber essa homenagem em nome de todos os “transcarioqueiros”, essa comunidade de lutadores e de idealistas.

Sim, é verdade, concebi a Trilha Transcarioca há 20 anos (vinte anos – o tempo voa). Ela nasceu na década de 1980, quando eu ainda era comissário da Varig. Com muitas horas livres durante a semana, comecei a explorar incessantemente a rede de trilhas do Rio de Janeiro. Não foi uma exploração aleatória. Ainda não havia o Google Earth, mas quando o avião se aproximava para pousar no Santos Dumont ou no Galeão, sentava-me à janela e ficava estudando os caminhos possíveis que ligavam as praias selvagens de Guaratiba ao rochedo do Pão de Açúcar. Nem sempre o que via do ar era transponível no terreno mas, como tempo nem vontade me faltavam, em pouco mais de quatro anos mapeei e percorri todo o conjunto de trilhas cuja conexão as transformou na Trilha Transcarioca.

Em 1995 fui convidado para ser assessor da Candidatura do Rio de Janeiro a sede das Olimpíadas. Como parte do trabalho, viajei a Atlanta em 1996, onde travei contato com um livro sobre a Appalachian Trail. Devorei seu conteúdo de uma só sentada. Nunca mais fiquei em paz! O Rio de Janeiro também tem sua Appalachian Trail! Embora menor em distância, os 180 quilômetros de Guaratiba até o Pão de Açúcar se constituem em uma trilha de longo curso comparável em atrativos e belezas ao grande percurso das Montanhas Apalaches.

Logo que pude, coloquei a ideia no papel. A trilha já existia – eu mesmo a havia percorrido – mas faltava-lhe pessoal, orçamento, sinalização, manejo, fiscalização, divulgação… enfim, faltava-lhe tudo. Sobretudo faltava quem acreditasse na ideia. Quase todos que a escutavam olhavam para mim como se eu fosse um louco desvairado.

Aos poucos, entretanto, pessoas de visão foram me dando força. J. Roberto, antigo morador do Alto da Boa Vista, foi um deles, João Alfredo Viegas, presidente da Associação de Amigos do Parque Nacional da Tijuca outro. Luiz Paulo Conde também gostou do projeto e me convidou a tentar implementá-lo pela Prefeitura. Com seu beneplácito e com a parceria dos alunos da UNIVERCIDADE, implantamos, em 1998, a trilha da Catacumba, primeiríssimo trecho sinalizado da Trilha Transcarioca, que desde então recebeu mais de 200 mil visitantes.

Em 1999, fui nomeado Diretor-executivo do Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Nos dois anos que se seguiram a Trilha Transcarioca realmente começou a sair do papel. Com uma equipe bem motivada de funcionários e um grupo de cerca de duzentos voluntários, montamos dois circuitos circulares de trilhas, somando cerca de 45 quilômetros. Esses dois circuitos foram pensados e implementados de forma a estarem inseridos no trajeto da Trilha Transcarioca, e fazem parte dela atualmente.

Em 2000, consegui publicar o livro “Transcarioca: Todos os Passos de Um Sonho”, onde explico a ideia e seus conceitos. Nesse mesmo ano, fui exonerado e o projeto adormeceu.

Passei a década seguinte servindo o Brasil em quatro Embaixadas espalhadas pelo mundo. Dediquei meu tempo livre para estudar unidades de conservação, com especial foco nas trilhas de longo curso, seu manejo, sua sinalização e, sobretudo, seu papel como corredores ecológicos entre unidades de conservação. Em dez anos percorri quase cinco mil quilômetros de cerca de 60 trilhas de longo curso em todos os continentes, entrevistei seus usuários, me reuni com seus gestores.

Confesso, contudo, que voltei ao Brasil, em 2011, disposto a abandonar o sonho, que acreditava ser impossível de realizar. Fui acordado pelo entusiasmo de novos sonhadores. O aguerrido grupo de Chefes das Unidades de Conservação que compõem o Mosaico Carioca me procurou querendo tirar a Trilha Transcarioca do papel. Seria possível? Me belisquei. Estaria acordado? Em seguida, o INEA apoiou o projeto.

Quando a excelente equipe de trilhas da Floresta da Tijuca recomeçou o trabalho de sinalização, não demorou para que os Clubes Excursionistas e outros grupos de caminhada aderissem à ideia. Em seguida tivemos o apoio de algumas das principais ongs ambientalistas como a CI, ((o))eco, o SEMEIA, o WWF e a própria SOS. A coisa avançou tanto que o projeto chegou ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos com o nome de Caminhos da Serra do Mar, e em fins de 2104 serviu de embrião para o planejamento de uma trilha de longo curso entre o Rio Grande do Sul e Bahia.

