Colunas

A união faz a força, o Brasil ajuda e o meio ambiente agradece

Ambientes naturais não conhecem fronteiras políticas. Por isso, é fundamental incentivar unidades de conservação transfronteiriças, como a que protege o Monte Elgon, na África.

22 de junho de 2007 · 17 anos atrás

Desde que em 1872 Yellowstone foi declarado o primeiro Parque Nacional no mundo, a discussão sobre conservação ambiental tem evoluído muito. Inicialmente, a razão principal para se criar um parque era salvaguardar para futuras gerações uma área natural de extrema beleza ou grande importância ambiental. À medida que o tempo foi passando, a população mundial se multiplicando e crescentes nacos de áreas pristinas foram sendo desmatados para a agricultura, pecuária e urbanização, ficou patente que, a criação pura e simples de parques não era suficiente e que seria necessário fazer algo mais caso efetivamente quiséssemos preservar o meio ambiente. Foi assim que surgiu a recomendação da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) de que todos os países devem fazer um esforço para preservar pelo menos 10% de cada ecossistema que existam em seus territórios. Tal recomendação, logo incorporada ao pensamento científico desencadeou, sobretudo a partir da década de 1970, uma onda de decretos mundo afora criando uma série de novas unidades de conservação que, nos ultimos 35 anos, multiplicaram exponencialmente a área protegida nos cinco continentes.

Principalmente a partir da década de 1980, entretanto, pesquisas científicas demonstraram que a política de criar Unidades de Conservação é por si só insuficiente para garantir a preservação dos ecossistemas de forma íntegra, isto é, sem a extinção de várias de suas espécies. Parques isolados transformam-se em “ilhas ecológicas” dificultando a troca genética das espécies que encerram e, dessa maneira, enfraquecem o material genético das espécies, o que em alguns casos leva à extinção. Baseada nessa premissa, a UICN criou a máxima que “reservas agrupadas são melhores que reservas distantes umas das outras e reservas conectadas por corredores de habitat são melhores do que reservas não ligadas por tais conexões”.

Mais do que isso, do ponto de vista do manejo, chegou-se à conclusão óbvia de que Parques Nacionais são entidades meramente político-administrativas, e que seu planejamento e manejo efetivo devem sempre levar em conta os ecossistemas em que estão inseridos. A esse tipo de pensamento convencionou-se chamar de abordagem ecossistêmica. No Brasil este raciocínio foi incorporado na legislação que trata de áreas protegidas, que há décadas garante ao Parque voz sobre qualquer alteração impactante realizada em seu entorno. Com a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), de 18 de julho de 2000, entretanto, a idéia ganhou ainda mais relevo. Em seu capítulo 26, a Lei do SNUC determina a gestão integrada das Unidades de Conservação contíguas.

No plano internacional a idéia também está avançando. Em 12 de maio de 2000 foi criado o primeiro Parque Transfronteiriço do mundo, o Kgaladi. Reunindo os 28.400 quilômetros quadrados do Parque Nacional de Gemsbok Kalahari, na África do Sul, aos 9.591 quilômetros quadrados do Parque Nacional Parque Nacional Gemsbok em Botswana, o Klagadi foi criado por meio da assinatura de um acordo bilateral entre os dois países, contemplando seu manejo unificado e o trânsito desimpedido de turistas ao através da fronteira.

Desde então, 666 outras unidades de conservação localizadas nas fronteiras de 113 países iniciaram algum tipo de cooperação com áreas protegidas que lhe são contíguas e constituem uma extensão de seu ecossistema, embora estejam física e politicamente localizadas em um país vizinho.

Recentemente, a fotógrafa Ana Leonor e eu visitamos duas delas, que juntas formam um só conjunto: os Parques Nacionais do Monte Elgon, em Uganda e no Quênia. Unidos somam 1.323 quilômetros quadrados e abrigam o quinto pico mais alto da África, o Wagagai que atinge 4.321 metros acima do nível do mar. Declarado Reserva da Biosfera em 2003, o Monte Elgon faz parte de um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo, o hotspot das florestas aformontanas. Em suas matas e campos é possível encontrar búfalos, leopardos, diversas espécies de antílopes, babuínos entre outros macacos, e elefantes. Estes últimos são assíduos freqüentadores das gigantesacas cavernas do Monte Elgon, onde vão buscar o sal que se acumula em suas paredes.

