Reportagens

Dez fatos que você deveria saber sobre a crise da água no Grande Rio

Com base em pronunciamentos e entrevistas com especialistas, ((o))eco reuniu dez fatos que você precisa saber sobre a água com gosto de barro na região metropolitana do Rio

Emanuel Alencar ·
20 de janeiro de 2020 · 4 anos atrás
Estação de Tratamento de Água Guandu, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Foto: TRT RJ/Flickr.

Cheiro de terra, gosto estranho, água mineral evaporando dos mercados… O ano de 2020 começou com uma crise sem precedentes no abastecimento de mais de 60 bairros da capital do Rio de Janeiro, e outras seis cidades da Baixada Fluminense. Uma enxurrada de “fake news” logo se espalhou pelas redes sociais, aumentando a insegurança e a tensão entre 9 milhões de moradores do Grande Rio. Com base em pronunciamentos oficiais e entrevistas com especialistas, ((o))eco reuniu dez fatos que você precisa saber sobre o episódio.

1. A Cedae e órgãos de controle já explicaram o motivo de água estar chegando com odor e gosto semelhante a terra e turbidez na casa de moradores do Rio e de seis cidades da Baixada Fluminense?

Parcialmente. Os relatos, que começaram no dia 2 de janeiro, davam conta do recebimento de água com partículas de cor marrom e odor e gosto de argila, ou terra em bairros cariocas e cidades da Baixada Fluminense, abastecidos pelo sistema Guandu, operado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). A Cedae informou, apenas no dia 7, que o fenômeno estava relacionado a um composto orgânico chamado geosmina. Nada mais disse. Mas, segundo atestaram diversos especialistas, a geosmina, decorrente de processos de rompimentos de membranas celulares de cianobactérias, não causa alteração na cor da água. Então é correto afirmar que houve dois episódios diferentes que alteraram a potabilidade da água distribuída desde o início de 2020. Entretanto, até o dia 19 (domingo), apenas a presença da geosmina estava confirmada, mas não se sabia o que havia causado a turbidez em diversos pontos, principalmente na Zona Oeste do Rio.

2. O que fazer para solucionar o problema da geosmina?

No dia 13 de janeiro, Comissão do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e especialistas vistoriam as instalações da Estação de Tratamento de Águas do Guandu. Foto: MPRJ.

A solução paliativa existe e muita gente do ramo conhece. Está, porém, engavetada há 40 anos, desde que a então Promon Engenharia fez, na década de 1970, projeto para o desvio dos rios Poços, Queimados e Ipiranga, para um ponto abaixo (a jusante) da captação da estação da Cedae, em Nova Iguaçu. Esses rios carregam uma série de poluentes e fazem com que a Cedae precise usar muita química no tratamento e precise lidar, constantemente, com desequilíbrios na captação. Em 1994, a então Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) desenvolveu, com a Coppe/UFRJ, uma nova proposta. Em 2010, a Cedae conseguiu recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para fazer a obra, orçada em R$ 50 milhões. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) chegou a conceder a licença ambiental para a intervenção. Mas nem assim o projeto seguiu adiante. A solução definitiva é tratar os esgotos que chegam nos rios. O custo estimado é de R$ 1,4 bilhão.

3. O consumo da água é seguro? O que fazer?

Embora a Cedae garanta que não há problemas com a água, especialistas recomendam cautela enquanto o odor e gosto estranhos perdurarem. Gandhi Giordano, professor do departamento de Engenharia Sanitária da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), recomenda que se ferva e depois se filtre a água antes do consumo: “Água potável não tem odor nem gosto”.

4. Quais foram as medidas tomadas pelo governador Wilson Witzel?

Em viagem para Orlando, nos Estados Unidos, no epicentro da crise, Witzel só fez o primeiro pronunciamento no Twitter na tarde do dia 14 de janeiro, ou seja, 12 dias após os primeiros relatos de problemas. “São inadmissíveis os transtornos que a população vem sofrendo por causa do problema na água fornecida pela Cedae. Determinei apuração rigorosa tanto da qualidade da água quanto dos processos de gestão da companhia”, escreveu. No mesmo dia, o chefe da Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, Júlio César Antunes, foi exonerado. O engenheiro tem 30 anos de companhia e havia recebido o Ministério Público e representantes de universidades em uma vistoria na estação, na manhã do dia 13. Na sexta-feira, dia 17, caiu o diretor de Saneamento e Grande Operação da Cedae, Marcos Abi-Ramia Chimelli. Marcos, que ficou no cargo apenas cinco meses, havia sido indicado pelo próprio primo, Alexandre Bianchini, que foi trabalhar na iniciativa privada. Abi-Ramia foi substituído por Carlos Henrique Braz, diretor da Região do Interior.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, só se pronunciou sobre o caso 12 dias depois. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

5. A Cedae apresentou todos os índices que provam a boa qualidade da água?

Não. O Ministério Público (MP) informou na noite de sexta-feira (17) que entraria com ação judicial cobrando que a Cedae apresente todos os 70 parâmetros preconizados na portaria 5 do Ministério da Saúde, sobre qualidade da água para consumo humano. Segundo o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), a empresa apresentou informações com lacunas.

