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A hora H

Se o governo não se mexer logo agora em julho, o Brasil caminha célere para repetir, em 2005, taxa de desmatamento na Amazônia muito próxima à do ano passado.

Manoel Francisco Brito · Carolina Elia ·
24 de junho de 2005 · 19 anos atrás

Quem se lembra da taxa de desmatamento da Amazônia no biênio 2003/ 2004, anunciada em maio passado pelo governo? Ela ficou em 26 mil quilômetros quadrados. E se as autoridades não tomarem cuidado e agirem imediatamente, no ano que vem, quando a taxa de 2004/2005 for anunciada, ela estará muito próxima desse número. De julho do ano passado até maio deste ano, já tombaram 11 mil quilômetros quadrados de mata na região. Como historicamente 50% do corte de árvores ocorre nos meses de junho e julho, jogando parado, o governo está com tudo para encarar novamente uma taxa de desmatamento na casa dos 20 mil quilômetros quadrados.

O alerta está numa pesquisa feita pelo Instituto do Meio Ambiente e do Homem na Amazônia (Imazon) com base em imagens dos satélites que alimentam o sistema do Deter, programa federal que monitora o desmatamento na região amazônica com defasagem média de apenas 30 dias.O estudo do Imazon será apresentado nos dias 27 e 28 de junho num seminário fechado que vai acontecer no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. Sua organização está a cargo do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Nele, além do Imazon, outros cinco institutos de pesquisa e Ongs também vão mostrar estudos que detalham os dados obtidos pelos técnicos do Inpe para divulgar a taxa anual do desmatamento. Todos os trabalhos, apesar de terem pesquisado aspectos diferentes do problema, apontam para a falta de controle estatal e fiscalização na região como sua principal razão. “Os estudos mostram que a floresta hoje tomba pela ausência do governo”, diz Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, que estará presente à reunião com um estudo sobre desmatamentos em unidades de conservação.

A taxa oficial de desmatamento da Amazônia brasileira, com base nas imagens do satélite Landsat analisadas pelo pessoal do Inpe, tem imensa defasagem temporal. O número anunciado em 2005, por exemplo, é contabilizado a partir de fotografias feitas entre 1º de agosto de 2003 e 30 de julho de 2004. Mostra o que passou, mas é incapaz de dizer o que está acontecendo. Essa função, desde fevereiro do ano passado, recaiu sobre o Modes, o sistema que alimenta o Deter. O Imazon, ao invés de descer às sutilezas das imagens capturadas pelo satélite Landsat, resolveu se debruçar sobre as fotografias obtidas pelos satélites que servem ao Deter. “Se há meios de monitoramento em tempo real, nossa idéia era verificar se ele poderia ser mais detalhado do que é atualmente”, conta Carlos de Souza, um dos pesquisadores envolvidos no estudo. O Deter gera imagens capazes de enxergar desmatamentos acima de 25 hectares.

O que o Imazon fez foi refinar sua capacidade de alcance, permitindo a detecção de desmatamentos a partir de 10 hectares. Seus pesquisadores se debruçaram sobre fotografias feitas pelo sistema entre 1 de agosto do ano passado e 31 de maio deste ano. Nesse espaço de tempo, o Imazon detectou uma taxa de desmatamento de 11 mil quilômetros quadrados. É ruim, mas tem tudo para ficar pior. Isso porque as séries históricas de imagens de satélite da região mostram que a turma que derruba a floresta intensifica o corte nos meses de junho e julho. “Na média, 50% da derrubada acontece nesses dois meses”, diz Adalberto Veríssimo, outro pesquisador do Imazon. “No período passado, foi nessa época que desmatou-se 13 mil quilômetros quadrados da floresta”, afirma Souza.

Somando-se portanto o que já aconteceu com o que pode estar ocorrendo agora, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, corre o risco de mais uma vez, no ano que vem anunciar outra taxa de desflorestamento com dimensão estratosférica, em torno dos 24 mil quilômetros quadrados. “A mensagem que levamos para a reunião é que se for para reduzir a taxa a ser revelada no ano que vem, é precio agir já”, insiste Souza. “A fiscalização e o controle terão que ir à campo agora, julho. Se ficar como está, a tendência é repetir o número”. Em resumo, capacidade de monitorar o governo tem. O que não tem demonstrado até agora é capacidade de reprimir. Esse é também o diagnóstico do estudo que o Instituto Sócio Ambiental (ISA) levará ao Inpe. Ele se concentrou na análise do desmatamento de 2003/ 2004 que aconteceu em fazendas no Mato Grosso licenciadas pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA) para cortar árvores.

