Reportagens

O prazer de usar até acabar

Brinquedos, cadeiras, camas e até casas feitas de papelão estão à venda. E têm durabilidade e designs capazes de atrair o desejo do consumidor como qualquer outro produto.

Adriana Maximiliano ·
11 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

Já foi o tempo em que o papelão só servia para transportar produtos. Hoje ele virou o próprio produto. É o que acontece quando gente criativa, com apreço ecológico, pega uma matéria-prima versátil nas mãos. Brinquedos, cadeiras, mesas, camas, luminárias, poltronas, obras de arte e até uma casa inteira de papelão estão à disposição em lojas, sites, feiras e exposições pelo mundo. “Se tivesse um ranking dos objetos mais desejáveis, a caixa de papelão estaria no fim da lista. Para mim, é um desafio transformar esse material que sempre foi associado a lixo num objeto de desejo”, diz o designer holandês David Graas, que usou apenas caixas de papelão comum para criar mesas, cadeiras e luminárias.

Entre os próximos lançamentos de Graas, estão uma cadeira e um tamborete da nova linha “Finish Your Self” (termine você mesmo): o usuário não apenas monta a cadeira ou mesa, como precisa destacar uma parte da caixa em que o produto foi empacotado para terminar a montagem. “É bem simples e não precisa de cola ou fita adesiva”, conta ele. Graas quer que as pessoas olhem com outros olhos para a caixa de papelão depois de ver seu trabalho: “Todos nós precisamos prestar mais atenção nas coisas que jogamos no lixo sem pensar”. Suas luminárias, que são as próximas caixas de papelão, são os únicos produtos de Graas que já estão à venda em lojas da Europa ou na internet por cerca de US$ 40.

Mas não é preciso rodar a Europa para encontrar objetos de desejo feitos de papelão. Os brinquedos desse material que mais fazem sucesso nos Estados Unidos são a casinha, o castelo e o foguete da brasileiríssima Isa Toys. A artista plástica Isa Pini Piva teve a idéia por acaso.”Fiz o primeiro brinquedo com uma caixa linda de um presente de casamento. Cortei uma casinha para minha filha e o sucesso foi tão grande com ela e outras crianças que decidi desenvolver um segundo projeto, o castelo. Descobri que brinquedos de papelão são lúdicos e ecológicos, entre outras qualidades, e têm um tempo de vida mais que suficiente”, diz Isa, que só jogou fora aquela primeira casinha da filha há pouco tempo, depois de seis anos, e por falta de espaço: “A durabilidade depende do uso. Testamos o castelo numa escola, entretendo duas classes na parte da manhã e duas na parte da tarde, e durou quase um ano. Como mãe, acho que esse é o tempo ideal, já que os interesses da criança mudam”.

Em sociedade com o publicitário Akio Aoki, Isa vendeu 13 mil brinquedos para o exterior e 3 mil para o mercado interno desde o lançamento, em 2004. No Brasil, a linha de produtos da Isa Toys pode ser encontrada na rede Tok & Stok e em lojas de brinquedos educativos do Rio, São Paulo e Minas Gerais, a partir de R$ 50. Fora do país, há revendedores na Inglaterra, Estados Unidos, Dinamarca, Suécia, Itália, Japão, Austrália e Nova Zelândia e cada peça custa cerca de US$ 50. “A aceitação foi imediata nos Estados Unidos e na Europa, mas aqui no Brasil tivemos problema porque nossa cultura não entende bem o valor do brinquedo de papel. No início, só uma pequena elite achava bacana”, lembra Isa, que viu seus brinquedos serem copiados no mundo todo: “Infelizmente, como a idéia é ser simples e legal, fica muito fácil copiar”.

Novos produtos, como o disco voador Ufo e um ônibus londrino, estão em fase de teste em escolas e em casas de amigos da artista. Todos os brinquedos são confeccionados em papelão ondulado pela Klabin, uma das maiores fabricantes de papel e celulose do país. Eles têm a parte de cima colorida, mas o corpo branco para que as crianças possam desenhar do lado de fora e de dentro. A tinta é atóxica e a celulose é fibra virgem de pinus ou eucalipto de florestas plantadas. “Trabalhamos com a estrutura da fibra virgem, que dá maior sustentação, e temos mistura de material reciclado só no miolo. É celulose pura. Mas de florestas certificadas. A celulose brasileira é de alta qualidade e de fibra longa, o que dá mais resistência ao papel”, explica Isa, que expõe pelo menos um novo produto por ano em feiras internacionais.

