Reportagens

O despoluidor do futuro

Alan Lloyd, secretário de proteção ambiental da Califórnia, fala a O Eco sobre cooperação na redução de poluentes e as virtudes do governo Schwarzenegger.

João Teixeira da Costa ·
8 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

São Paulo, recebeu, na última semana de agosto, a visita do doutor Alan Lloyd, PhD em cinética dos gases e secretário da Agência de Proteção Ambiental da Califórnia. Formalmente o cargo equivale ao de secretário estadual do Meio Ambiente, mas essa equivalência só revela uma parte da sua influência. A Califórnia tem sido há décadas líder na imposição de padrões cada vez mais exigentes de qualidade do ar, padrões que mais cedo ou mais tarde acabam sendo adotados pelo resto dos Estados Unidos e por outros países. Vale a pena, portanto, ficar ligado no que eles estão fazendo por lá, especialmente quando Washington prefere resistir a liderar. Lloyd veio a São Paulo para discutir as bases de um acordo de cooperação e de troca de informações entre os dois estados. O próximo passo é um encontro entre os governadores Geraldo Alckmin e Arnold Schwarzenegger em dezembro na Califórnia. O Eco conversou com o secretário Lloyd sobre o controle de emissões, as novas tecnologias e as lições para o Brasil.

Qual é a razão de sua viagem ao Brasil?

O catalisador é a Fundação Hewlett, por causa do trabalho que eles têm feito aqui no Brasil. Além disso, eu sou membro do Conselho Internacional para o Transporte Limpo, onde estamos trabalhando em conjunto. Por muitos anos tenho acompanhado o trabalho que se faz no Brasil em álcool combustível e biocombustíveis. E, obviamente, no que diz respeito à mudança climática o professor José Goldemberg [secretário de Meio Ambiente de São Paulo] é uma das maiores autoridades mundiais. Assim, a visita foi uma oportunidade para algumas trocas de informações e para comparar a experiência que tivemos na Califórnia com o que vocês têm aqui. Há muitas semelhanças, em termos de tamanho dos estados e de políticas ambientais agressivas. E também temos áreas onde há diferenças. Nós provavelmente somos mais fortes em algumas áreas, vocês em outras. Nosso conhecimento em álcool combustível é muito limitado, e o etanol causou uma enorme controvérsia na Califórnia. Por outro lado, acreditamos que ele é uma peça importante no movimento para reduzir nosso uso do petróleo. Acho que também podemos aprender com a experiência brasileira em biocombustíveis, nas questões da mudança climática e na liderança que vocês têm mostrado em corredores rápidos para ônibus, começando em Curitiba. Do nosso lado, temos experiência com a criação de metas de emissão de gases do efeito estufa, a construção da eficiência através da aplicação de normas técnicas e o controle de emissões dos automóveis. Portanto acredito que há uma grande possibilidade de trabalharmos juntos nessas áreas.

Existe um paralelo entre o papel da Califórnia, de líder na imposição de normas ambientais nos EUA, e o papel de São Paulo no Brasil?

Acredito que pode haver sim. Não sei o suficiente a respeito do papel de São Paulo no momento, mas estou me informando e olhando em especial para o fator liderança. Se os líderes estiverem dispostos a sair na frente, em particular nessas questões-chave do meio ambiente, verão que existe um enorme reservatório de interesse e desejo por parte do público. Nós precisamos muito de liderança nesses assuntos. É o que estamos vendo na Califórnia, onde temos um líder forte e agressivo. E estou descobrindo que vocês aqui em São Paulo também têm isso. Eu conheço o trabalho do professor Goldemberg, e me parece que o governador Alckmin também tem se mostrado bastante interessado e bastante agressivo. E como os dois estados são populosos, juntos representam uma parte grande do mundo.

Que tecnologias de redução de emissões o senhor considera mais promissoras para um país como o Brasil?

