Reportagens

Conservação à americana

Maior programa de conservação de terras privadas dos EUA quer, na verdade, recuperar fertilidade das propriedades. Parece pouco, mas projetos pontuais de exploração de florestas podem ser exemplo.

Andreia Fanzeres ·
29 de setembro de 2009 · 15 anos atrás

Ao final do programa, que dura de dez a 15 anos, não tem sido raro ver os proprietários optando pelo replantio de suas lavouras, seduzidos pelos bons preços do mercado. A possibilidade de explorar beira de rios e a desobrigação de manter porcentagens de reservas legais nos Estados Unidos fazem o país ser cobiçado por muitos fazendeiros brasileiros, que têm defendido as “vantagens” dos americanos em poderem desmatar mais dentro de suas áreas do que por aqui. Pursell diz que isso é ilusão. “Eu vejo muitos fazendeiros perderem suas lavouras a cada três anos porque desmataram as áreas no entorno de cursos d’água. Sem proteção, elas ficam mais suceptíveis a problemas como enchentes. Então os que derrubaram para aumentar sua área de plantio acabam vendo que isso não melhora em nada seu rendimento”, explicou.

Cerca de 13 milhões de hectares de terras norte-americanas são atendidos pelo programa, que nasceu no berço do departamento de agricultura do governo federal em 1985. Só em 2009, o governo repassou 1,716 milhões de dólares para o CRP. Podia ser muito mais. Segundo Pursell, o Congresso americano não aceitou a criação de uma meta para que o programa tente recuperar quantias razoáveis de território. Ano passado a abrangência do programa era de 15.9 milhões de hectares e está caindo. “Muitos contratos estão prestes a expirar nos próximos três ou quatro anos, o que pode tirar de um status de conservação mais um bom pedaço dessa área”, lembrou o ambientalista.

Versão brasileira: encalhada

Aqui no Brasil temos um programa que pretende fazer mais ou menos a mesma coisa. Também está sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, que prometeu ano passado cerca de cinco bilhões de reais para recuperar solos em processo de desertificação, tão maltratados foram nas últimas décadas. Até agora, nada foi repassado a agricultores e, conforme o repórter Chico Boeing apurou para O Eco, a previsão é que os recursos comecem a ser repassados até o fim deste ano.

Nos Estados Unidos, cada proprietário recebe anualmente 126 dólares por hectare para que possa realizar a recuperação do espaço. Fazendeiros que optarem por plantar árvores podem conseguir incentivos ainda maiores. Eles podem ainda se candidatar a uma ajuda do governo da ordem de 50% do que for necessário para tornar sua propriedade ecologicamente saudável. Segundo Pursell, estima-se que desde 1985, quando o CRP começou, ambientes aquáticos nos Estados Unidos foram beneficiados com 470 milhões de toneladas de solo que não foram parar assoreados no fundo de córregos e rios. O governo americano imagina que só o CRP tenha sido responsável por um sequestro de mais 50 milhões de toneladas de carbono em 2007, se comparado com as mesmas áreas em lavouras.

Os resultados da iniciativa são sentidos através da melhoria na qualidade da água nas propriedades, do ar, diminuição de enchentes, aparecimento de vida selvagem, o que significa aumento das oportunidades de caça. “Há estradas na Pensilvânia que contabilizam atropelamentos de veados a cada milha (1,6km)”, cita o engenheiro florestal. Tudo isso aprimora substancialmente o valor econômico da propriedade. A TNC ajuda com recursos financeiros e assistência técnica, segundo Pursell. Quem for remunerado e não demonstrar resultados em campo fica sujeito a sanções do governo e pode ser obrigado a devolver todo o dinheiro investido na recuperação. “O monitoramento é feito anualmente através de fotografias aéreas de cada propriedade”, explica.