6. É verdade que muitos funcionários experientes foram demitidos da Cedae em 2019? Isso tem relação com a crise?

Sim, é verdade que 54 profissionais de nível superior foram demitidos, sendo 39 engenheiros. Somente do setor de qualidade de água foram 5 exonerados. Funcionários com décadas e décadas de experiência deixaram a empresa. Caso do gerente de Controle de Qualidade, José Roberto Dantas; de Álvaro Henrique Verocai, responsável pela distribuição; de Octavio Legg Neto, chefe de manutenção da ETA Guandu e único engenheiro mecânico da estação; e de Edes Oliveira, diretor de Operação e Grande Produção. Todos tidos como profissionais gabaritados e fundamentais para lidar com momentos de crise. O presidente da Cedae, Hélio Cabral, garante, entretanto, que as exonerações não têm qualquer relação com a crise da água, e que os profissionais cortados chegavam a ganhar mais de R$ 35 mil, causando desequilíbrio na gestão.

7. Quem fiscaliza a Cedae?

A companhia tem muita liberdade, sendo muito pouco fiscalizada pelos órgãos de controle. Mas cabe à Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) fiscalizar o contrato da Cedae com os municípios. A Agenersa informou, no dia 14, que pediu à Cedae “relatórios complementares”. Além disso, a agência reguladora solicitou à Vigilância Municipal o resultado das análises microbiológicas da água coletada por técnicos do Laboratório Municipal de Saúde Pública (LASP) desde o dia 6 de janeiro de 2020.

8. A Cedae será privatizada?

Fachada do prédio da CEDAE. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

A estatal fluminense deverá ser parcialmente privatizada até setembro, como parte do Regime de Recuperação Fiscal firmado com a União. Mas a captação e a adução da água, ou seja, o serviço feito pela ETA Guandu e pelo sistema Imunana-Laranjal (no Leste Fluminense) se manterá público. Isso significa que as ações de saneamento básico seguem sendo uma obrigação do governo do estado e das prefeituras. A ideia é que a distribuição da água e o tratamento de esgotos sejam concedidos à iniciativa privada.

9. Pastor Everaldo (PSC) comanda mesmo a Cedae?

Presidente nacional do PSC, partido ao qual o governador é filiado, Pastor Everaldo é uma espécie de orientador de Witzel, influenciando sua carreira política, e tem sim forte influência na Cedae, hoje, indicando diversos gerentes e diretores.

10. Quando a crise vai terminar e a água voltará a ter gosto de… água?

O presidente da Cedae, Hélio Cabral, não quis bater o martelo, mas disse que a partir da semana do dia 20 de janeiro, com o uso de carvão ativado pulverizado e de uma argila especial da empresa Hydroscience Consultoria Ambiental, a situação deverá se normalizar. A empresa não informou os custos da aplicação do carvão, mas o uso da argila deve ficar em R$ 5,5 milhões, conforme noticiou o “Blog do BertaBlog do Berta“.

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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Comentários 5

  1. Bruno Ventura diz:

    Ótimo compilado de fatos, muito esclarecedor da situação.


  2. Ana diz:

    Isso está parecendo mais uma das estratégias para manchar a imagem do PSC, não se pode acreditar em toda matéria que se lê, pq deturpam situações para acusar sem relevância alguma quem não tem culpa. Deve ser para tirar o foco do real problema.


  3. Marluce Santana diz:

    Qual a intenção dessa notícia? Será mudar o foco do problema que está acontecendo? Só bobo pra acreditar nessa que o pastor Everaldo comanda a Cedae. Sabemos que indicações são feitas pelo próprio Conselho da Companhia…


  4. Rachel S diz:

    Quem indica gerentes e diretores são os conselheiros administrativos da empresa, não sei de qual fonte confiável foi retirada a informação de que quem indica é o Everaldo.


  5. Marta Lemos diz:

    Mais um fato a acrescentar: 50 funcionários que ganhavam salários absurdamente altos foram demitidos e tem grande interesse em manchar a reputação de Witzel e do Pastor Everaldo. Quero ver quando descobrirem quem está por trás dessa sabotagem à Cedae nessa jogada política!