Um dos concorrentes da Isa Toys é a inglesa Ecotopia Toys. A casinha e o foguete delas são quase idênticos, mas há alguns produtos diferentes, como a casa de bonecas e o forte. “Usamos o Trident, um papelão 100% reciclado que parece papel kraft, mas custa bem menos. O processamento sofisticado da fibra e a folha tripla dão força para que o brinquedo se sustente sem precisar de aditivos químicos”, conta o diretor da Ecotopia, Miles Owen, que vende basicamente para o mercado inglês.

Obras de arte

De volta ao universo adulto, móveis criados pelo arquiteto canadense-americano Frank Gehry são considerados obras de arte clássicas do papelão entre os amantes do material. Três décadas antes de projetar o modernoso Museu Guggenheim de Bilbao (1998) em titânio, Gehry fez as primeiras peças de papelão ondulado, em 1969, para a série “Easy Edges”. Repetiu a matéria-prima dez anos depois na série “Experimental Edges”. Para fazer as curvas dos móveis, Gehry usou 60 camadas de papelão ondulado e laminado, presas por hastes de metal. Algumas peças estão à venda na internet com preço de obra de arte. A pioneira Wiggle Chair, por exemplo,custa US$ 850.

Mas uma cadeira de Frank Gehry não parece tão cara se comparada às simples camas itbed. Criadas por dois arquitetos suíços, Valérie Jomini e Stanislasn Zimmermann, em 1997, elas custam de US$ 440 a US$ 690, dependendo do tamanho. “Muitos jovens compram a itbed para o dia-a-dia, mas a maioria compra para servir de cama de hóspede. Elas podem durar mais de dez anos se você não tiver uma enchente dentro de casa”, diz Zimmermann, que usa papelão ondulado de duas camadas e 7mm de grossura, o mesmo das caixas de papelão comum de David Graas.

E para quem achava que já tinha visto todas as possibilidades do papelão na vida, um grupo de arquitetos da australiana Stutchbury & Pape e pesquisadores da Universidade de Sidney criaram em conjunto a Casa de Papelão do Futuro, que custa cerca de US$ 25 mil. Inspirados nas casas japonesas de papel-de-arroz e nos encaixes dos origamis, os arquitetos fizeram a casa com 100% de material reciclável. Criada para servir como moradia temporária, ela pode ser montada por dois adultos num período de seis horas e vai poupar 39 árvores e 30 mil litros de água se for reaproveitada. O telhado, as caixas d’água e o piso da cozinha e do banheiro têm camadas de plástico HDPE para dar mais durabilidade para a casa. 

“Sendo extremamente barata e fácil de transportar, a Casa de Papelão pode ser usada numa grande variedade de aplicações. Você poderia viver em uma enquanto sua casa permamente está sendo construída ou renovada, levar para as férias no campo ou usar como uma casa de emergência”, escreveram os donos do projeto no seu site oficial.

Se ainda resta dúvida de que existem fãs do papelão no mundo das artes, é hora de conferir a exposição “This Side Up: The Cardboard Show”. Ela reuniu em agosto obras de 45 artistas da Europa, Estados Unidos e Canadá para homenagear o papelão na Creative Electric Gallery, em Minneapolis. Eles usaram um pedaço de 30cm x 30cm do material para mostrar seus talentos.”Teve de tudo, desde caixa de pizza até papelão industrial e capa de álbum de fotos. Algumas obras chegaram infestadas de moscas, porque foram feitas com papelão que estava no lixo. Essas, infelizmente, não pudemos aproveitar”, conta um dos organizadores, Jeremy Boyd, que prepara a “This Side Up 2” para junho de 2007 e espera contar com a participação de artistas brasileiros: “Basta enviar para a nossa seleção a arte num pedaço de papelão de 30cm x 30cm”.

O resultado da primeira exposição pode ser conferido no site onde surgiu o projeto, Wootini. Além de um livro sobre as obras de arte, elas já estão à venda no site por preços que variam de US$ 50 a US$ 1,5 mil. Boyd lembra que todo o dinheiro arrecadado será direcionado para programas de caridade.

*Adriana Maximiliano é freelancer em Washington.

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