Mais de uma década de guerra civil em Uganda, durante os regimes de Idi Amim e Milton Obote, entretanto, abriram brechas para a prática indiscriminada da caça, o que resultou em uma diminuição substantiva da fauna no Parque daquele lado da fronteira. Nos últimos anos, contudo, o regime tem se mantido mais estável e a Uganda Wildlife Authority (UWA) se reestruturou. Isso propiciou um movimento de aproximação com o Kenya Wildlife Service (KWS) com vistas à coordenação do manejo do Monte Elgon.

Desde 2005, contatos bilaterais foram estabelecidos. A cada mês uma equipe de oficiais guardas-parques (tanto a UWA quanto o KWS são estruturados como organizações militarizadas) de um lado atravessa a fronteira e visita o outro. Nesses encontros são discutidas ações de manejo, tais como corredores de migração utilizados pela fauna, ameaças de espécies exóticas, ações de reintrodução de espécies e planejamento integrado de infraestrutura turística. Em 2006, iniciou-se uma rotina de fiscalização conjunta na qual guardas de um lado acompanham patrulhas do outro. O objetivo é conhecer melhor os padrões de movimento dos caçadores através da fronteira e coordenar a fiscalização em ambos os países de modo a não deixar lacunas para operações ilegais dentro do Parque. Também em 2006, foi inaugurado programa que permite aos turistas iniciar uma caminhada em um dos lados da montanha e terminar no outro.

Foi isso que Ana Leonor e eu viemos fazer no Monte Elgon. Logo à nossa chegada fomos recebidos pelo oficial de turismo do lado queniano do Parque (os Parques quenianos têm um chefe, cuja patente equivale a de coronel, e oficiais nos níveis de tenente, capitão e major que são responsáveis cada um por uma área: turismo, manejo, administração, segurança e fiscalização, e obras e manutenção). O assistant warden I (capitão) Joseph Dadacha nos recebeu muito bem. Checou se tínhamos visto para Uganda e nos falou sobre o Parque, sua história e importância no contexto da preservação. A seguir apresentou-nos uma patrulha composta de uma dúzia de guardas-parques quenianos e um ugandense. Nossa travessia seria escoltada por um grupo responsável por uma operação de fiscalização.

Dormimos a noite de sexta-feira em um alojamento turístico do Parque, que apesar de não ser terceirizado, é limpo, bem mobiliado e bem conservado! No dia seguinte, logo de manhã, partimos em um land-rover do KWS até a base do pico Koitoboss. No caminho paramos para visitar as famosas grutas freqüentadas pelos elefantes do Elgon. Uma delas, cuja entrada é parcialmente coberta por uma cachoeira, tinha marcas frescas dos paquidermes: estrume, rastros no chão e riscos dos marfins nas paredes escuras das grutas. É assim que eles tiram o sal da rocha. Aventuram-se duzentos a trezentos metros dentro da gruta, e ali em meio a um breu em que nada se vê, com a ponta do marfim arrancam o sal que lhes sabe tão gostoso.

Passamos a noite de sábado acampados no fim da estrada que avança em direção ao topo da montanha, embaixo de um temporal cortante e um vento gelado. Era necessário dormir ali para podermos nos aclimatar à altitude. No domingo, logo que acordamos iniciamos nossa jornada em direção ao Koitoboss, cujos 4.187 metros de altitude o tornam o segundo pico mais alto do Quênia. Tão logo iniciamos a caminhada, a patrulha viu, ao longe, um caçador. Imediatamente carregaram seus kalashinkovs e partiram em seu encalço. O homem havia se perdido dos seus companheiros, estava faminto e enregelado. Não ofereceu resistência. Apreendido, teve as mãos atadas e foi submetido a um primeiro interrogatório. Era ugandense, seu grupo estava há dias na parte alta da montanha colocando armadilhas para antílopes. Dois guardas-parques quenianos retornaram com ele para a estrada. O resto da patrulha acompanhou-nos ao topo ao Koitoboss, de onde descortinou-se uma vista espetacular da caldeira do Monte Elgon, que em alguns pontos tem 40 quilômetros de extensão.

