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Jardim Botânico do Rio quer espaço para cumprir metas de biodiversidade

Samyra Crespo afirma que problema fundiário ameaça o cumprimento das metas assumidas na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU.

Maurício Thuswohl ·
22 de maio de 2014 · 10 anos atrás
Campo de futebol do Clube Caxinguelê, área que acaba de ser reintegrada definitivamente ao jardim por decisão da Justiça. No local, serão erguidas estufas para orquídeas, expandindo as coleções científicas. Foto: Cláudia Lopes/JBRJ.
Campo de futebol do Clube Caxinguelê, área que acaba de ser reintegrada definitivamente ao jardim por decisão da Justiça. No local, serão erguidas estufas para orquídeas, expandindo as coleções científicas. Foto: Cláudia Lopes/JBRJ.

Rio de Janeiro – Órgão federal subordinado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e responsável direto pelo cumprimento das metas assumidas pelo governo brasileiro junto à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU, o Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) está asfixiado e não terá condições de cumprir plenamente o seu papel científico se não for resolvido o imbróglio fundiário criado em torno da remoção de 523 edificações construídas ilegalmente dentro de seu perímetro. O alerta foi dado na quarta-feira (21) pela presidente do Instituto, Samyra Crespo, em um encontro com jornalistas durante o qual fez um balanço das mudanças estruturais ocorridas no Jardim Botânico em sua gestão e apresentou dez projetos estratégicos que começarão a ser aplicados já para a Copa do Mundo e se estenderão pelo ano que vem, quando a cidade do Rio de Janeiro completará 450 anos.

“Como vamos expandir o arboreto e as coleções científicas e construir mais estufas e mais laboratórios se o Jardim Botânico hoje é todo entremeado por moradias?”, indaga Samyra. Ela explica ser imprescindível que a área do arboreto tenha conectividade com a Mata Atlântica, formando um corredor ecológico fundamental à biodiversidade da flora e também da fauna: “Se realmente as casas saírem, será recuperada uma grande área de Mata Atlântica, o que vai permitir ao Jardim expandir as suas coleções científicas”, diz. Por enquanto, isso ainda não é possível: “Hoje, realmente, nós somos um jardim asfixiado pelo adensamento urbano e pelas moradias do entorno”, define a presidente do JBRJ.

O plano de remoção das edificações ilegais dentro do Jardim Botânico atinge 523 casas (de todas as classes sociais), além de prédios do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) e do Serviço de Processamento de Dados do governo federal (Serpro). Com a remoção, o Jardim ganhará 30% de espaço, cerca de 30 hectares, além de permitir à almejada conectividade com a mata: “É a coisa mais importante para nós, pois com o corredor de Mata Atlântica conseguiremos fazer o que hoje não conseguimos: um bom banco de sementes. Você não pode coletar as sementes sempre das mesmas matrizes porque isso acarreta uma erosão genética natural. É preciso melhorar a coleta de sementes, e isso só vai acontecer quando a gente conseguir fazer essas integrações com as bordas da mata”, diz Samyra.

Internamente, do ponto de vista ambiental, a situação mais grave, segundo Samyra, ocorre ao longo dos rios Iglesias e dos Macacos, que descem do Maciço da Tijuca até o Jardim: “Foram ocupadas as duas margens dos rios. Há também a localidade conhecida como Grotão, que é a parte com as moradias mais pobres e tem muito lixo. Lá, há uma cachoeira, e todo um comércio informal que se desenvolve em torno dela no verão, com a venda de comidas e bebidas”, conta. O objetivo do JBRJ é reverter a contaminação de seus recursos naturais: “A nossa água, que vem do Maciço da Tijuca e alimenta nossos lagos, e que deveria ir para nossos bebedouros, está cheia de coliformes fecais. A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) fez ligação de rede na maior parte das casas, só que é impossível evitar os ‘puxadinhos’ quando as famílias vão aumentando, e as novas casas não têm ligação com a rede de esgoto”.

