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O que fazer no inverno?

Escalada em cachoeiras congeladas, cross country na neve ou travessia pelas montanhas Rochosas. Escolha seu roteiro turístico e divirta-se com dicas de inverno no Canadá.

2 de abril de 2007 · 17 anos atrás
  • Helena Artmann

    Montanhista e balonista há mais de 16 anos, tendo feito mais de 15 expedições para alta montanha. É formada em Comunicação So...

Como eu disse em minha primeira coluna, não escolhemos Calgary para morar à toa. Estudamos o lugar e acabamos determinando, por A + B, que aqui era o lugar ideal para quem pretendia começar a vida em outro país, gostava de natureza e esportes ligados a ela. No entanto, nós não conhecíamos a região e desembarcamos aqui com quatro malas lotadas e passagem só de vinda. Lembro, ainda, da sensação que tive no trajeto entre o aeroporto e o Bed & Breakfast que foi nossa casa por 9 dias – tonta de mais de 24 horas de viagem, cansada depois de três meses de mudança (incluindo empacotar dois metros cúbicos de pertences que foram despachados de navio e só chegariam mais de três meses depois – já imaginou decidir o que entraria neste reduzido espaço?), e excitada por todo um futuro que estava apenas começando, olhava a cidade com um misto de curiosidade e medo, pensando que este lugar estranho seria a minha casa nos próximos meses ou anos. Não sei quantas vezes pensei no porquê de ter escolhido aqui para morar…

Os primeiros dias foram de descoberta, misturados com atividades práticas como abrir conta em banco e fazer nosso ‘CPF’ (Social Insurance Number) canadense. Era maio de 2005, primavera, e uma chuva gelada nos deu a boa vinda, seguida de uma gripe que não tinha há anos – aliás, já tive várias aqui e são sempre fortíssimas e duradouras. Nossa primeira aquisição foi uma bicicleta, para conhecer a cidade. E como pedalamos! Aproveitamos este prático meio de transporte para visitar vários apartamentos e casas, enquanto procurávamos onde morar. Hoje, conhecendo melhor Calgary, não sei se faria isso de novo – Calgary é muito espalhada e ocupa o espaço de Nova York, que tem dez vezes mais habitantes! Acabamos escolhendo um pequeno apartamento de um quarto, dez minutos à pé do moderno centro da cidade, mas já do outro lado do rio Bow, no norte, em um bairro super transado chamado Kensington (como a maioria das coisas aqui, os nomes são bem ingleses). Moramos ali por seis meses, compramos um carro com dez anos de vida e começamos a trabalhar neste tempo.

Dali, fomos para um apartamento de dois quartos, ainda no mesmo bairro, um pouco mais moderno mas quase tão pequeno quanto. Tivemos de comprar todos os móveis novamente, já que não trouxemos nada do Brasil. Duas coisas nos ajudaram nesta tarefa, que pode parecer uma delícia se você tem dinheiro de sobra, mas também pode ser uma tortura, se você não quer gastar muito e ainda se preocupa com alguns importantes detalhes, como uma boa cama (caríssimo!) e alguma preocupação estética. Uma loja chamada Ikea, sueca, que oferece absolutamente tudo para se montar uma casa simpática e tem uma preocupação com o meio ambiente difícil de se ver em uma mega-empresa como esta, foi a solução encontrada. E as vendas de garagem, que proliferam durante a primavera e o verão, onde podemos encontrar verdadeiras pechinchas (objetos de cozinha por 50 cents ou mesmo uma poltrona por $ 30 dólares canadenses), dando nova vida a objetos que as pessoas não querem mais mas que são indispensáveis para você.

A primeira vez que nevou e eu vi da janela da minha casa, chorei. Percebi, ali, o quanto desejei morar em um lugar frio, com neve no inverno que me permitisse fazer coisas que me custavam caro, tanto em tempo quanto em dinheiro, morando no Brasil. Sei que pode parecer loucura, mas já li sobre outros loucos como eu, que amam o inverno, a neve e o frio. Lembro com algum terror o quanto sofria com o verão carioca e como foi um alívio se mudar para a serra do Rio (Teresópolis) nos meus dois últimos anos de Brasil. E, depois de quase dois anos aqui, sem sair do país, quase só consigo imaginar uma viagem ao Brasil durante o verão canadense (e inverno brasileiro), por dois motivos: o primeiro, óbvio, é tentar escapar ao máximo do calor absurdo do verão brasileiro, e o segundo é não perder um minuto sequer de uma estação que eu adoro: o inverno!

Mas, o que fazer no inverno? Por que ele é tão especial para mim? Fiz o curso de escalada em gelo em 1996, pelo Clube Alpino Paulista, em Bariloche, na Argentina, e depois disso estive em todas as grandes cordilheiras da Terra, fazendo expedições à alta montanha, sempre em busca da neve e do gelo. Estas memórias são vivas o suficiente para uma nevasca ainda me emocionar. É bem verdade que eu pouco ou nada conhecia da vida com neve na porta de casa, dirigir em uma rua nevada, ter de tirar a neve da calçada às seis da manhã, ainda escuro, com uma temperatura de –30oC. Pode parecer ruim, mas não me tira o bom humor. Ainda. Coisas como ter trabalhado o inverno passado em um depósito sem janelas e não ver o sol por muitos meses são bem piores para mim – este inverno, trabalho pelo menos dois dias por semana em casa, não bato ponto os outros três e ainda tenho o final de semana para aproveitar a província mais ensolarada do Canadá. Tem feito diferença no meu bom humor e as menos de 9 horas de luz por dia parecem estar sendo suficientes.

