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Mudança de endereço

A área de soja plantada no Brasil diminuiu e a produção cresceu, mas isso não beneficiou o meio ambiente. As plantações continuam a invadir o Cerrado e a Amazônia.

Cristina Ávila ·
10 de fevereiro de 2006 · 18 anos atrás

A safra 2005/2006 traz aparente boa notícia sobre a situação da soja no Brasil. A colheita deve aumentar em 7 milhões de toneladas, e o que é melhor: ocupando 5% menos terras do que no ano passado. Trocando em medidas, isso significa 1,15 milhão de hectares que deixaram de receber o grão, sem prejuízo da produção. Seria uma trégua para as florestas sacrificadas ano após ano pela expansão da fronteira agrícola?

Na verdade, não. Nenhuma tecnologia de otimização de produção foi implantada. E se as lavouras minguaram de um lado, continuam a se espalhar sobre a Amazônia e o Cerrado. Agora, rumo ao Nordeste. “A perspectiva de aumento de safra é por causa das chuvas. Se chove bem, até com baixa tecnologia se produz”, esclarece o pesquisador Amélio Dall’Agnol, coordenador de Transferências Tecnológicas da Embrapa Soja, centro nacional de pesquisas sediado em Londrina (PR). O mérito, portanto, é de São Pedro, que regou as plantações depois de frustrar dois anos consecutivos de colheita. Em 2004/2005, foram 51,5 milhões de toneladas. Agora, devem chegar a 58,17 milhões.

De olho no céu, o analista de soja Flávio Roberto de França Júnior, da consultoria porto-alegrense Safras & Mercado, calcula que o mau tempo, que neste ano provocou estragos em parte do Paraná e Santa Catarina, pode até puxar os números para baixo. Mas a safra não será menor do que 56 milhões de toneladas. 

Depois de muito se expandir, o plantio recuou. “Foram seis anos de crescimento consecutivo de área plantada. Muitas lavouras em áreas novas. Isso diminuiu drasticamente nesta safra”, afirma. Ele estima que a redução é até maior do que os 5% calculados pelo governo, chegando a 1,5 milhão de hectares, distribuídos de forma mais ou menos homogênea por todos os estados produtores.

No lugar da soja, entram outros cultivos, como milho e algodão, ou pastagens. Em algumas terras não se planta nada. O que não significa deixar a floresta retomar seu lugar. Entre os agricultores há o temor dos prejuízos causados pelo clima e também pela valorização do real, desfavorável às exportações. E quem perdeu muito dinheiro na última safra não tem condições de investir pesado nesta. São as mudanças sazonais nas apostas dos agricultores, regidas também pelos humores do mercado.

Nova fronteira

As lavouras encolhem de um lado e espicham de outro. A nova fronteira agrícola, capitaneada pela soja, devora o Cerrado da região Nordeste. O mapa da soja hoje está desenhado no extremo sul do Maranhão (do município de Balsas para baixo), centro-leste de Tocantins (ao redor de Pedro Afonso) e no eixo Bom Jesus-Uruçui, no sudoeste do Piauí. Flávio de França diz que a soja está plantada em 950 mil hectares nos três estados. Já são mais de 4% da área total das lavouras do grão no país. A nova fronteira teve forte expansão a partir de 1999/2000, quando tinha 270 mil hectares. Em dois anos, passou para 430 mil hectares.

A expansão da soja continua intimamente ligada ao desmatamento. “São abandonadas áreas de um lado e se avança de outro, destruindo regiões onde as terras são mais baratas”, afirma Maurício Galinkin, coordenador da Articulação Soja-Brasil, uma rede com mais de 500 ongs que inclui o Greenpeace e pretende ganhar força com campanhas de alerta aos consumidores. Os ambientalistas pretendem influenciar inclusive a decisão de grandes compradores de soja no exterior. Querem ter poder de barganha para negociar com agricultores a adoção de critérios que garantam um menor impacto ambiental dos cultivos.

Diversas iniciativas serão deslanchadas a partir dos encontros internacionais marcados para março, em Curitiba: a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8) e a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP-3). Os ambientalistas guardam segredo sobre os detalhes, mas já se sabe que o Greenpeace prepara, para os eventos, uma campanha contra o desmatamento. O objetivo é mostrar ao mundo que a produção agrícola também é uma ameaça à Amazônia. A ong defende a criação de áreas de proteção ambiental para conter a pressão das lavouras.

“Não nos posicionamos contra a soja, que é um bom produto. Mas os problemas surgem com o imenso desmatamento do Cerrado e da Amazônia”, diz Galinkin. Ele acrescenta que as grandes lavouras de soja desequilibram os ecossistemas, provocando o aparecimento de pragas, erosão, assoreamento dos rios e poluição das águas por agrotóxicos, que atingem quem mora na vizinhança.

Os ambientalistas não pedem muito. “Queremos que se cumpram as leis”, resume Galinkin. Ou seja, que se respeite a reserva obrigatória de floresta em cada propriedade e as áreas de preservação permanente (APPs), como margens de rios.

No Maranhão, o Ibama expediu 34 autos de infração contra sojicultores nos últimos seis meses. Algumas multas ultrapassaram R$ 1 milhão. Além do extremo sul, também se destacam regiões ao leste do estado onde os agricultores arrastam correntes com tratores e colocam o Cerrado abaixo. O ritmo do desmatamento no Baixo Parnaíba aumentou com a chegada da soja. Nos últimos cinco anos, foram derrubados mais de 20 mil hectares só nos municípios de Chapadinha, Anapurus e Brejo – região a 250 quilômetros do porto de Itaqui.

Mesmo árvores imunes ao corte por determinação legal, como os pequizeiros e bacurizeiros, são arrancadas com raiz e tudo.

Sem limite

Jorge Rodrigues, presidente da Comissão de Grãos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), tem uma explicação para o novo rumo que aponta a bússola dos agricultores. “Nos estados do Nordeste, a soja às vezes alcança preço em torno de 8% a 10% superior ao do Sul por causa da proximidade dos portos”.

Segundo ele, o porto de São Luiz vem se destacando nas exportações. E já compete com os de Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS). “O caminho se encurta significativamente”, exclama. Rodrigues é pecuarista em Mato Grosso e já teve lavouras de grãos no estado.

“A soja alavancou a agricultura brasileira e valorizou os solos do Rio Grande do Sul. As terras gaúchas pobres em nutrientes se tornaram férteis com as novas tecnologias e quadruplicaram o valor”, defende. Ele lembra que o mesmo aconteceu no Mato Grosso do Sul, primeiro estado a adotar cultivo de soja depois da região Sul. “Nos anos 80, com 1 hectare no Rio Grande do Sul se comprava de 8 a 10 lá. Hoje, em municípios como Chapada do Sul e Dourados, o valor às vezes supera o das nossas terras”.

E se alguém pensa que a última fronteira está perto, ele contesta: “Respeitados os limites ambientais, não abrimos nem um terço das áreas agricultáveis do país”.


* Cristina Ávila é jornalista freelancer em Porto Alegre.

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