Alguns observadores erram ao dizer que nós temos um foco exclusivo em tecnologias de emissão zero ou na estrada do hidrogênio, por exemplo. Pois temos o que chamamos de uma família de tecnologias, começando com os automóveis “super-limpos”, que são uma combinação de carros muito limpos com combustíveis limpos, e temos também os veículos híbridos, que agora vemos ocupando seu espaço. Há ainda os combustíveis alternativos como o gás natural e, se conseguirmos obtê-lo, o etanol E85, motores de combustão interna a hidrogênio ICE e talvez coisas como os híbridos que podem ser ligados na tomada. Mais para a frente, talvez você nos veja avançar na direção dos veículos de emissão zero propriamente ditos, como os elétricos a bateria, os de célula de combustível e os híbridos de célula de combustível. Nós estamos encorajando todas essas opções. Para o Brasil, eu diria que vocês têm oportunidades em todas elas. É uma questão de ênfase e de onde você está na escala. Mas permita-me voltar um minuto. Acredito que é muito importante extrair tudo o que for possível da frota já existente, mas isso significa impor limites de emissão bastante restritivos, junto com combustíveis bastante limpos. Isso lhe dará os veículos super-limpos. E quando você olha para os híbridos, ainda tem a vantagem de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. É possível maximizar o uso de outros combustíveis, como o gás natural e o etanol, e manter a progressão até chegar nos veículos de emissão realmente zero. A Califórnia fez um bom trabalho com essas novas tecnologias, mas não fizemos um trabalho tão bom para tirar os carros mais velhos da rua. Hoje, em muitas regiões do estado o melhor retorno para o investimento está em eliminar os carros mais velhos, que são muito mais poluidores.

A Califórnia inspeciona os veículos mais antigos?

Sim. É preciso manter o controle sobre os veículos em circulação, ter gente para inspecioná-los, fazer com que o público se comporte e não tente adulterar os sistemas. O lado bom é que os carros novos estão ficando tão limpos que as inspeções são cada vez menos freqüentes. Para alguns carros a primeira inspeção de emissões só ocorre aos seis anos de uso. À medida que esses carros mais novos entram em circulação, a síndrome do carro velho torna-se um problema menor. E na Califórnia os sistemas de emissão têm que ser garantidos por 15 anos ou 150 mil milhas [cerca de 241 mil km], o que protege o consumidor. Mas até que os carros mais novos se tornem dominantes, as inspeções e a manutenção continuarão sendo um problema, inclusive com o risco de fraude. Nós temos um programa onde as pessoas recebem dinheiro para transformar seus carros velhos em sucata, que é uma maneira efetiva de combater o problema. Outro problema sério é o material particulado dos caminhões e outros veículos a diesel, que nos levou a criar um programa onde investimos US$ 150 milhões por ano em incentivos para reduzir as emissões de veículos pesados e equipamentos de construção civil. Onde a regulação sozinha não funciona, usamos programas de incentivos. Contribuímos para a compra de caminhões novos, a instalação de filtros e a renovação dos motores. É um processo lento, que vai custar bilhões de dólares, mas é uma parte importante do total, pois as emissões dos veículos a diesel são um dos maiores riscos à saúde. A Califórnia está à frente do governo federal, pois já identificou os particulados como um carcinógeno provável. Temos uma série de programas lançados em 1998 que buscam reduzir as emissões de particulados em 75% até 2010 e 100% até 2020. O problema é que o crescimento das exportações de manufaturados chineses para os Estados Unidos elevou dramaticamente a atividade nos portos de Los Angeles e Long Beach. É uma questão complicada, especialmente nas discussões com o nosso Comitê de Justiça Ambiental.

Essa discussão é técnica. Como manter o público interessado?

