Reportagens

Fogo nas alturas

Longe das florestas, incêndios também causam dor de cabeça nas grandes metrópoles. Arranha-céus de São Paulo desafiam a fiscalização e o trabalho dos bombeiros.

Aline Ribeiro ·
7 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Durante os meses de seca, não há quem segure a voracidade do fogo que avança sobre as florestas brasileiras. Mas nas selvas de espigões urbanos ele é temido o ano inteiro, e nos quatro cantos do mundo. Quanto mais altos os prédios, maiores as dificuldades para combater incêndios e evitar tragédias.

Em São Paulo estão os maiores arranha-céus do Brasil. São 3.854 prédios com mais de 12 andares apenas no centro da cidade. Entre eles, desponta soberano o Mirante do Vale. Embora menos conhecido que os edifícios Itália e Copan, este prédio comercial é a maior edificação do país e terceira maior da América do Sul. A megatorre foi construída em 1960, tem 51 andares e 170 metros de altura.

Na modalidade espigão residencial, dois novos prédios em construção disputam metro a metro o título de mais alto da cidade. Um deve chegar aos 137 metros, no bairro do Brooklin Novo (região sul), e o outro deve parar um metro abaixo, na Vila Leopoldina (região oeste).

Muito já foi discutido sobre os impactos que esses gigantes causam ao seu entorno. Edifícios com muitos pavimentos representam alta densidade populacional, aumento do tráfego de automóveis, falta de vagas para estacionar, congestionamentos e, conseqüentemente, altas taxas de poluição do ar. Pouco se fala, porém, do nível de segurança que esses prédios oferecem – ou não – aos seus ocupantes.

“Em casos de incêndio, o risco é maior em edifícios mais elevados, porque os bombeiros levam mais tempo para chegar até os últimos andares. O período que o fogo e a fumaça têm para se propagar acaba sendo maior”, ressalta o engenheiro Antonio Fernando Berto, responsável pelo Laboratório de Segurança ao Fogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Ele vê falhas no Regulamento de Segurança contra Incêndios das Edificações e Áreas de Risco, aplicado pelo Corpo de Bombeiros de São Paulo (CBPMESP). “A regulamentação não é muito segura”, afirma.

A não-obrigatoriedade de alarme de incêndio em edifícios residenciais é um dos equívocos apontados por Berto. “A lei permite que o alarme seja substituído por interfones ligados a uma central com vigia 24 horas. Imagine a ocorrência de um incêndio num prédio de 40 andares, com dois apartamentos por andar. Se o porteiro demorasse um minuto para falar com cada ocupante, considerando que esse é um tempo curto até demais, levaria uma hora e vinte para avisar todo mundo. Assim, os moradores tomariam conhecimento depois que o fogo já tivesse terminado. Não se pode tentar escapar sem saber o que está acontecendo”, lamenta.

Outra irregularidade diz respeito ao isolamento dos apartamentos. A regra diz que, para evitar o envolvimento de mais de um espaço do edifício, as paredes divisórias devem ter tempo de resistência ao fogo de, no mínimo, 60 minutos. Ao mesmo tempo, desobriga do mesmo isolamento as portas de acesso aos corredores ou ao hall. “O que adianta proteger as paredes, se o fogo pode se propagar pelas portas?”, questiona Berto.

Esses requisitos, definidos pelo Decreto Estadual 46.076/2001, podem não ser suficientes, mas têm que ser cumpridos à risca quando um edifício é projetado. Quanto mais alto o prédio, mais itens são exigidos. Construções residenciais acima de 50 metros precisam contar com escada à prova de fumaça. Se a área da edificação tiver mais de 750 m² e 30 metros de altura, são exigidas duas escadas desse tipo. “Além disso, para prédios com mais de 60 metros, é requerido um sistema de controle de fumaça que proteja os ocupantes até que consigam chegar às escadas de fuga”, destaca o capitão Edenilson Accarini, do Corpo de Bombeiros.

Para fiscalizar as condições de segurança dos prédios em todo o estado de São Paulo, os bombeiros contam com 50 homens. A demanda é enorme. No ano passado, foram feitas 4.948 vistorias. Em 2005, até o mês de agosto, já eram 3.315.

Na capital, a responsabilidade é dividida com o Departamento de Controle e Uso de Imóveis (Contru), órgão da Prefeitura. O Contru foi criado justamente por causa de dois incêndios trágicos ocorridos na cidade num intervalo de apenas dois anos: o do edifício Andraus, em 1972, que matou 16 pessoas e feriu mais de 300, e o do Joelma, em 1974, que deixou 179 mortos e 300 feridos.

O Contru tem o dever de controlar edificações comerciais e residenciais, licenciar locais de reunião, fiscalizar casas noturnas, restaurantes e estádios de futebol, entre outras atribuições. Tudo isso multiplicado pelas dimensões da maior metrópole do país, e dividido por 86 funcionários. “É claro que não é o bastante. Desde 1992 não temos contratações. Já chegamos a ter 122 engenheiros, sem contar com os outros especialistas”, diz Elton Santa Fé Zacarias, diretor do órgão, lembrando que já foi feito um concurso, mas as vagas não foram ocupadas por falta de verba.

Falhas ou não, as regras de segurança e a fiscalização não são suficientes para evitar incêndios. Nessas horas entra em atividade outra divisão do Corpo de Bombeiros, a de operações de salvamento. Como apagar um incêndio em um prédio com 40 andares, por exemplo? O comando tem equipamentos suficientes para atuar em situações como essas?

O tenente Herbert Meyerhof, chefe da Seção de Operações do Comando de Bombeiros Metropolitanos, esclarece: “A melhor forma de se apagar um incêndio é pelo lado de dentro. Quando é feito desta forma, a água vaporiza, retira o calor, a pressão de dentro do edifício fica maior do que a de fora, o que facilita a saída dos gases. Quando se faz o contrário, a pressão do jato d’água nas janelas impede a saída do vapor e as pessoas sofrem com o calor”.

Isso explicaria por que não é preciso alcançar os últimos andares para apagar um incêndio. Até porque as escadas dos bombeiros não alcançam mesmo. As auto-escadas do comando da Grande São Paulo têm alcance de 44 metros, mas não chegam nem a essa altitude, pela forma como são posicionadas durante a operação. “Perdemos alguns metros de altura por causa da inclinação. Nem sempre temos espaço suficiente para colocar a escada perto do edifício”, explica Meyerhof. Na capital, o comando conta com 55 viaturas, entre auto-tanques, auto-escadas, auto-bombas e snorks, para combater grandes incêndios.

O tenente admite que, quanto mais alto o edifício, mais arriscado é o incêndio. “Carregamos um equipamento pesado, que varia de 22 a 27 kg. Para chegar aos últimos andares, levamos de 10 a 15 minutos”. Além disso, as viaturas necessárias para essas operações são mais caras. “Aumenta muito o custo, porque tem de ter uma bomba d’água mais potente”.

Ainda assim, os equipamentos dos bombeiros paulistanos são bastante satisfatórios. O mesmo não se pode dizer do número de homens e quantidade de postos do órgão espalhados pela cidade. Para se ter uma idéia, a cidade de Nova York, onde fica um dos dez maiores arranha-céus do mundo (o Empire State Building, com 381 metros e 102 andares), tem cerca de 200 postos do Corpo de Bombeiros e um total de 11.400 profissionais, entre pessoal de rua e administrativo. Em São Paulo, há 40 postos e 2.500 funcionários. Nova York tem cerca de 8 milhões de habitantes. São Paulo, 10 milhões.

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