E se fosse decretada a pena de morte para quem explora ilegalmente alguma espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção? Ou, na hipótese de exploração em desacordo com a licença concedida, o infrator tivesse sua propriedade confiscada, recebesse multa, castigos físicos e exílio político?
Pensemos numa espécie vegetal tipicamente brasileira… O pau-brasil, por exemplo, espécie emblemática que deu origem ao nome de nossa nação. Imaginemos que, em razão de inúmeras desordens ocorridas no riquíssimo bioma da Mata Atlântica, onde outrora havia abundância daquela árvore, ela agora estivesse correndo risco de extinção em razão de seu tráfico ilegal. Seria ilegítima a edição um decreto visando frear definitivamente essa prática? Ou, para sermos formalmente constitucionais, de uma lei ordinária, já que não há crime sem lei anterior que o defina?
De acordo com o novo marco regulatório, ninguém poderia cortar, nem mandar cortar, por si, por seus prepostos ou empregados, os pés de pau-brasil, sem expressa licença administrativa do representante do órgão responsável pela proteção dos interesses da Fazenda. Qual órgão? Pouco importa, escolham os leitores.
Diante da gravidade do quadro florestal, para que dúvidas não pairassem acerca da determinação governamental, na hipótese de descumprimento das novas regras, o infrator teria a sua propriedade confiscada e seria condenado à morte. Quanto àquele que, embora dispondo da devida licença, efetuasse corte em extensão maior à permitida administrativamente, poder-se-ia cogitar de algumas penas brandas como multa, açoite e degredo para Angola, por um período não menor do que dez anos.
“Que absurdo! A Constituição Federal proíbe a pena de morte”, diriam os defensores dos direitos humanos. Ou então: “Que me importa esses tais direitos humanos? O vício constitucional mais grave está na sugestão confisco da propriedade”, complementariam os defensores da tradição e da família. Seja qual for o argumento, na prática, temos aqui um cenário de surpreendente consenso ideológico.
Na realidade, este não é nenhum novo marco regulatório ambiental brasileiro e tampouco é fantasia literária. Ann Helen Wainer, em seu hoje clássico “Legislação ambiental brasileira: subsídios para a história do direito ambiental”, informa que foi assim que nasceu o Direito Ambiental Brasileiro. Estas normas, assinadas pelo Rei Dom Felipe III, entraram em vigor em nosso território no dia 12 de dezembro de 1605. O Regimento do Pau-Brasil, primeira norma de natureza ambiental do Brasil, foi publicado quando Portugal estava sob a égide da União Ibérica (1580-1640).
Sem dúvida, eram tempos bicudos para quem desrespeitasse nossas florestas.
Quatro séculos mais tarde
Hoje, a polêmica não diz respeito à dosimetria das penas e à efetividade das leis destinadas ao combate dos crimes e das infrações administrativas ambientais. A pauta oferecida pelo poder público para a mesa de debate dos ambientalistas diz respeito à estrutura dos órgãos administrativos.
Um número significativo de especialistas defende a manutenção do atual Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de suas autarquias, em razão da especialização de seus quadros e complexidade da matéria.
Outros propõem a sua fusão ao Ministério da Agricultura, que passaria a ser, para nos valermos de uma linguagem informática retrô, uma espécie de “MA-XT” (versão extended) – agricultura, pecuária, gestão de unidades de conservação, controle de emissão de poluentes automotivos e de efluentes industriais, dentre outros temas. A proposta é criticada por lembrar a imagem de uma raposa tomando conta do galinheiro. Seria, porém, diferente se a mesmíssima fusão viesse rotulada de “MMA-XT”, isto é, se o novo Ministério do Meio Ambiente passasse a cuidar também da política do agronegócio? É caso de se pensar se a guerra não é apenas no campo das palavras.
Se fosse arriscar um palpite, eu diria que o novo governo não fará nem uma coisa nem outra. Não entrará em bola dividida com os países que importam nossa soja e nosso milho e que exigem algumas garantias de respeito ao meio ambiente, mas também não afagará a cabeça dos ambientalistas que, aos olhos do agrobusiness, há alguns séculos no poder, constituem “entraves ao crescimento do país”.
Como não é possível resgatar a estrutura da época das Ordenações Filipinas, de um Provedor-Mor da Fazenda Real e de Provedores das Capitanias, é bem possível que retornemos aos tempos em que política de meio ambiente era tratada numa Secretaria Especial. Não me refiro à SEMA do Ex-Presidente Emílio Garrastazu Médici, que foi instituída pelo Decreto nº 73.030, de 30 de Outubro de 1973 e era vinculada ao Ministério do Interior, e sim à PR-SEMAM, criada pela MP 150 e convertida na Lei n. 8.028/90, dos tempos do Ex-Presidente Fernando Collor.
Ou seja, as questões hoje afetas à pasta do meio ambiente passariam a ser tratadas por um órgão de assistência direta e imediata ao Presidente da República. Lembro que José Antônio Lutzemberger e José Goldemberg foram alguns dos ilustres nomes que estiveram à frente da política nacional do meio ambiente quando vigia tal estrutura administrativa.
Enquanto todos ocupam suas energias com debates sobre reformas ministeriais, o tráfico do pau-brasil, metonimicamente falando, corre solto desde o desaparecimento de Dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir e penas de morte são executadas pelos traficantes.
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Não achei que ficou fora de propósito a menção à sra .Trump. Afinal, é a própria expressão do que entende o Presidente eleito: se atende a quem eu gosto, a destruição é um preço barato.
Ricardo, passe na Globo News com seu currículo. Estão contratando. Um abraço!
Tava indo até bem…não tinha nada que meter o Trump no final! Como diria o Professor Raimundo na sua Escolinha: " Na hora de tirar o 10…"
Saudades dos textos do Marc Dourojeanni…
Por mais mentes pensantes como a sua, professor Guilherme. Texto leve, divertido e de costumeira lucidez. Parabéns a O Eco e ao colunista.
Mentira que Don Sebastiao desapareceu!?
Caraca, que mundo e esse?😱