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Fofo é a mãe

Uma vez que se sabe mais sobre golfinhos, descobre-se que eles não têm vocação natural para malabaristas e são donos de uma organização social invejável.

7 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Há aproximadamente 5 anos, o turismo, maior e única fonte de renda de Fernando de Noronha, ainda despejava centenas de seres humanos na Baía dos Golfinhos, uma das áreas mais disputadas pelos turistas no arquipélago.

Com o tempo (e em tempo), os pesquisadores do projeto Golfinho-Rotador constataram que o assédio estava afetando os hábitos dos animais e os afastando da costa. Hoje, os fãs de Flipper estão proibidos de nadar com os golfinhos. Apesar de dóceis, os animais são selvagens e estranham a histeria coletiva dos turistas.

Para protegê-los e mantê-los por perto, o mergulho intencional com estes animais foi proibido e, desde 1999, o homem vem sendo adestrado para contemplar sem “participar”. Convencer os turistas de que Noronha não é filial do Sea World é uma tarefa árdua. A possibilidade de nadar ao lado de um bando de flippers deixa o público excitado.

Uma das maneiras de suavizar essa excitação é delimitar a área de tráfego das embarcações. Outra, é informar os visitantes sobre o que se conhece acerca dos golfinhos. Quando se sabe mais sobre os bichos, boa parte do encanto que eles exercem sobre os humanos por parecerem apenas animais dóceis, criados para nos agradar, se esvai. Mas faz crescer a nossa admiração.

Hoje, os barcos de passeio rondam a área mas não adentram a zona sutilmente demarcada pelos golfinhos. Quando qualquer embarcação se aproxima, parte do bando começa o espetáculo. Os golfinhos bailam e as pessoas gritam. É “ai, que fofo” para todo lado. O glamour, entretanto, termina aí.

Para a surpresa dos turistas, o bando quem vem “brincar” perto do barco é formado pelos guardiões. De acordo com o pessoal do Ibama, a intenção deles é proteger a área e o resto do grupo. É uma forma simpática de manter o perigo distante. Os homens pensam que estão agradando e os golfinhos dominam a cena, sabem exatamente o que estão fazendo. Afinal, eles têm o cérebro maior que o dos humanos e com 50% a mais de neurônios.

O hábito de dar saltos extraordinários, por exemplo, não tem nada de exibicionismo. Quando fazem isso, os golfinhos estão comunicando aos outros integrantes do grupo o que deve ser feito. “Cada salto corresponde a uma determinada atividade, como aumentar a velocidade de deslocamento, agrupar os bichos ou definir uma rota a ser percorrida”, explica José Martins, coordenador do Projeto Golfinho-Rotador que trabalha em parceria com o Ibama.

O comportamento dos golfinhos de Noronha é observado diariamente pela equipe de biólogos que vivem em função deles. Os pesquisadores vêm monitorando até a performance sexual da espécie, que aliás, é cheia de particularidades.

Uma fêmea pode ser cortejada por até dez machos ao mesmo tempo. Eles fazem uma fila e se revezam na penetração, que dura cerca de 15 segundos. A maratona sexual pode se prolongar por duas horas. É a fêmea quem define quais serão os machos contemplados.

Nos últimos tempos, constataram comportamento homossexual em 21 deles, incluindo machos e fêmeas. Quem acreditava que o sexo entre esses animais se limitava à procriação, pode estar enganado. Em quase todos os casos, “os namoros” são praticados fora do período de reprodução. “Entre os machos, observamos que oito se limitavam ao sexo oral”, disse José Martins.

O comportamento sexual dos golfinhos-rotadores consiste numa estratégia reprodutiva polígama, as atividades sexuais são realizadas sem fins reprodutivos. Os pesquisadores acreditam que eles pratiquem o sexo teoricamente “invertido” apenas em busca de prazer.

Enfim, os golfinhos vivem no paraíso, numa estrutura social muito fluída, livre de regrinhas hipócritas e preconceitos. São mais que inteligentes. São sábios. Driblam o mundo fazendo acrobacias. Ao invés de pesquisá-los somente com intenção de protegê-los de nós mesmos, o ideal seria aprender com eles.

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