O governo do estado de Minas Gerais enviou no começo do mês passado um projeto de lei adequando a lei florestal estadual ao novo Código Florestal. Entidades ambientalistas afirmam que o projeto é mais flexível que o código vigente.
Não é a primeira vez que o governo de Minas faz uma lei mais camarada para os produtores rurais estaduais, atropelando a lei federal. Em 2009, a Assembleia Legislativa de Minas, através da lei 18365, permitiu o uso consolidado em Área de Preservação Permanente, novidade que o Código Florestal de 1965, então vigente, não previa. O imbróglio jurídico começou, com questionamento do Ministério Público Estadual sobre a validade da lei. Alguns dispositivos foram anulados nos tribunais, mas a lei continuou em vigor.
Acontece que o antigo Código Florestal foi modificado no Congresso e o estado de Minas acabou ficando com uma lei mais restritiva regendo seu território. A opção agora seria mudá-la na Assembleia Legislativa, adequando suas regras ao Código Florestal nacional.
Surgiu assim o projeto de lei nº 3915/2013. Enviada para análise em abril, a lei está tramitando em caráter de urgência e pode já ser votada na próxima terça-feira (03).
“O que acontece é que eles dançam conforme a música. Se é vantajoso aplicar a lei federal, eles aplicam. Se é vantajoso aplicar a lei estadual, eles seguem essa lei”, explica Lígia Vial, assessora jurídica da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).
O texto do projeto de lei piora alguns dispositivos do Código Nacional. Os ambientalistas acusam o forte lobby do setor produtivo, que inclui grandes proprietários rurais, empresas do setor elétrico e de mineração.
As 17 entidades que integram a Frente Mineira pela Proteção da Biodiversidade enviaram pedido de audiência público para a Assembleia e estão trabalhando numa proposta de lei alternativa que já foi encaminhado ao deputado Célio Moreira (PSDB), relator do projeto da Comissão de Meio Ambiente. O tempo para apresentar a proposta foi mínimo, entre 8 ou 10 dias.
Para Lígia Vial, o processo de tramitação da lei na Assembleia repete os vícios e erros da tramitação do Código Florestal no Congresso: “Além de embarcar todo o retrocesso do Código Nacional, eles ainda conseguiram piorar em algumas coisas. A gente até enviou algumas propostas alternativas. A gente parte da premissa que a lei estadual pode ser mais restritiva que a federal e que Minas Gerais tem a oportunidade de fazer uma lei baseado em critério técnico, ouvindo a academia, utilizando as ferramentas e as tecnologias disponíveis para mapear as áreas. Para ver realmente qual o interesse do estado. Conseguir fazer uma lei com mais imparcialidade” defende.
Retrocessos
Em muitos sentidos a lei estadual está pior que a lei federal, afirma Lígia Vial. “Exemplo, é que eu função do lobby dos cafeicultores, o governo de Minas Gerais está permitindo o plantio em área de declividade acima de 45º mediante manejo. Mas não tem jeito de fazer manejo nessas áreas, elas são tão inclinadas que nada segura a terra. Isso acarreta erosão, carregamento de solo para dentro dos cursos d’água” explica.
Outra proposta polêmica que o projeto de lei desenterra é sobre o ecossistema Mata Seca. Em 2008, o então governador Aécio Neves sancionou a Lei 17.353, que retirou da Mata Seca o status de ecossistema relacionado à Mata Atlântica, e portanto, com proteção da Lei da Mata Atlântica.
Os madeireiros ficaram contentes com a novidade. As organizações ambientalistas de Minas alertaram para o risco de novos desmatamentos no estado. O Ministério Público Estadual entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e ganhou. “Em tese essa lei não está valendo. Só que agora neste projeto de lei eles ressuscitaram a proposta. A proposta não é baseada numa coerência, tanto jurídica quanto técnica. Isso vai variar de acordo com o interesse de quem faz as leis.”, explica Lígia Vial.
O projeto de lei permite, entre outras coisas, isentar a recuperação de mata ciliar em barramentos de rios autorizados até 2001; incluir barragens construídas para irrigação de empreendimentos comerciais como interesse social; permitir continuidade de consumo de carvão de origem nativa proveniente de outros Estados; repetir artigos da Lei Nacional que flexibilizam proteção das Veredas e exploração econômica da Reserva Legal; permitir manutenção de atividades pecuárias em encostas e áreas com altitude superior a 1.800m e incluir abertura de vias em condomínios como utilidade pública. Estes são apenas alguns dos pontos que as entidades apontam como retrocesso perigoso da norma jurídica no Estado.
Leia também
Entrando no Clima#40 – Florestas como forças de estabilização climática
Podcast de ((o))eco fala sobre como as florestas têm ganhado espaço nas discussões da COP 29 →
ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30
Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC →
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →