Análises

Por uma nova onda de soluções para a resiliência e a saúde do oceano

Estudo do FMI estima que 8 milhões de toneladas de lixo plástico acabam no mar todos os anos, sendo 80% provenientes do continente. Se não mudarmos esse quadro, o oceano terá mais lixo do que peixes até 2050

Liziane Ceschim Alberti · Janaína Bumbeer ·
22 de outubro de 2021 · 2 anos atrás

Ele cobre cerca de 71% do nosso planeta, conecta populações, mercados e representa uma parte importante da nossa herança natural e cultural. Fornece mais da metade do oxigênio que respiramos, exerce um papel vital no ciclo da água e no equilíbrio climático, abriga grande biodiversidade, além de ser fonte importante de serviços ambientais para o planeta. Mas o oceano, com sua imensa importância para a vida na Terra, enfrenta perigosas ameaças e necessita de esforços imediatos de todos para reverter o ciclo de declínio em sua saúde e produtividade.

O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em agosto deste ano, demonstrou que o aquecimento do planeta terá consequências muito graves para toda a humanidade, mas também revela que ainda podemos agir para evitar um futuro distópico. Infelizmente, já é certo que o aumento da temperatura média da Terra deve ampliar os fenômenos climáticos extremos por todas as regiões do planeta, oferecendo riscos ainda maiores para as regiões costeiras e cidades litorâneas.

O cenário é muito desafiador para o Brasil, que precisa ampliar seu compromisso com a conservação do mar e dos recursos marinhos. Afinal, possuímos aproximadamente 8.500 quilômetros de extensão costeira, onde se concentra quase um quarto da nossa população, englobando cerca de 400 municípios, distribuídos ao longo de 17 estados e perfazendo cerca de 30% de toda a riqueza do país, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nossa ampla área banhada pelo oceano possui enorme diversidade de ecossistemas e espécies, onde se destaca a maior faixa contínua de manguezais protegidos do mundo (entre os estados do Amapá e Maranhão) e os únicos ecossistemas recifais do Atlântico Sul. Precisamos reconhecer que a biodiversidade costeira e marinha é o nosso melhor sistema de defesa natural na luta contra as mudanças climáticas. Estudos comprovam que o oceano absorveu, provavelmente, entre 20% e 30% das emissões causadas por atividades humanas totais de dióxido de carbono (CO2) desde os anos 1980. Além disso, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), cada baleia captura cerca de 33 toneladas de CO2 durante sua vida, enquanto uma árvore, durante o mesmo período, contribui com 3% da absorção de carbono de uma baleia.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (ICC), quase 50% das áreas alagadas costeiras foram perdidas nos últimos 100 anos, especialmente como resultado dos efeitos sinérgicos de pressão humana, aumento do nível do mar, aquecimento e eventos climáticos extremos. Os ecossistemas vegetados costeiros, como restingas, marismas e manguezais, são importantes reservatórios de carbono e sua perda é responsável pela liberação atual de 0,04 a 1,46 Gigatoneladas de Carbono (GtC) por ano. Para se ter ideia da importância dessas áreas, já está comprovado que os manguezais do nordeste brasileiro, por exemplo, sequestram mais de oito vezes carbono que os ecossistemas terrestres da Caatinga. Além disso, também são capazes de dissipar cerca de 66% da energia total das ondas que atingem a costa em eventos de tempestade.

A capacidade desses ambientes de responder a vários efeitos de mudanças, de maneira que seja permitida a recuperação ou reconstrução, é conhecido como resiliência. Esse conceito não significa, necessariamente, um retorno às condições originais, mas sim a adaptação para manter a mesma estrutura e funções. Nesse caso, também mantém a proteção costeira, produtividade ecológica de longo prazo e de saúde pública.

Sem investimentos na proteção dos ambientes costeiros, a infraestrutura e as comunidades localizadas na zona costeira podem ser expostas a progressivos riscos de enchentes e erosões costeiras. Algumas regiões formadas por ilhas podem sofrer grandes prejuízos ou até mesmo vir a se tornar inabitáveis. Além disso, outros impactos, como comprometimento dos recursos naturais e intrusão salina (caracterizada pela introdução da água salgada em um aquífero de água doce), podem prejudicar fortemente as populações que vivem nessas regiões.

Glaciares, neve e o gelo permanente do subsolo em determinadas regiões estão diminuindo e continuarão a diminuir cada vez mais rápido. O nível do mar está aumentando em média 3,6 milímetros por ano – o dobro do aumento registrado no último século. Alguns milímetros podem parecer pouco, mas é importante ressaltar que estudos apontam que a cada centímetro de aumento do nível do mar, em média 2,86 metros de linha de costa são afetados.

Outro desafio é a gestão da poluição marinha. Estudos recentes da Associação Educacional do Mar de Woods Hole (EUA) e dados divulgados no Fórum Econômico Mundial de Davos estimam que 8 milhões de toneladas de lixo plástico acabam no mar todos os anos, sendo 80% provenientes do continente, o que pode resultar em um cenário em que o oceano tenha mais lixo do que peixes até 2050. Importante ressaltar que a poluição vai além do lixo, incluindo também a poluição sonora (atividades portuárias e costeiras), o descarte de efluentes sanitários, o derramamento de petróleo e seus subprodutos e a poluição por outros produtos da indústria petroquímica e de circulação nos portos e embarcações.

Além disso, os recifes de coral e costões rochosos dominados por organismos imóveis e calcificantes, como corais, cracas e mexilhões, são atualmente afetados por temperaturas extremas e acidificação do oceano. Esses fatores já resultaram em eventos de branqueamento de corais em grande escala e com frequência crescente, causando grande degradação desses ambientes, sendo a sua recuperação extremamente lenta. Isso é muito grave, pois os corais são importantíssimos para a vida marinha, o turismo e a proteção das zonas costeiras. Precisamos interromper e reverter o declínio da saúde e produtividade do nosso oceano e seus ecossistemas, garantindo sua resiliência e integridade ecológica. O bem-estar das gerações presentes e futuras está profundamente ligado às nossas atitudes e pode ser colocado em risco pelas nossas omissões. Antes que seja tarde demais, é muito importante desenvolver, manter e fortalecer ações e políticas públicas de conservação da biodiversidade costeira e marinha. O engajamento da sociedade, especialmente com a oportunidade que a Década do Oceano (que vai de 2021 a 2030) nos proporciona, quando todos voltarão seus olhos a atenção ao oceano, não pode ser uma meta para o futuro, tornou-se questão essencial para a nossa sobrevivência.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Janaína Bumbeer

    Doutora em Ecologia e Conservação com foco em ambientes marinhos e especialista em Conservação da Biodiversidade na Fundação Grupo Boticário.

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