Primeiros passos

Desmatamento no norte de Mato Grosso não poupa áreas importantes para conservação. Com incentivos, a história poderia ser outra (foto: Andreia Fanzeres)

 

O governo tem diversos outros programas nessa linha. O WRP – Wetland Reserve Program, por exemplo, se propõe a restaurar áreas úmidas parcial ou totalmente drenadas com pagamento único pela retirada da lavoura da zona pantanosa. Também existe a possibilidade de recebimento por um acordo de conservação da área por um período de dez ou 30 anos. Em nenhum dos casos o proprietário perde o título da área. “O governo ajuda se você destruiu e quer recuperar. Mas se você fez a coisa certa e não desmatou, não recebe nada. É um incentivo perverso, eu sei”, comenta Pursell.

O Congresso aprovou em 2003 um outro programa, o Healthy Forest Reserve Program, que oferece pagamento único aos proprietários por 10, 30 ou 99 anos para conservação de florestas existentes em suas áreas, mas estas devem ser consideradas prioritárias, geralmente apresentando espécies e ambientes ameaçados. Nesses locais, manejo madeireiro é permitido, com restrições. Muito semelhante é o FLP – Forest Legacy Program, que se destina aos fazendeiros que detêm fragmentos florestais e se comprometem a não convertê-los, não subdividi-los e apenas podem explorar madeira seguindo planos de manejo. O governo federal contribui com 75% dos fundos aos proprietários, e os outros 25% devem ser a contrapartida de organizações parceiras, estados ou municípios.

Os melhores desempenhos em termos de conservação têm sido, no entanto, resultado de parcerias envolvendo organizações sem fins lucrativos, que nos últimos 30 anos afirmam ter protegido mais de 15 milhões de hectares nos Estados Unidos. O trabalho dessas organizações, reunidas sob a administração de entidades como a Land Trust Alliance, abarca assistência para implementação de planos de uso para áreas florestadas.

Ainda assim, a maioria dos mecanismos de conservação nos Estados Unidos têm se atido à garantia de que a área não irá sofrer corte raso. Poucas iniciativas desenvolvem ações para garantir a saúde dos serviços ambientais, para além da floresta de pé. Programas pontuais e pilotos começam muito recentemente a atacar esta estratégia e um exemplo clássico tem sido o Banco da Floresta (The Forest Bank), em experimentação no estado de Indiana.

O princípio básico transformar em renda anual os ganhos com exploração madeireira, que, se feita de forma sustentável, só garantiriam retorno financeiro depois de 15 ou 25 anos. “A decisão de cortar as árvores para obtenção de madeira geralmente é baseada nas necessidades financeiras, em vez das caractersíticas ecológicas das florestas”, diz Pursell. No primeiro ano, portanto, o proprietário recebe um pagamento equivalente a 4% do valor de sua madeira, como um adiantamento pelo corte que ocorrerá no futuro, quando a floresta estiver preparada. A porcentagem é fixada até o momento em que engenheiros florestais derem o aval de que a floresta pode começar a ser explorada.

A renda gerada pela venda da madeira pertence inteiramente ao proprietário, mas como ele já vinha recebendo pagamentos antes da exploração, o que ele ganha no momento da colheita é deduzido do que ele já tinha recebido previamente. Tudo sujeito a reajustes de acordo com o valor efetivamente comercializado da madeira. No final das contas, o proprietário se beneficiou de empréstimos em dinheiro quando ele não fazia uso da floresta, assistência especializada em manejo e comercialização, além dos beneficios ambientais de deixar sua floresta preservada mesmo após a retirada de madeira. Há cinco anos a TNC desenvolve este programa, com 11 proprietários em áreas que somam 410 hectares. Apesar dos bons resultados, a escala ainda é insuficiente para serem atingidos resultados efetivos à conservação. Melhorias estão sendo estudadas, segundo Pursell, e a intenção é estimular outras modalidades de acordos com os proprietários. Quem sabe o exemplo não sirva para o Brasil?

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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