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Apoio de Minas Gerais vira campo de disputa das pautas ambientais no segundo turno

Embora Lula tenha tido a maioria dos votos na primeira fase da votação, apoio de Romeu Zema a Bolsonaro indica alinhamento perigoso com o favorecimento em processos licitatórios

Débora Pinto ·
28 de outubro de 2022 · 2 anos atrás


Não por acaso, foi em Minas Gerais a agenda de campanha de Lula no fim de semana anterior as votações do segundo turno, quando Lula contou com a presença de Simone Tebet (MDB), terceira colocada no primeiro turno e da deputada federal eleita Marina Silva (REDE/SP), ao seu lado em seus atos de campanha. 

No mesmo período, a primeira-dama Michelle Bolsonaro esteve em solo mineiro realizando encontros em prol de Bolsonaro acompanhada da senadora eleita pelo Distrito Federal Damares Alves (Republicanos).

O contexto e os apoios travados no estado ganham especial relevância quando se trata do avanço de uma narrativa ambiental que tende a privilegiar os grandes empreendimentos em detrimento da preservação da biodiversidade. Romeu Zema (Novo), que contou com 56,18% dos votos válidos no primeiro turno, tem mostrado uma postura vacilante no que se refere à manutenção de áreas protegidas. Entre as implicações ambientais mais polêmicas, está seu envolvimento com o projeto de mineração da Serra do Curral, na região metropolitana de Belo Horizonte. 

Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte. Foto: André Jean Deberdt

Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais transformou-se em um campo de disputa especialmente emblemático no segundo turno das eleições presidenciais. Ainda que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha  conseguido estar à frente no primeiro turno, com 48,29% dos votos, seguido por Jair Bolsonaro (PL), que contou com 43,6% , o deputado federal mais votado do país foi o mineiro Nikolas Ferreira (PL), que apresenta-se publicamente como um bolsonarista “raiz”, assim como Bruno Engelman (PL),  deputado que conseguiu a maioria dos votos para a Assembleia Legislativa estadual.

Os dois fazem parte do movimento Direita Minas, que apoia incondicionalmente o atual presidente. Romeu Zema, que conseguiu a reeleição no primeiro turno, declarou publicamente seu apoio a Bolsonaro e é o coordenador de campanha do atual mandatário em território mineiro.

Na madrugada do último dia 30 de abril, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou um pedido de licenciamento da mineradora Taquaril Mineradora S.A. (Tamisa) para exploração da Serra da Curral, em uma área que abrange os municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. Os três órgãos estaduais votaram a favor do empreendimento de forma considerada acelerada pelos ambientalistas que se opõem ao empreendimento. 

Institucionalmente, a prefeitura de Belo Horizonte colocou-se contra o projeto e chegou a acionar o STF (Superior Tribunal Federal) para acelerar o processo de tombamento da área  através do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Em 5 de agosto,  depois de reuniões referentes ao tombamento terem sido adiadas, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu qualquer ato na Serra do Curral relativo à mineração da Tamisa até que o processo junto ao Iepha seja finalizado. “Deve-se verificar se é possível conciliar a preservação do meio ambiente, com desenvolvimento econômico e geração de emprego e renda”, afirmou o presidente do TJMG, José Arthur Filho.

Em 29 de setembro outra mineradora, a Gute Sicht, que operava na Serra do Curral amparada por um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, celebrado em 2021 com  a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável  (Semad), teve suas atividades suspensas após fiscalização constatar irregularidade na supressão não  autorizada  de uma área de vegetação. 

Ainda que a exploração mineral já ocorra na área, a exemplo da realizada pela Gute Sicht, o projeto apresentado pela Tamisa traria um impacto paisagístico e ambiental muito mais amplo para a Serra do Curral, colocando em risco de forma complexa o equilíbrio ecossistêmico de toda a região metropolitana de BH. A sociedade civil segue mobilizada em prol do tombamento através de manifestações e ações virtuais  como o abaixo-assinado ‘Tira o pé da minha Serra”.

“As portas giratórias” de Zema 

Romeu Zema, embora afirme estar seguindo os trâmites legais, é defensor do avanço minerário na região,  com o mote ligado ao desenvolvimento econômico. De acordo com o apurado pela Agência Pública, em maio, o agora governador reeleito nomeou para a presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a prima do diretor executivo e sócio da Taquaril Mineração S/A (Tamisa), logo após exonerar o então diretor Felipe Cardoso Vale Pires, que  havia encaminhado, dois meses antes,  um ofício ao Ministério Público revelando possível ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento da Tamisa.

