Um dos filmes de maior repercussão entre os participantes do XII Fica foi o holandês “A blooming business” de Ton van Zantvoort, que em português virou “Um negócio florescente”. Rodado no Quênia, o longa denuncia os crimes ambientais e sociais da indústria de flores naquele país. Todos os dias, toneladas de rosas saem das estufas instaladas no deserto queniano para abastecer o comércio holandês. Por trás da beleza das flores se esconde um intenso processo de degradação de rios e lagos, contaminados com pesticidas e que, mesmo assim, são a única fonte de abastecimento das populações locais; a manutenção da pobreza extrema devido aos salários desumanos, o que obriga trabalhadores a viver em favelas sem saneamento básico; e as condições degradantes de trabalho, que envolve abusos sexuais e casos de agressões físicas.
Quem conta esta história é um jovem cineasta que, depois de rodar “A blooming bussines” e sofrer muito stress por conta da repercussão do longa, quer voltar à “vida normal” rodando a história de amor entre seus avós. Confira abaixo a entrevista com Ton van Zantvoort.
O Eco – Como você teve conhecimento da situação da indústria de flores no Quênia?
Ton van Zantvoort – Em 2003 eu fui para o Quênia pela primeira vez, fazer um filme encomendado pela Dutch Foundation sobre crianças com problemas mentais em países em desenvolvimento. Nessa viagem eu tive contato com uma família que tinha duas crianças com problemas que ficavam em casa sozinhas. Era uma garota de dez anos que era epilética e outro garoto de seis com retardamento mental. Meu primeiro choque foi: onde estão os pais dessas crianças? O que acontece muito no Quênia é que quando a criança é excepcional os pais abandonam a família e a mãe tem que cuidar de tudo sozinha. Ao filmar essa história, eu fui até o trabalho dessa mãe, que era no meio do deserto, e vi aquelas enormes fábricas de flores. E então eu descobri que aquelas eram as flores que abasteciam o comércio holandês todos os dias. Enquanto eu estava fazendo esse filme sobre doenças mentais essa mãe de família foi despedida e então eu comecei uma investigação mais ampla para entender o que estava por trás dessa demissão, fui perguntando para as pessoas e tendo conhecimento das outras histórias, como a contaminação da água, a mortandade dos peixes, porque tudo está conectado. Eu fiz encontros secretos com mais de 36 pessoas de diferentes fábricas, uma a uma, ouvindo a história de cada uma delas. E quando eu ouvi essas histórias eu fiquei realmente chocado e falei, ok, não importa o que aconteça, eu tenho que fazer esse filme, contar essas história.
Você demorou cinco anos fazendo esse filme e no final, a personagem principal, Jane, foi despedida da fábrica onde trabalhava e você então passou a sustentar a família dela. Como isso aconteceu?
TZ – Três meses depois do filme, soubemos através de uma pessoa que trabalha numa organização de direitos humanos de lá que a Jane tinha sido mandada embora e estava passando necessidade. Então nós fizemos um contrato, eu arrecadei dinheiro e comecei a mandar para esta mulher, para ela enviar para Jane financiar seu próprio negócio. Mas Jane disse esse dinheiro nunca chegou até ela. Isto é, o contrato com a tal organização de direitos humanos era falso. A saída que encontramos foi a Jane abrir uma conta própria no banco. Eu consegui arrecadar dinheiro de novo e passei a mandar pra ela, porque talvez isso [demissão] tenha acontecido por causa do meu filme, eu nunca vou saber.
Que tipo de negócio era?
TZ – Era um pequeno negócio próprio. Ela deixou Naivasha e voltou para a sua cidade natal, longe dali, ela hoje vende pequenas coisinhas.
Alguma coisa mudou depois do seu filme em relação às fábricas de flores?
TZ – O filme foi exibido em muitos lugares diferentes e as pessoas geralmente reagiam a ele dizendo: “eu quero mandar dinheiro para Jane”. Eu pensei nisso por um longo tempo, mas não aceitei nenhuma oferta, porque eu ainda financio ela e também porque Jane é um símbolo, é apenas uma rosa entre muitas pessoas que estão na mesma situação, então isso não funcionaria, não resolveria o problema. Sobre a situação em geral, as pessoas foram tomando consciência mais e mais. Muitas organizações viram o filme e o usaram, também nas indústrias, para educar as pessoas, para estimular que elas entrassem em sindicatos, para protestar. O filme está na União Européia, eles estão distribuindo para ministros do trabalho, nos países europeus. Quando as pessoas vêem o filme, elas falam, “nunca mais vou comprar uma rosa”, mas isso não é a solução, porque os trabalhadores acabariam perdendo seus empregos. A solução é comprar apenas rosas do comércio justo. No Quênia, o comercio justo muitas vezes não é tão justo, mas as organizações que controlam isso têm que checar melhor. Eu não sei como é a situação aqui no Brasil, mas na Europa cada vez mais consumidores querem saber o que eles estão comprando. Essa seria uma solução.
Você sofreu alguma represália depois do filme?
TZ – Não recebi nenhuma ameaça, mas fiquei muito estressado. Eu sou um único cara, com uma câmera na mão. A indústria das flores não é a principal fonte de renda dos quenianos, a primeira é o turismo, mas é a segunda mais forte, então é extremamente importante para um país. E também para a Holanda esta não foi uma história positiva. Eu não sei quem deveria estar com mais medo, se o Quênia ou a Holanda…É engraçado, eu removi todos os logos do filme, das caixas, portões, para não configurar uma historia pessoal de alguma indústria, o que, de certo modo, é OK, mas não deixa de ser muito estressante. Eu já passei muito medo e agora, como reação a tudo isso, estou fazendo um documentário sobre meus avós e o amor entre eles. Eu quero voltar a fazer esse tipo de história [como em “Um negócio florescente”], mas também quero ter minha vida normal de volta. O que acontece é que essa situação retratada no filme não é restrita ao Quênia, em muitos outros lugares existem indústrias como aquelas, é um problema global. Eu tentei contar a história para conscientizar as pessoas, mas também quero que ele estimule mudanças.
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