O principal fator na Califórnia sempre foi relacionar tudo com saúde pública, inclusive os gases do efeito estufa. Hoje temos 3.500 mortes prematuras por ano por causa da exposição a material particulado fino. Aproximadamente um terço dessas mortes se deve aos particulados do diesel. As pessoas podem ver o material particulado, entendem isso, querem limpar o ar. Além disso, 1 milhão de pessoas por ano deixam de ir à escola por problemas de saúde ligados à qualidade do ar. Uma das coisas que temos feito razoavelmente bem é ligar alguns programas de pesquisa com programas regulatórios. Há estudos pioneiros em Los Angeles sobre saúde infantil. Isso tem um grande impacto quando se pode mostrar que as crianças que não vão à escola deixam de aprender, e que isso também afeta a produtividade dos seus pais porque eles também são forçados a ficar em casa. O público entende quando você fala em problemas de saúde. Eles talvez não entendam toda a discussão técnica sobre catalisadores e coisas do gênero, mas entendem no que o assunto tem a ver com eles. A incidência de asma vem subindo nas cidades costeiras da Califórnia. Por muitos anos as pessoas não fizeram nada a respeito, mas depois de uma série de artigos que educaram o público a coisa mudou. A imprensa associou o fato à poluição do ar, e agora o público quer fazer algo a respeito e está disposto a pagar por isso. Saúde pública tem sido o fio condutor do esforço, junto com boa ciência e com uma forte base técnica. Eu uso exemplos simples. Falo sobre o grande trabalho que a indústria automobilística está fazendo. Você não pode mais se trancar numa garagem, ligar o motor do carro e se matar. Os motores hoje são tão limpos que você morreria de fome antes de se envenenar com os gases do escapamento. O público entende coisas assim. Você pode mostrar um tubo com material particulado de diesel, chacoalhá-lo e dizer, esse negócio vai para o ar e para os seus pulmões. É um impacto visual forte, que ajuda a manter o apoio do público. A outra questão-chave é a dos gases do efeito estufa. Não foi fácil aprovar legislação para controlar as emissões desses gases por automóveis. Mas quando mostramos a ligação entre eles, saúde pública e economia conseguimos muito mais apoio e hoje as pesquisas indicam que mais de 80% dos californianos acreditam que a mudança climática está realmente acontecendo. Eles acreditam que é preciso fazer alguma coisa a respeito das emissões desses gases por automóveis, que são a principal fonte de gases do efeito estufa no estado. Aí fica mais fácil para os políticos. O governador Schwarzenegger é um republicano, mas quando ele assumiu o estado disse acreditar que a mudança climática é real, que apóia a legislação e que vai defendê-la nos tribunais se necessário. Ele foi em frente e criou metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Não é um republicano normal, e no que diz respeito ao meio ambiente ele é muito bom.

O senhor parece ter muita fé nas soluções tecnológicas. E quanto a mudar hábitos e atitudes?

Em outros países a resposta talvez seja diferente, mas a minha experiência com o povo americano, e uma pesquisa de opinião que vi em Los Angeles quando estava lá, me dizem que é muito difícil controlar o comportamento humano, especialmente nos Estados Unidos. Lembro-me claramente do que a pesquisa dizia: não nos diga o que fazer. Nós pagaremos por tecnologia avançada, nós pagaremos para ter carros mais limpos. Mas não nos diga onde dirigir, quando dirigir ou quanto podemos dirigir. É por isso que eu enfatizo a tecnologia, pois acho que é um caminho muito mais certo para o sucesso. Além disso, em muitas cidades dos Estados Unidos não há alternativas ao automóvel. Estou procurando o sucesso, algum grau de certeza, e tentar influenciar o comportamento humano é um processo humilhante. Mesmo em coisas tão óbvias que chega a ser deprimente.

Mas muitas vezes a melhora nas emissões e a redução de consumo fazem os motoristas usarem mais os seus carros.

Os fatos recentes refutam essa afirmação. Nós ouvimos o argumento de que quando se reduz emissões de gases do efeito estufa, que são vinculados à eficiência energética e portanto ao consumo dos motores, as pessoas dirigem mais. Se você analisar a recente alta dos preços da gasolina, que já chegou aos três dólares por galão, o impacto sobre o uso dos autos tem sido muito limitado. Não podemos dizer que aumentando o preço as pessoas vão dirigir menos. Há uma pequena alteração nas vendas de carros novos, na direção de modelos mais econômicos. Mas é bem menos dramática do que eu esperava, ou imaginava.

É mais fácil impor padrões mais duros quando a economia está crescendo?

Eu vi uma relação entre as duas coisas em Los Angeles, quando estávamos lidando com fontes estacionárias – principalmente fábricas. Vi que era mais fácil adotar normas duras para a indústria quando a economia ia bem. Quando a economia piorava, era muito mais difícil e havia uma forte reação do público. No entanto, no caso da Califórnia não é tão difícil impor normas rígidas para o automóvel, pois não temos indústria automobilística e a base da nossa política é saúde pública.

O que pode ser feito contra o aquecimento global no nível dos estados?

Na Califórnia nós podemos fazer muito, pois somos a 6ª maior economia do mundo e o 9° ou 12° maior emissor de gases do efeito estufa, dependendo de como é feito o cálculo. É um estado significativo. Além disso, outros estados dos EUA têm se juntado a nós – os estados do nordeste e alguns da costa oeste, como Washington e Oregon. A ação dos estados é importante quando não há ação federal. E claramente é melhor do que nada.

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