Reportagens

Festa na floresta

Entre áreas estaduais e federais, a Amazônia ganhou quase 3,5 milhões de hectares em unidades de conservação. O Parque dos Campos Amazônicos foi decretado.

Manoel Francisco Brito · Andreia Fanzeres ·
19 de junho de 2006 · 18 anos atrás

Nesta quarta-feira o presidente Lula assinou o decreto de criação do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, com 880 mil hectares, entre o Sul do Amazonas e o Norte de Rondônia. O parque vai proteger uma vegetação incomum, marcada por extremos. Ela abriga uma área de cerrado encravada bem no meio de florestas abertas e densas, onde vivem muitas espécies não descritas ou sequer descobertas de aves e primatas. Na mesma ocasião, o presidente assinou a criação da Reserva Extrativista Rio Unini, com 830 mil hectares e a Reserva Extrativista Arapixi, com 133 mil hectares, ambas no Amazonas.

Além da importância para proteção da rara biodiversidade dos campos amazônicos, a criação do parque nacional vai interferir mortalmente nos planos de grileiros. Nos últimos anos, eles têm sido atraídos para essas áreas planas, com poucas árvores no Sul do Amazonas – ideais para o plantio de grãos. É para lá que a fronteira agrícola avança.

O Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que se estende de Manicoré, as margens do Madeira, até a cabeceira do rio Guariba, quase na divisa com o Mato Grosso, começou a ser planejado em 2002, quando o Ministério do Desenvolvimento Agrário ofereceu glebas suas ao longo da Transamazônica para a criação de áreas protegidas. A idéia era usá-las como compensação ambiental para a devastação que varreu a mata em muitos de seus assentamentos na região.

Do ponto de vista técnico, o trabalho andou sem problemas. Do ponto de vista político, entretanto, foi um sufoco. O governo federal estava unido em torno do parque. O governo do estado do Amazonas preferiu ficar quieto. Mas a oposição, principalmente de interesses agrícolas, berrou muito alto contra. As três consultas públicas feitas para debater a proposta do parque foram concorridíssimas e marcadas por tumultos e discussões emocionadas. O vento de proa não foi suficiente para esvaziar a vontade federal de transformar os campos amazônicos num parque nacional, mas emperrou o processo.

Outras unidades de conservação

Ele voltou a andar em março, quando Manaus precisou da ajuda do governo federal para criar as duas reservas extrativistas que ganharam decreto de criação também nesta quarta. Elas, aliás, foram motivo de uma crise entre o MMA e o estado do Amazonas, que alegava que as Resexs não poderiam ser federais porque aquelas terras não pertenciam à União. O argumento não foi aceito pelo Ibama. Segundo João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, o órgão federal já estava com todos os estudos avançados e também por isso tinha o apoio das comunidades locais beneficiadas.

A Reserva Extrativista Arapixi fica numa área que tem sofrido fortes pressões decorrentes do avanço da pecuária e da soja no Sul do Amazonas. Um levantamento biológico ali já identificou a presença de 123 espécies de aves, 33 de mamíferos, sete de répteis e 25 de peixes. Na área onde foi decretada a Reserva Extrativista do Rio Unini, foram registradas 16 ordens de insetos, 124 espécies de peixes, 264 de aves, 42 de mamíferos. Na região vivem também 200 famílias, mas 70% delas estão dentro do Parque Nacional do Jaú, que fica na margem direita do rio Unini, que divide as duas unidades.

Reivindicada há mais de seis anos, a criação da Resex é tida como o primeiro passo para colocar em prática um outro plano: o de reduzir a área do parque nacional do Jaú, onde vivem as famílias que cruzam o rio diariamente para extrair seu sustento da área decretada como reserva extrativista, ampliando a Resex até a outra margem do rio. Em compensação, o parque seria estendido em sua porção sul, para abarcar importantes áreas de nascentes que ficaram de fora.

De acordo com Capobianco, a área que seria retirada do parque é muito pequena. Além disso, essa proposta ainda precisa ser estudada, o que deve acontecer em 45 dias. “Se for procedente, enviamos um projeto de lei ao Congresso”, informou.

O governo amazonense aproveitou o dia para anunciar mais três unidades de conservação contíguas entre os rios Madeira e Purus, que somam 1,6 milhões de hectares de áreas protegidas: o Parque Estadual do Matupiri, e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Juma e do Rio Madeira.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

Leia também

Notícias
16 de maio de 2024

“Exijo respeito ao povo do garimpo”: membros de comissão yanomami defenderam garimpeiros

14 de 15 membros da comissão externa da Câmara para acompanhar “investigação e apuração” da crise yanomami” fazem parte da bancada ruralista; veja histórico de discursos

Colunas
16 de maio de 2024

O que as enchentes no RS e o desmatamento na Amazônia têm em comum?

O desmantelamento das políticas ambientais tem sido acompanhado por uma retórica que desvaloriza a conservação e coloca o desenvolvimento econômico imediato acima da preservação a longo prazo

Notícias
16 de maio de 2024

Mesmo em meio à tragédia do RS, Congresso ainda trava aprovação de pautas climáticas

Após atraso provocado por parlamentares bolsonaristas e ligados ao agro, projeto sobre criação de planos de adaptação no país é aprovado no Senado

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.