O órgão implantou em 2001 um sistema de monitoramento em propriedades rurais que, apesar do governador Blairo Maggi, é considerado um exemplo para outros estados. Para ganhar autorização para desmatar, o dono de uma propriedade rural é obrigado a entregar uma imagem de satélite georeferenciada de suas terras. Os dados são colocados num banco que já tem imagens de mais de 6 mil fazendas. Na teoria, é uma beleza, aponta André Lima, do ISA. “Voce poderia ir comparando ano a ano a evolução do desmate nessas propriedades e facilmente flagrar quem andou indo além do limite legal”, diz. O estudo do ISA, infelizmente, mostra que se o sistema de monitoramento é nota dez, a fiscalização e repressão no estado merece um zero. “Você imaginaria que, sabendo que ele está sendo vigiado lá do céu, o fazendeiro no mínimo se constrangeria em passar do percentual legal de desmatamento na sua propriedade”, diz.

“Mas não. Ocorre justamente o contrário”, continua. É como se os proprietários rurais tivessem a certeza de que não haverá repressão. “Em termos relativos, a somatória dos desmatamentos ilegais e legais em propriedades rurais no Mato Grosso foi maior do que o que aconteceu fora delas”, diz Lima. O Greenpeace, que também vai estar no encontro desta segunda e terça-feira, desceu ao detalhe das imagens de Unidades de Conservação capturadas pelo Landsat, que fornece os dados do Inpe. Paulo Adário, que dirige a Ong na Amazônia, chama a análise que seus técnicos fizeram de limitada. Mas nem por isso menos importante. Ela revela que aumentaram os desmatamentos em áreas onde pelo menos na teoria, eles deveriam estar terminantemente proibidos. É indício de que já passou o tempo em que decretar uma área como sendo de preservação servia para manter os desflorestadores longe dela.

Pelo que conta Adário, eles estão agindo dentro de Parques Nacionais, Reservas Ecológicas e Terras Indígenas e áreas designadas como de uso sustentável do mesmo modo que os proprietários rurais de Mato Grosso: com a certeza da impunidade. “O maior problema da Amazônia no que diz respeito ao meio ambiente é a ausência da autoridade”, reclama Adário. O Greenpeace também pretende apontar alguns municípios na região que estouraram os limites legais de desmatamento. Além do ISA, Greenpeace e Imazon, vão estar presentes à reunião no Inpe pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônia (INPA), O Museu Emílio Goeldi e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Os pesquisadores Arnaldo Carneiro e Paulo Maurício, do INPA, apresentarão trabalho sobre o impacto do desmatamento nas bacias hidrográficas da Amazônia. O estudo começou há 8 meses e tem como enfoque as macrobacias de grandes rios tributários da calha sul do rio Amazonas – rio Xingu, rio Tapajós, rio Madeira e rio Ji-Paraná – onde o desmatamento é maior. Existem bacias, como a do Ji-paraná( Rondônia), que abastece pelo menos 20 municípios, que já têm 70% da sua área desmatada. Segundo pesquisas que estão servindo de base para a análise, a partir dos 30% de desmate, as bacias já começam a dar sinais de mudanças no seu sistema de vazão. Carneiro diz que há 215 microbacias na região que estão em situação crítica. Algumas foram 100% desmatadas.

Leandro Ferreira, do Museu Goeldi, vai levar ao Inpe estudo, como o do Greenpeace, focado em Unidades de Conservação. Ele indica que o desmatamento é menor em áreas de proteção integral. Nas Terras Indígenas e nas unidades de uso sustentável as árvores tombam com maior intensidade. E mostra ainda que em se tratando de Unidades de Conservação, as estaduais são em geral bem mais vulneráveis que as federais. Os estados não apenas conseguem o milagre de fiscalizar suas áreas com intensidade menor ainda do que faz o governo federal nas suas, como suas Assembléias geralmente agem em favor dos desmatadores, diminuindo os limites das áreas demarcadas.

Anne Alencar, pesquisadora do Ipam, diz que sua exposição pretende qualificar a expansão da fronteira humana na região, quem são seus atores e onde eles estão agindo. O Ipam não vai discutir a ilegalidade ou não dos desmatamentos na região – o tema é considerado importante por seus pesquisadores – porque não teve acesso a esse tipo de dado. Alencar vai restringir sua apresentação à dinâmica e direção do avanço da fronteira floresta adentro, apontando as áreas mais críticas e os responsáveis pela pressão. Ela varia em cada região. À Leste do Parque do Xingu é a soja. À Oeste, o vilão é a pecuária. Alencar acha bom que este ano a reunião entre pesquisadores privados e os técnicos do Inpe e do governo sobre o desmatamento na Amazônia esteja ocorrendo depois da divulgação da taxa. Para início de conversa, eles tiveram um mês para fazer suas análises. Antes, tinham não mais do que uma semana. “Além disso, os encontros eram feitos sob o peso da taxa que iria sair”, diz. “Ficava todo mundo aguardando alguém entrar na sala e divulgar o número”. Agora, vai dar para discutí-los.

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