Reportagens

Presidente ecologista

Michelle Bachelet, recém-eleita para comandar o Chile, tem amplos compromissos ambientais. Entre eles criar um novo Ministério e reformular as leis atuais.

Lúcia Chayb ·
18 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás

O resultado do segundo turno da eleição realizada no Chile colocou a médica Michelle Bachelet na presidência do país. Além de se transformar na primeira mulher a governar o Chile, ela é a primeira, na América Latina, que assume o poder com amplos compromissos ambientais.

Os mais importantes líderes do movimento ecologista chileno, entre eles Sara Larraín (diretora do programa Chile Sustentable), Manuel Baquedano (presidente do Instituto de Ecologia Política), Rodrigo Pizarro (presidente da Fundação Terram) e Fernando Dougnac (da Procuradoria do Meio Ambiente), apoiaram incondicionalmente Bachelet e, numa reunião realizada em 21 de novembro passado no Jardim Botânico Chagual, à beira do rio Mapocho, no Parque Metropolitano de Santiago, traçaram uma agenda de 10 compromissos programáticos que foram incorporados ao programa de governo da candidata.

Quatro desses acordos referem-se à institucionalidade ambiental. Destacam-se a criação de um Ministério do Meio Ambiente (com presença nacional, regional e municipal) e a implementação de uma legislação que permitirá o zoneamento territorial de forma estratégica, iniciando uma atitude sinérgica entre os objetivos ambientais e a política econômica.

Nessa ocasião, Michelle Bachelet disse: “Chile somos todos nós. Um desenvolvimento em harmonia com o meio ambiente nos permite proteger a saúde e a qualidade de vida dos chilenos, nos induz a conservar os ecossistemas, a proteger as geleiras, evitar a contaminação nuclear e transgênica e nos obriga a deixar uma terra limpa e generosa”.

Afirmou ainda que “chegou o momento de implementar uma nova política ambiental, muito mais exigente e moderna”. Segundo ela, essa nova política se baseará nos princípios do desenvolvimento sustentável, de forma a compatibilizar o crescimento econômico, a proteção à natureza e a eqüidade social.

Biossegurança

A Lei de Bases do Meio Ambiente do Chile, principal instrumento jurídico ambiental, mantém até hoje inúmeras áreas sem regulamentação. Entre elas, a que exigiria Estudos de Impacto Ambiental para qualquer obra de porte. De acordo com a presidente eleita, a nova política ambiental modificará essa Lei, atualizando seus instrumentos e dando possibilidades de avaliação de todo tipo de impacto ambiental, principalmente os provocados pelos organismos geneticamente modificados.

No Chile, hoje são cultivados mais de 10 mil hectares com sementes transgênicas, tanto para fins experimentais quanto comerciais. Mas nem os agricultores nem a sociedade sabem onde se realizam esses cultivos. Este tipo de informação, considerada de segurança nacional, é controlado pelo Ministério da Agricultura. A proposta de Bachelet é a de proceder a um registro transparente desse tipo de plantio.

O cuidado dos ecossistemas de propriedade pública é realizado através do “Sistema Nacional de Áreas Silvestres Protegidas pelo Estado”, que controla 18% do território nacional. Mesmo com o esforço realizado nos últimos anos pelo governo, alguns destes ecossistemas se encontram hoje em condições de franca degradação. O atual sistema de proteção se ocupa principalmente das florestas, mas nem elas contam com planos de manejo.

O Chile ainda não ratificou o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, em função da sua aliança com os Estados Unidos através do Grupo de Miami. Bachelet diz que o país ainda não fez uma análise aprofundada sobre esta questão, o que demonstra a carência nas definições sobre a política ambiental. “Deve-se implementar uma política específica para biossegurança. Se houve inconsistências, no caso de assumir o Governo, uma das prioridades que solicitarei à Comissão Nacional de Meio Ambiente (Conama) será a de determinar uma política clara em matéria de instrumentos internacionais”, afirmou na ocasião.

A atual diretora-executiva da Conama, Paulina Saball, foi duramente criticada pela ecologista Sara Larraín, que foi candidata à presidência do Chile em 1999 e está cotada para assumir a área ambiental no governo de Bachelet. Atualmente, no país, os mecanismos de participação dos cidadãos nas decisões sobre megaprojetos que afetem o meio ambiente são insuficientes. Bachelet se comprometeu a intensificar a participação da sociedade no “Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental”.

Energia alternativa

No referente às fontes de energia, a presidente é consciente de que o Chile tem um grande desafio para garantir e diversificar a sua matriz. Para complementar a geração de energia elétrica, será urgente desenvolver programas de incentivo às fontes alternativas. “Teremos como meta que 15% do incremento da geração elétrica se obtenha mediante fontes renováveis, como eólica, biomassa ou hidráulica de pequena escala”, afirmou.

Com relação ao meio ambiente urbano, Michelle Bachelet comentou: “Avançamos bastante na redução da poluição atmosférica da capital, Santiago, e no tratamento do sistema de água e esgoto. Apesar do crescimento da população e da expansão do parque automotivo a partir de 1990, reduzimos 58% da contaminação por particulados. Mas estes progressos no ambiente urbano são ainda insuficientes para garantir a saúde das pessoas”.

Da mesma forma, ela pensa em ampliar as medidas de controle da poluição gerada pela extração de minério, uma das bases de sustentação da economia nacional. Ela antecipa que será feito um rigoroso programa de recuperação dos lugares contaminados com substâncias perigosas, como o chumbo nas cidades de Arica e Antofagasta. No seu Plano de Governo também está prevista a ampliação do conhecimento ambiental no ensino básico e médio. “Reforçaremos o sistema nacional de certificação ambiental dos estabelecimentos educacionais; a nossa proposta é que em pouco tempo 40% das escolas possam estar certificadas ambientalmente”.

No histórico encontro do Jardim Botânico, pela primeira vez no Chile um candidato à Presidência da República falou de justiça ambiental. “Estou firme na minha posição de avançar na direção de um país sustentável; assino com todo prazer este compromisso com o setor ecologista que se resume a 10 propostas que traduzem o difícil trabalho destes profissionais em matéria ambiental”.

No domingo, 15 de janeiro, a sociedade chilena manifestou claramente que deseja esta médica ambientalista como presidente do seu país. A escritora Isabel Allende, sua principal fã e cabo eleitoral, afirmou que Michelle Bachelet, depois de ter sido, primeiro, ministra da Saúde e, depois, da Defesa, com seu compromisso ambientalista levará o Chile pela trilha do desenvolvimento sustentável.

Publicado originalmente na revista Eco 21.

* Lúcia Chayb é diretora da revista Eco 21.

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