Em seguida, descemos em direção à cratera, cujo chão estava mais de 500 metros abaixo. No processo cruzamos vários pequenos rios e atravessamos alguns brejos. Depois de cerca de quatro horas de marcha, chegamos a uma fonte de águas termais pelo meio da qual passa a fornteira entre o Quênia e Uganda. Paramos aí para almoçar e descansar. Mas não por muito tempo. Não há local para pernoites na cratera e para chegarmos ao próximo acampamento ainda tínhamos mais quatro horas de pé no chão, grande parte em aclive. Portanto depois de breves vinte minutos, nos despedimos dos guardas-parques quenianos que voltaram pelo mesmo caminho que vieram, recebemos as boas vindas de uma patrulha ugandense que nos esperava ali e retomamos a caminhada.

Uma vez galgada a parede da caldeira no lado ugandense, ainda caminhamos mais uma hora até montarmos acampamento. A vegetação, contudo, mudou bruscamente. Primeiro marchamos na encosta de um vale profundo e verdejante, para depois penetrar em uma floresta de bambus e árvores cobertas de um musgo espectral. Chegamos exaustos e decididos a convencer os quenianos e os ugandenses de que é necessário estabelecer um local para pernoites na cratera, a meio caminho entre os acampamentos hoje existentes. Tal medida ajudaria a incrementar o turismo transfronteiriço. É possível caminhar uma distância de 24 quilômetros, durante oito horas sem parar, a uma altitude média de 3.900 metros. Nós o fizemos. Não é, todavia, prazeroso.

Na manhã seguinte palmilhamos mais seis horas morro abaixo. Atravessamos mais florestas e bambuzais, seguidos por assustadores precipícios e, no final, plantações e hortas de subsistência. A caminhada foi pesada, sobretudo para os joelhos que tiveram que lidar com um desnível de mais de dois mil metros. Ao fim da linha nos esperava o diretor do lado ugandense do Parque, Masekera Augustine Johnson. Queria saber o que tínhamos achado da trilha, que sugestões teríamos a dar (dias mais curtos senhor diretor!!!) e qual nossa opinião sobre a cooperação com o Quênia.

Quanto a essa última, não há dúvidas que é iniciativa importantíssima para a conservação do Monte Elgon. Como dito antes, as fronteiras são políticas, fauna e flora não. Embora os parques estejam em dois países, a montanha e seu ecossistema são um só. Quanto mais coordenado for seu manejo, melhores serão os resultados. Só pude elogiar a cooperação entre a UWA e o KWS e desejar que fique cada vez mais estreita e firme. Nesse sentido, em setembro de 2007, o Brasil vai dar uma mãozinha. Naquele mês, no contexto de um programa de capacitação coordenado pela Agência Brasileira de Cooperação, dois oficiais do Grupamento Florestal do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro vão ministrar um curso de combate a incêndios florestais e outro de busca e salvamento para os guardas-parques do Monte Elgon. O curso será dado em conjunto para quenianos e ugandenses que formarão uma única turma de alunos, tanto na parte teórica, que será ministrada no Quênia, quanto na prática, que consistirá de simulações de acidentes em ambos lados da montanha.

Leia também

Reportagens
26 de abril de 2024

Número de portos no Tapajós dobrou em 10 anos sob suspeitas de irregularidades no licenciamento

Estudo realizado pela organização Terra de Direitos revela que, dos 27 portos em operação no Tapajós, apenas cinco possuem a documentação completa do processo de licenciamento ambiental.

Notícias
26 de abril de 2024

Protocolo estabelece compromissos para criação de gado no Cerrado

Iniciativa já conta com adesão dos três maiores frigoríficos no Brasil, além de gigantes do varejo como Grupo Pão de Açúcar, Carrefour Brasil e McDonalds

Notícias
26 de abril de 2024

Com quase 50 dias de atraso, Comissão de Meio Ambiente da Câmara volta a funcionar

Colegiado será presidido pelo deputado Rafael Prudente (MDB-DF), escolhido após longa indefinição do MDB; Comissão de Desenvolvimento Urbano também elege presidente

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.