Reportagens

O gigante amazônico

O Pará criou a maior área contínua de floresta preservada no mundo e consolidou um gigantesco mosaico de unidades de conservação numa das partes mais intocadas e ricas da Amazônia.

Carolina Elia ·
4 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

Está criada a maior área de floresta preservada por lei do mundo. Surgiu nesta segunda-feira, depois de um decreto assinado pelo governador do Pará, Simão Jatene, consolidar a existência das Florestas Estaduais (Flotas) de Paru, Faro e Trombetas, a Estação Ecológica do Grão-Pará e a Reserva Biológica Maicuru na calha norte do rio Amazonas. Juntas, elas guardam 12,8 milhões de hectares de floresta amazônica bem preservada coladas a um mosaico de unidades de conservação já existente na região conhecida como Escudo da Guiana, na fronteira do Brasil com as Guianas e o Suriname. No total, formou-se um bloco de 35 milhões de hectares de matas protegidas, o equivalente ao território da Alemanha.

Desse montante, pelos cálculos da Conservação Internacional (CI), que ajudou a elaborar o relatório sobre a importância de se preservar esta região, precisamente 11 milhões 348 mil hectares estarão sobre preservação integral, protegidos de qualquer atividade econômica. O destaque fica com a recém-criada Estação Ecológica do Grão-Pará que com seus 4.245.819 hectares se tornou a maior unidade de conservação de proteção integral em florestas tropicais no mundo, ultrapassando o vizinho Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá.

O Escudo das Guianas conserva em bom estado mais de 25% das florestas tropicais úmidas restantes na Terra e abriga aproximadamente 20% de toda a água doce do planeta. “É um dos poucos lugares que ainda dá para dizer que tem água pura. As unidades de conservação criadas hoje ficam no platô [do Escudo] e são muito importantes para a manutenção do regime hídrico da região amazônica”, explica José Maria da Silva, vice-presidente de Ciência da Conservação Internacional Brasil.

Segundo o levantamento realizado pela CI, sozinhas, a Reserva Biológica Maicuru e a Estação Ecológica Grão-Pará protegem pelo menos 61 espécies de anfíbios, 150 de répteis, 700 de aves e 195 de mamíferos. “Estes números representam entre 14,3% (no caso dos anfíbios) e 54,1% (no caso das aves) de todas as espécies encontradas na Amazônia”, concluiu a organização, que ressalta ainda casos significativos de endemismo na região.


Sem gente



A área de alto valor ecológico guarda outra característica que pesou  na decisão de transformá-la num grande mosaico de áreas protegidas: baixa ocupação humana.

Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que também ajudou o governo do Pará a criar as unidades de conservação, diz que na Reserva Biológica Maicaru e na Estação Ecológica Grão-Pará não há nenhum tipo de população. “No máximo tribos nômades”, detalha. A Floresta Estadual de Trombetas tem quilombos, mas a maior parte ficou de fora dos limites da unidade. Já as Flotas do Paru e do Faro têm cada uma cerca de 100 famílias distribuídas em uma área maior do que o território da Holanda. “Se somarmos o desmatamento existente em todas as unidades de conservação criadas hoje na Calha Norte, não dá 0,1% de toda a área”, conta Veríssimo.

Ele ressalta que a criação dessas unidades de conservação representam uma blindagem legal contra grilagem. “Ninguém vai entrar lá sabendo que não vai poder explorar a terra economicamente depois. As unidades detêm qualquer aventura de grilagem”, diz. Para Veríssimo, a maior ameaça desta região agora é a exploração de madeira ilegal e para evitar isso é importante se ter um bom sistema de monitoramento para garantir o controle da região.

Nos últimos anos, o Imazon desenvolveu ferramentas tecnológicas de baixo custo que permitem a detecção de estradas ilegais, desmatamentos e exploração clandestina de madeira em plena selva amazônica. A idéia é junto com o governo do Pará e a CI correr atrás de quem queira financiar esse monitoramento independente da região da Calha Norte. O custo anual estimado é de 500 mil reais.

“Isso é o que o terceiro setor pode fazer para ajudar”, diz Veríssimo, completando que com as informações fornecidas o governo poderá desencadear modelos para a fiscalização da área. E se não o fizer, os dados serão públicos e a sociedade terá como cobrar medidas. Parcerias também estão sendo travadas com o Ministério Público Estadual e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado para manter a imensa área verde preservada.

O próximo passo é fazer o plano de manejo de cada unidade de conservação, o que deve demorar no mínimo um ano. Dos 12,8 milhões de hectares convertidos em áreas protegidas por Simão Jatene 7,3 milhões poderão ser explorados economicamente já que foram transformados em Florestas Estaduais. Como a região é muito isolada, investimentos em turismo a médio e curto prazo são pouco prováveis. Quem deve querer investir na região é o setor madeireiro, que emprega 140 mil pessoas diretamente e é hoje o principal motor da economia do Pará.Como forma de acelerar e organizar a concessão de uso das terras públicas para esse fim, o governador encaminhou nesta segunda-feira à Assembléia Legislativa o projeto de criação do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado. Para Veríssimo, o Instituto deverá ser criado sem dificuldades porque é uma peça chave para regularizar a exploração de madeira nas florestas do Pará.

Na mesma cerimônia em que foram criadas as cinco unidades de conservação na Calha Norte, o governador também decretou o surgimento da Floresta Estadual do Iriri e da APA Triunfo do Xingu, que completam o mosaico de áreas protegidas da Terra do Meio, foco da ação do governo federal na Amazônia no ano passado. Assim, o Pará encerra o ano com três grandes blocos de florestas protegidas: o da Terra do Meio, o do distrito florestal da BR-163 e o da Calha Norte, sendo que este último tem mais chances de cumprir sua função porque, neste caso, as medidas de proteção chegaram antes das atividades humanas. Uma raridade no Brasil.

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