Por conta da convivência com as ocupações, o JBRJ teve até que fugir de sua especialidade e executar também em um projeto de proteção da fauna local, rica em animais selvagens por conta da proximidade com a mata: “A maioria dos moradores têm gatos e cachorros, e os mantêm ostensivamente. É comum, por exemplo, que gatos comam filhotes de pássaros em seus ninhos. Temos até um coelho, criado por um morador, que volta e meia come todas as ervas de nosso canteiro medicinal. São pequenos exemplos de uma convivência insustentável”, diz Samyra.

O Aqueduto da Levada, uma das joias históricas que será reaberta à visitação do público. Foto: Cláudia Lopes/JBRJ.
O Aqueduto da Levada, uma das joias históricas que será reaberta à visitação do público. Foto: Cláudia Lopes/JBRJ.

Referência

Mesmo com as dificuldades impostas pela impossibilidade de expansão de sua área, o JBRJ é hoje a maior referência do país quando o assunto é biodiversidade. Entre as importantes iniciativas das duas últimas gestões – o antecessor de Samyra Crespo foi o ex-secretário estadual de Meio Ambiente do Rio, Liszt Vieira – estão a criação do Herbário Virtual e a publicação do Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas da Flora Brasileira, que traz a avaliação dos riscos enfrentados por 4.617 espécies nacionais e já baseias diversas políticas públicas de conservação da flora.

Samyra informa que o Herbário Virtual já conta com 500 mil amostras digitalizadas de plantas brasileiras que podem ser consultadas on-line por qualquer pessoa: “O Livro Vermelho e o Herbário Virtual são instrumentos para que o Brasil possa cumprir a meta da Convenção sobre Diversidade Biológica, que é ter um mapeamento total da flora do Brasil até 2020”, diz. Outra iniciativa neste sentido é o projeto de repatriamento de plantas brasileiras, a partir de acordos com o Kew Gardens, de Londres, e o Jardin des Plantes, de Paris: “Temos também o registro on-line com toda a descrição dessas plantas e suas características”, diz.

A atuação do JBRJ tem caráter nacional, pois o órgão é responsável pela certificação dos 43 outros jardins botânicos do Brasil, para os quais desenvolve estudos financiados pelos recursos do Funbio (Fundo Brasileiro da Biodiversidade). Atualmente, estão em curso estudos sobre o primeiro modelo de contabilidade de emissões de carbono e de sumidouros em jardins botânicos e sobre a capacidade de suporte de um jardim botânico em termos de administração e também de massa florestal. Além disso, pesquisadores do Instituto realizam regularmente expedições científicas para a coleta de espécies raras: “Temos agora uma expedição nas montanhas da Amazônia”, diz Samyra.

Novidades

No dia 6 de junho, o Jardim Botânico do Rio inaugurará novidades, como um novo Centro de Visitantes adaptado às plataformas digitais e alimentado por energia eólica, um portal bilíngue (português-inglês) de informações, um novo bicicletário e banheiros reformados. Além disso, começarão a operar 67 câmeras de segurança em pontos estratégicos do jardim e cinco novos carros elétricos, o que dobrará a atual frota.

Outra novidade será o “Jardim Virtual”. Tablets que serão disponibilizados gratuitamente aos visitantes, com informações sobre o parque e suas plantas e sugestões de roteiros de passeio, além de aplicativos para smartphones e tablets com informações e interações sobre os diversos aspectos do JBRJ. As mudanças anunciadas por Samyra Crespo incluem ainda um projeto de memória, com a criação de roteiros históricos associados aos 450 anos do Rio e a reforma de obras do Mestre Valentim instaladas no Jardim, e também a criação de uma curadoria de alto nível que terá o objetivo de repensar as coleções vivas do jardim de forma a obter uma maior representatividade das espécies oriundas dos biomas brasileiros.

 

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