Zema e Jair Bolsonaro. Foto: Divulgação

“Essa lógica de favorecimento empresarial não é nova em Minas Gerais, mas contou com um aprofundamento considerável no último mandato. Para quem acompanha de perto as atividades da Assembleia Legislativa, é possível ver com clareza o enfraquecimento dos espaços de participação da sociedade civil e como, de  forma muitas vezes sorrateira, através de ações infralegais, são feitas concessões que favorecem certos grupos empresariais, especialmente aqueles ligados à Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg)”, explica Gustavo Malacco, Diretor de Sustentabilidade da Associação para Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá).

As ligaçoes entre a Semad e a Fiemg foram explicitadas durante o primeiro turno da campanha eleitoral, em 10 de setembro, quando o ex-prefeito de Belo Horizonte e candidato ao governo estadual Alexandre Kalil (PSD) afirmou  a ambientalistas durante encontro ‘Temos que tirar a Secretaria do Meio Ambiente das mãos da Fiemg’, dando como exemplo da relação entre as duas instituições a manutenção do então secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Luiz Gomes Vieira, mesmo após o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, no ano de  2019. o segundo turno presidencial, Kalil é apoiador de Lula.

O apoio ao setor empresarial  por parte do governador reeleito Romeu Zema também se fez presente no processo que autorizou, via Semad, a utilização de uma área de  10,3 mil hectares de Cerrado na Fazenda Nova Buriri, localizada entre os municípios de Bonito de Minas e Cônego Marinho, no norte do estado pela Companhia Brasileira de Propriedades Agrícolas (BrasilAgro). A intenção da empresa era fazer um corte raso da área e substituí-la por  por pasto, soja e outras commodities.

Totalmente inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) de Chochá e Gibão, na Zona de Amortecimento do Parque Estadual Veredas do Peruaçu (PEVP), a área está intocada há pelo menos 40 anos sendo o refúgio estratégico de várias espécies ameaçadas de extinção. As duas unidades de conservação fazem parte de um grande Mosaico de UCs formado por seis unidades de conservação de proteção integral; uma reserva indígena dos Xakriabás; e oito UCs de uso sustentável, totalizando cerca de 1,5 milhão de hectares de cerrado distribuídos em onze municípios do norte e noroeste de Minas Gerais e sudoeste da Bahia. 

Após intensa mobilização da sociedade civil, que contava com subsídios de dezenas de estudos acadêmicos indicando a falat de critérios da Semad para o avanço do liceciamento, no último mês de agosto a própria BrasilAgro desistiu do empreendimento, conforme divulgado em ofício da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram) do Norte de Minas. Devido às dimensões do empreendimento, a Fazenda Buriti vinha sendo chamada de “Fazenda Estrondo de Minas Gerais”, em alusão à área do Cerrado baiano do tamanho do estado do Recife que recebeu carta branca para o desmatamento, em um dos ataques mais desastrosos ao bioma. 

“Essa foi uma vitória mas nós ainda precisamos empreender muitas lutas em outras regiões do estado, já que esses processos licitatórios acabam sendo tratados de forma  nebulosa não apenas para a mineração ou empreendimentos agrícolas como também na construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)”, assinala  Gustavo Malacco. No último mês de janeiro, Zema deixou clara sua visão também no que se refere à construção de grandes hidrelétricas ao criticar publicamente os ambientalistas que se opuseram à construção das usinas de Belo  Monte, no Pará, e Santo Antônio, em Rondônia.

Observando os posicionamentos de Romeu Zema para a questão ambiental, é possível compreender o alinhamento com Bolsonaro, assim como vislumbrar as possíveis consequências da junção dos dois governantes caso o atual presidente também se reeleja no próximo domingo. Não apenas para Minas Gerais e para a biodiversidade presente em território mineiro, mas também levando em conta os interesses que passarão a se instaurar no Congresso e o Senado a partir de 2023, onde segue vasta a presença de representantes da bancada ruralista e de partidos que têm por princípio votar em bloco em pautas danosas ao meio ambiente, como o Partido Liberal de Bolsonaro e Nikolas Ferreira e, em menor escala,  o Novo, de Romeu Zema.

((o))eco entrou em contato com a equipe de comunicação de Romeu Zema para comentar as atividades ambientais do governador reeleito mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço segue a aberto.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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