Quando a neve começa a cair, é hora de grudar o olho nas previsões e saber as condições das montanhas, completamente diferente de Calgary, que sofre a influência do Chinook, um vento quente que sopra do Pacífico e pode esquentar a temperatura em mais de 20oC em poucas horas, derretendo toda a neve da cidade e deixando tudo imundo e/ou congelado, já que o ‘esquentar’ não é bem isso, pelo menos não para os padrões brasileiros, e a temperatura que estava a –25oC pode chegar a –3oC ou mesmo a alguns graus positivos, o que é um imenso alívio no meio de um inverno que chega a durar mais de seis meses. Lá por outubro ou novembro, a neve que cai nas montanhas costuma não derreter mais até maio, mas é preciso alguns centímetros para que máquinas possam compactá-la e torná-la pistas de cross country esqui ou esqui nórdico – um esqui fininho, usado em corridas, que deixam seu calcanhar solto e permitem tanto subir quanto descer uma encosta. Normalmente em dezembro já temos boas pistas a cerca de uma hora e meia de Calgary, todas gratuitas, mantidas pela administração da região de Kananaskis. E também por volta desta época as estações de esqui começam a abrir, fechando apenas no final de maio do ano seguinte!

Se você tem um espírito mais aventureiro, algumas trilhas são ótimas para cross country ou alpine touring (esqui largo, da mesma largura do esqui usado em estações, mas que tem um dispositivo para soltar o calcanhar. Ao se prender uma tira de ‘pele’ no fundo do esqui, ele permite que se suba ou caminhe na horizontal, escorregando apenas na descida), mas não são mantidas como pistas, ou seja, não passam máquina e têm um ar bem mais selvagem, inclusive com riscos de avalanche em muitas delas. Normalmente ficam a mais de duas horas de distância de Calgary e consomem mais de doze horas do seu dia. Algumas delas podem ser feitas em vários dias, com pernoites em refúgios estrategicamente colocados pelo Clube Alpino Canadense a menos de um dia de distância entre eles. Uma destas travessias é um clássico das Rochosas Canadenses e consiste em atravessar o campo de gelo de Wapta em cinco ou seis dias, pernoitando nos refúgios. Não é para qualquer um, já que requer mais do que experiência com os esquis como, também, com travessia de glaciares, navegação e resgate em caso de avalanches, mas é, sem dúvidas, uma viagem memorável e de uma beleza espetacular. Várias empresas especializadas da região oferecem este pacote.

Esta parte do Canadá, apesar de um importante destino turístico conhecido no mundo todo, ainda conserva muito de sua natureza, oferecendo um ambiente bastante selvagem e rústico, mas com algum conforto e com detalhes dignos dos Alpes, já há muito ‘domesticado’. Eu diria que oferece o melhor destes dois mundos. No entanto, o clima é muito seco e isto interfere no tipo de neve que temos aqui – instável e seca, com temperaturas muito baixas. A melhor época para se visitar a região é fevereiro, se você planeja praticar algum esporte de inverno. De brinde, é o mês que mais temos Chinook em Calgary.

Outra atividade exclusiva do inverno é a escalada de cascatas congeladas – é incrível imaginar que existem vias clássicas e imensas de escalada que só existem por um período do ano e que podem, naquele ano, nem existir! Se você escala em rocha ou sabe alguma coisa sobre o ofício, lembre-se apenas do básico e aprenda tudo de novo. Escalar em cascatas é um mundo a parte, com equipamentos diferentes, movimentos bastante atléticos e muito cansativo. Existem elementos parecidos com a rocha mas, no geral, é um outro esporte e deve ser tratado com o devido respeito. Mas, se você gosta de vias esportivas na rocha, provavelmente vai gostar de vias similares no gelo, que permitem uma boa dose de segurança e muita de diversão. E o ambiente, bem, o ambiente é muito parecido, com o mesmo tipo de escalador e aquela confraternização nas bases das escaladas – a diferença é que, aqui, provavelmente todos estarão cobertos de casacos de pena de ganso e muitas camadas de roupas coloridas. Carregarão, também, equipamentos afiados como os crampons nos pés (solados de metal com pontas que se ajustam às botas, para permitir a ascensão no gelo) e as piquetas nas mãos.

Se estiver pensando em vir explorar esta parte do mundo no inverno, não deixe de fazer sua lição de casa, estudando a região antes, escolhendo a melhor época e atividade para sua condição física e para seu bolso. Segue uma pequena lista de guias que podem tornar sua estadia nas Rochosas Canadenses a viagem mais incrível (e segura) de sua vida:
Yamnuska
The Association of Canadian Mountain Guides

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