Consumidor significa “aquele que destrói pelo uso, devora, gasta”. Precisaríamos de sete Terras para produzir e gerar material bruto suficiente para permitir que o resto do mundo consuma com a mesma voracidade que os americanos. Noventa por cento, isso mesmo, 90% de tudo que americanos compram em um shopping acabará no aterro sanitário entre 60 e 90 dias! No meio dessa loucura consumista, uma empresa sobressai pela audaciosa estratégia que escolheu para regê-la: a Patagonia Inc.
Mais do que o nome de uma região belíssima situada no sul da Argentina e do Chile, Patagonia é há mais de 30 anos também o nome de uma empresa inovadora, preocupada com o meio ambiente e que reflete seu criador, Yvon Chouinard. Nascido em 1938, no Maine/EUA, Chouinard começou como fabricante de equipamentos de escalada (especialmente equipamentos móveis, para progressão em parede) e criou uma empresa que levava seu nome: Chouinard Equipments. Bom escalador de rocha, surfista e pescador, Chouinard tambem se interessa por caiaques, é um ativo ambientalista e um empreendedor competente e inovador.
Seu currículo de montanha é invejável e conta com a segunda ascensão ao The Nose, no El Capitan, em 1960, uma legendária via na imensa parede de um quilômetro situada no Parque Nacional de Yosemite, Califórnia/EUA. Outras importantes ascensões se seguiram e ele acabou se tornando um dos mais importantes incentivadores do estilo na escalada, o que acabou criando a base da escalada moderna. Já em 1958, ele introduzia o uso de pitons de aço, fabricados por ele, revolucionando a proteção nas escaladas. Mesmo assim, costuma dizer que só alcança 80% de ‘profissionalismo’ em tudo o que faz e que, para passar disso, é preciso uma boa dose de obsessão e especialização, que não o entusiasma. Talvez resida aí o sucesso da diversidade da linha da Patagonia.
Nesta época, ele vendia as peças em seu carro e gerava, assim, a renda para sobreviver de escalada e surfe. Este período coincidiu com o começo das escaladas das grandes paredes, entre 1957 e 1960, e a qualidade e o sucesso de seus pitons acabou fazendo-o criar a Chouinard Equipments for Alpinists Inc. No final dos anos 60, Chouinard e seu sócio, Tom Frost, reinventaram importantes equipamentos de escalada em gelo, como crampons e piquetas. Em 1978, com a publicação de seu livro “Climbing Ice” e seus equipamentos remodelados, nascia a escalada em gelo moderna, muito mais técnica que as antigas ascenções às grandes montanhas.
No começo dos anos 70, ele criava os hexcentrics e stoppers (ainda em uso, mas com um design diferente, mais moderno) de alumínio, para minimizar o dano causado pelo aço na rocha de Yosemite. Data também desta época o seu incentivo ao que ainda hoje é chamado de ‘escalada limpa’, sem o uso de grampos nas rochas mas, sim, de materiais móveis como os mesmos hexcentrics e stoppers criados por ele e colocados em fendas para a segurança e a progressão nas paredes, sendo retirados depois da passagem dos escaladores.
Este conceito revolucionou a escalada e acabou se tornando um importante marketing e fonte de renda da Chouinard, mas não sem antes destruir as vendas dos pitons, até então o carro-chefe de sua empresa. No final dos anos 80, a Chouinard Equipments se tornou alvo de várias brigas na justiça, nenhuma delas por acidentes com escaladores ou defeito nos equipamentos. A base da maioria delas era que a empresa falhou em alertar seus consumidores dos possíveis perigos em usar os equipamentos fabricados pela empresa para coisas que eles não imaginaram, como usar uma corda de escalada para fazer um ‘cabo de guerra’, por exemplo. A empresa acabou sendo comprada por um grupo de funcionários, que a renomearam Black Diamond Equipment, Ltd., ainda em funcionamento e um dos mais importantes e sérios fabricantes de equipamentos de escalada e esqui fora de pista (backcountry ski) do mundo.
Em 1973, eles lançaram um suéter de pile, o precursor do Synchilla, um dos maiores sucessos da Patagônia, ainda hoje na linha da empresa, usando um tecido de poliéster feito para ser usado em assentos de privadas e em apenas duas cores esdrúxulas – as únicas que eles conseguiram na época. Em 1980, lançava as roupas de baixo de polipropileno, tornando-se a primeira empresa a pregar as virtudes das camadas (veja coluna anterior). Ambos, apesar de precursores do modelo de vestimenta que ainda hoje usamos em ambientes extremos, não funcionavam muito bem e eles, quase sem querer, descobriram as maravilhas do poliéster (chamado pela Patagonia de Capilene. As duas fibras são sintéticas e feitas de resinas plásticas, mas se comportam de maneira totalmente diferente. Enquanto o polipropileno derrete com pouco calor (um problema onde o uso de secadoras de roupa é uma constante), o poliéster é exatamente o contrário, além de absorver o suor do corpo e, ao mesmo tempo, ser de secagem rápida.
Inovador como sempre, em 1984 a Patagonia já oferecia uma cafeteria vegetariana e uma creche para os filhos de seus funcionários. Em 1986, começou uma campanha que dura até hoje e é uma das mais bem sucedidas campanhas da Patagonia: a doação de 1% das vendas para causas ambientais. Isto inclui pagar o tempo de empregados (até dois meses por ano) trabalhando por uma causa, sempre escolhida pelo próprio empregado. Atualmente, este projeto chama-se 1% for the Planet e é formado por 148 empresas que se comprometeram em doar 1% do que eles venderem em um ano, independente da empresa ter dado lucro ou não.
Alguns livros foram publicados pela Patagonia ou por Chouinard, contando suas experiências como empreendedor: Notes from the Field é uma compilação de histórias de colaboradores da Patagônia, com suas experiências ‘lá fora’. Climbing Ice é sua contribuição para o desenvolvimento da escalada em gelo como a conhecemos atualmente. E seu livro mais atual chama-se Let my people go surfing, de 2005, onde Chouinard conta como resolveu ir contra a corrente e adotar um modelo de gerenciamento totalmente diferente para a Patagonia.
“A Patagonia nunca vai ser totalmente responsável socialmente. Ela nunca vai fazer um produto que não degrade, que seja totalmente sustentável. Mas estamos comprometidos em tentar. Nós simplesmente não temos outra escolha. Como o ambientalista David Brower falou uma vez: ‘Não há negócios para serem feitos em um planeta morto’.”, escreveu Chouinard em um texto para a revista americana Outside.
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