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Concentração de jacarés machos cria ‘bomba-relógio’ nas lagoas da Barra, diz biólogo

Ricardo Freitas alerta que prevalência de 80% de machos reduz capacidade reprodutiva e que moradores têm falsa impressão de aumento da quantidade de jacarés-de-papo-amarelo

Emanuel Alencar ·
27 de outubro de 2019 · 4 anos atrás
Foto: Mario Moscatelli/Projeto Olho Verde.

RJ017 anda agressivo. Territorialista por natureza, seu comportamento vem sendo ainda mais destacado porque onde quer que olhe, ele se depara com pares do mesmo sexo. A maciça concentração de Caiman latirostris machos nas lagoas da Barra e Jacarepaguá representa um risco para a espécie: reduz ainda mais sua capacidade reprodutiva e retarda o crescimento natural. Quem alerta é Ricardo Freitas, o homem que batiza jacarés-de-papo-amarelo com códigos e tem inúmeros trabalhos sobre os répteis.

“Há um risco iminente de extinção dos jacarés da Barra e Jacarepaguá. A falta de áreas para reprodução e outros fatores somados à caça ilegal vem causando enorme impacto. Jacarepaguá, que significa ‘vale dos jacarés’, terá que mudar de nome se nada for feito”, lamenta o biólogo. “Tenho encontrado menos ninhos e menos berçários nas lagoas”.

Entre 2006 e 2011, Ricardo capturou 213 jacarés (78,7%) machos, 65 (21,3%) fêmeas e 90 jacarés juvenis sem identificação de sexo no complexo lagunar da Zona Oeste. Embora seja apenas um microcosmo do universo – estima-se a existência de 5 mil jacarés –, fica clara a enorme predominância dos machos. Uma encrenca. Alguns fatores explicam o fenômeno. Um deles é o excesso de calor produzido pela alta decomposição de matéria orgânica nas lagoas. Ao contrário das aves e dos mamíferos, o sexo dos crocodilianos não é um fator genético e sim fenotípico. Está associado à temperatura de incubação dos ovos. Se essa incubação ocorre a 33 graus Celsius, por exemplo, todos os filhotes nascem machos.

Foto: Mario Moscatelli/Projeto Olho Verde.

Outro aspecto, não menos importante, é o manejo inadequado. Todo jacaré capturado pelos bombeiros ou patrulhas ambientais no Rio acaba sendo levado para as lagoas de Barra e Jacarepaguá. Só que ninguém jamais observou se os bichos eram machos ou fêmeas.

“Acontece que em 95% das vezes os jacarés encontrados são machos”, explica Ricardo. “E como não havia monitoramento, ninguém sequer desconfiava da bomba-relógio que estava ocorrendo. Sem um planejamento de resgate e manejo de fauna silvestre para a região fica complicado reverter esse quadro”.

Caça sem fiscalização

Não é novidade que o conjunto de lagoas que somam área de 280 km2, de Rio das Pedras à Barra da Tijuca, oferece péssimas condições para qualquer ser vivo. Com o jacaré-de-papo-amarelo, contemporâneo dos dinossauros, não seria diferente. O aterro desenfreado de áreas de reprodução dos bichos prejudica as fêmeas, já em menor quantidade. Para piorar, a caça tem ocorrido sem qualquer tipo de fiscalização.

“Não há fiscalização e a polícia alega que não existem denúncias. Mas são comuns relatos de tiros na região das lagoas, principalmente à noite. E não adianta denunciar, pois ninguém aparece. Já fiz alguns testes quanto a isso. Nunca tive qualquer resposta do poder público”, diz o biólogo, para quem há uma falsa sensação entre os moradores do entorno das lagoas de que o número de jacarés esteja aumentando. “Eles estão tendo de buscar novas áreas, mais próximas das moradias das pessoas”.

Foto: Mario Moscatelli/Projeto Olho Verde.

Outro biólogo que tem história de luta pelo sistema lagunar da Barra e Jacarepaguá, Mario Moscatelli lamenta que o estado das lagoas cariocas deponha contra a economia. O Parque Nacional Everglades, uma reserva pantanosa com área de 1,5 milhão de acres no extremo sul do estado da Flórida, nos EUA, por exemplo, recebe ao menos milhão de visitantes por ano. Os jacarés são grandes atrativos por lá.

“O fim dos jacarés em nossas lagoas seria o final de linha do principal, se não único, predador do topo da cadeia alimentar. Isso poderia tornar a presença das capivaras um problema, devido à ausência de predador natural, excluindo o homem. Em termos mais simbólicos, seria a demonstração de nosso fracasso do ponto de vista ambiental em pleno século XXI. O símbolo de um lugar que insiste em pensar e agir como uma colônia de exploração do século XXI”.

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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