Pronto, era o que a Trilha precisava para decolar. Agora ela não é mais uma ideia de uma só pessoa, mas um projeto de MUITOS, entre os quais sou apenas mais um. Entusiasmados, arregaçamos as mangas. Começamos a sinalizar, manejar, fazer drenos e voltamos a sonhar. Em 2014, resolvemos fazer um mutirão para, em um só dia sinalizar 100 km da Trilha Transcarioca. Esperávamos uns trezentos inscritos. Tivemos quase mil. Oitocentos apareceram para trabalhar. Achamos que não íamos dar conta. A Trilha Transcarioca não tem pessoal nem orçamento próprios. Nessas condições, como receber, treinar e usar a mão de obra voluntária de quase mil pessoas?

Chegamos à beira do desespero. Graças a Deus não estávamos sozinhos. S.O.S. Mata Atlântica, Conservação Internacional, WWF, SEMEIA, ((o))eco, o Bondinho do Pão de Açúcar, Moleque Mateiro, Grupo Terralimpa, Florescer, S.O.S. Trilhas, Amigos do Perigoso, AVEC Trihas, FEMERJ, Centros Excursionistas e as equipes das Unidades de Conservação do Mosaico Carioca, entre outras tantas associações e grupos, entenderam a importância de um projeto capaz de mobilizar tanta gente em favor de uma mesma causa. Todos se uniram para fazer o evento acontecer. Esses parceiros viabilizaram o orçamento, as ferramentas e os veículos necessários para o Mutirão, que foi realizado sem nenhum incidente. Graças a eles, hoje a Trilha Transcarioca já tem 100 km sinalizados!

Como subproduto do Mutirão sete trechos da Trilha Transcarioca foram adotados por grupos de voluntários, que estão se responsabilizando pela manutenção de seus leitos, sinalização e poda (Amigos do Perigoso, Centro Excursionista Brasileiro, AVEC Trilhas, Moleque Mateiro, Ecotribo/Grupo Terralimpa, Florescer e Centro Excursionista Light).

O aumento do reconhecimento veio em seguida. Cresceu muito o fluxo de usuários e multiplicaram-se as visitas à página da Trilha Transcrioca no Facebook. Ainda em 2014, o Centro Excursionista Brasileiro nos concedeu o título de Sócio Honorário, e em 2 de maio desse ano Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada organizou uma palestra sobre a Trilha Transcarioca durante a 2ª Semana Brasileira de Montanhismo, tendo indicado a Trilha como um dos três concorrentes ao Prêmio Mosquetão de Ouro. Mais recentemente a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro incluiu a Trilha Transcarioca no seu “Programa Municipal da Mata Atlântica”.

Ainda há problemas. Não temos pessoal próprio (embora tenhamos mais de mil voluntários cadastrados), não temos sede, não temos orçamento, não temos sequer um website. Ainda não temos mapas detalhados, nem placas sinalizadoras de primeiro mundo. Temos, contudo, um estudo do SEBRAE que nos mostra como a Trilha Transcarioca pode gerar emprego e renda para as comunidades do entorno, se articulando com as UPPs de uma forma que a professora Jacqueline Muniz vaticinou que pode transformar a Trilha Transcarioca “na linha que vai costurar a cidade partida”. Temos, sobretudo, o cimento que pode fazer desse projeto uma realidade. Hoje somos muitos sonhando juntos esse mesmo sonho e arregaçando as mangas para fazer dele um equipamento digno da Cidade Maravilhosa.

Prezada Márcia Hirota, obrigado pela homenagem. Não sou o único merecedor dela, por isso quero dividi-la publicamente com todos os voluntários e profissionais, pessoas físicas e pessoas jurídicas, que estão se dedicando de corpo e alma a esse projeto. Dedico essa homenagem especialmente a todos que teimam em sonhar esse belo sonho junto comigo. Agradeço também à minha família que, docemente constrangida, tantas vezes pegou na enxada e sujou as mãos de tinta, sinalizando a pegada amarela da Trilha Transcarioca.

Mais do que isso, quero dedicar essa homenagem a gente como você, Márcia Hirota, que dá gás a todos nós abnegados e idealistas e nos ajuda a continuar essa luta dura que muitas vezes parece perdida.

Em nome dos mais de mil voluntários e profissionais que trabalham pelo sucesso da Trilha Transcarioca, Obrigado.

Pedro da Cunha e Menezes

TRILHA TRANSCARIOCA
SOMOS MONTANHISTAS
DEFENDEMOS O MEIO AMBIENTE
SOMOS MUITOS

 

 

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