Reportagens

Convenção sobre biodiversidade global ainda busca seu momento no centro das atenções

A Convenção da Biodiversidade é tão importante quanto a de Mudanças Climáticas – que ocorre neste momento na Polônia –, mas ainda recebe muito aquém da atenção merecida

Isabel Esterman ·
6 de dezembro de 2018 · 5 anos atrás
A Conferência de Biodiversidade da ONU, que sediou a COP da CBD, bem como reuniões sobre tratados relacionados, teve como slogan “Investindo na biodiversidade para as pessoas e o planeta”. Imagem de Isabel Esterman / Mongabay.
  • Delegados do governo e conservacionistas de todo o mundo se reuniram no mês passado em Sharm el Sheikh, no Egito, para a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 14).
  • Especialistas dizem que a Convenção da Biodiversidade é tão importante quanto a de Mudanças Climáticas – que ocorre neste momento na Polônia –, mas ainda recebe muito aquém da atenção merecida.
  • A COP de Sharm el-Sheikh focou principalmente nos preparativos para 2020, considerado como prazo-limite para atingir as atuais metas de biodiversidade, e na data da próxima Conferência da Biodiversidade.
  • Os resultados da COP de 2018 incluem o progresso no desenho de uma estrutura para o desenvolvimento de um novo plano global de biodiversidade, bem como acordos sobre as conexões entre saúde, gênero e biodiversidade.

 

SHARM EL SHEIKH, Egito — Enquanto os legisladores, os cientistas da área de conservação e a mídia global se preparavam para participar das conversações climáticas da ONU na Polônia, as discussões sobre outro tratado global relacionado ao meio ambiente estavam silenciosamente chegando ao fim no Egito.

Mais de 8.000 delegados de todo o mundo reuniram-se no resort do Mar Vermelho de Sharm el-Sheikh, de 13 a 29 de novembro, para discutir a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, um tratado global que entrou em vigor há 25 anos.

O timing para a reunião foi crítico. Faltam apenas dois anos para cumprir o conjunto de metas de biodiversidade acordadas em 2010 pelos 196 signatários do Plano Estratégico para a Biodiversidade: um acordo destilado nas Metas de Aichi, programa de 20 proposições que visam proteger a vida terrestre e marinha e os habitats, a partir da expansão de áreas protegidas, reforma de políticas públicas, conscientização, e realização de um trabalho que possa garantir acesso equalitário aos benefícios sociais e econômicos para as populações provenientes de ecossistemas intactos.

A conferência foi lançada em meio a uma notícia decepcionante sobre o estado da flora e da fauna do mundo. O mais recente “Relatório do Planeta Vivo” do WWF, publicado no final de outubro, indica que as populações vertebradas globais tiveram um declínio geral de 60% entre 1970 e 2014. O “Relatório Especial sobre Aquecimento Global de 1.5ºC”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, também lançado em outubro, destacou os terríveis efeitos das mudanças climáticas. Um mês depois, a Avaliação Nacional de Mudança Climática, emitida por cientistas nos Estados Unidos, ilustrou como tais consequências já estão ocorrendo nos ecossistemas norte-americanos.

“Não alcançaremos as metas climáticas se não protegermos, por exemplo, as florestas do mundo”, disse Jonathan Baillie.

“Se não agirmos, logo poderemos alcançar pontos de inflexão que podem causar destruição irreversível à natureza e, finalmente, à humanidade”, disse Cristiana Paşca Palmer, secretária-executiva da Convenção sobre Biodiversidade, em um comunicado para marcar a abertura da conferência.

Especialistas argumentam que proteger a biodiversidade é fundamental tanto para a saúde geral do meio ambiente como para o progresso humano. “Não alcançaremos as metas climáticas se não protegermos, por exemplo, as florestas do mundo”, disse Jonathan Baillie, cientista-chefe da National Geographic Society. “E não alcançaremos as várias metas econômicas e as metas de desenvolvimento mais longas, se não mantivermos a infraestrutura básica do planeta e os sistemas de suporte à vida dos quais todos os outros componentes da sociedade dependem”.

E, no entanto, apesar dessa urgência, a biodiversidade recebe uma fração da cobertura dedicada às mudanças climáticas: um oitavo, de acordo com uma análise recente da cobertura da mídia. Essa discrepância se reflete na atenção do público para as Convenções sobre Clima e Biodiversidade.

“A convenção sobre biodiversidade recebe muito menos atenção do que deveria, dada sua real importância. Temos muitas pessoas prestando atenção ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, ou às convenções sobre mudanças climáticas e ao tipo de resultados imediatos nos quais eles estão se concentrando. Mas todas elas dependem da Convenção sobre Biodiversidade”, disse Baillie.

Por que a falta de atenção?

Uma conferência de imprensa durante a Conferência de Biodiversidade da ONU. Em comparação com as COPs climáticas, a COP da biodiversidade atraiu pouca atenção da mídia. Imagem de Isabel Esterman / Mongabay.

Os participantes da conferência apontam uma série de causas para o baixo perfil proporcionado a este acordo marcante na proteção da diversidade da vida no planeta. “Eu acho que começa basicamente pelo nome: Convenção sobre Biodiversidade”, disse Baillie. “A maioria das pessoas não sabe o que é biodiversidade. Então, só isso já torna difícil para as pessoas entenderem o que está acontecendo lá, por que pode ser importante, e por que talvez um jornalista possa ou não querer cobri-lo”.

Baillie acrescenta que não ajuda o fato de que a ciência esteja apenas começando a compreender verdadeiramente as complexas relações entre as várias formas de vida e como essas interações moldam a biosfera.

“Eu acho que é porque as pessoas não entendem o valor da biodiversidade. Eles acham que é um complemento ou algo que pode ser aproveitado. É apenas outra coisa. Não é algo que eles considerem como ‘esta é a nossa estrutura de vida’, disse Jamison Ervin, gerente do Programa Global do PNUD sobre Natureza para o Desenvolvimento. “Eu também acho que não estamos fazendo com que o argumento moral seja forte o suficiente. Nós ainda não evoluímos como uma cultura global, para entender que não podemos perder a vida na Terra. É isso”.

Também observa-se a relativa falta de influência das delegações de governo enviadas para a conferência, uma sensação de que eram apenas “ministros do meio ambiente conversando entre si e frustrados”, disse Kaisa Pietilä, pesquisadora em biodiversidade e políticas públicas na Universidade de Sheffield, Reino Unido.

“Eu acho que é porque as pessoas não entendem o valor da biodiversidade. Eles acham que é um complemento ou algo que pode ser aproveitado. É apenas outra coisa. Não é algo que eles considerem como ‘esta é a nossa estrutura de vida’”, disse Jamison Ervin, gerente do PNUD.

“Os representantes governamentais que estão aqui são os Ministérios do Meio Ambiente, que são as ‘irmãs adotivas’ dos governos”, disse Ervin. “Eles não são poderosos, são um lugar para onde são enviados os benfeitores crônicos, como eu e outros, e acabam não tendo a mesma influência ou poder que os Ministérios da Agricultura, do Turismo, da Indústria…”.

Embora a conferência tenha acontecido fora dos holofotes, aqueles que compareceram se sentiram positivos sobre o que foi alcançado – e, talvez mais importante, o que pode vir a ser alcançado na COP de 2020 em Pequim, quando os governos se reunirão para estabelecer uma nova agenda global para a biodiversidade.

“Acho que o desafio no passado foi que a Convenção sobre Biodiversidade estabeleceu metas que realmente não podemos medir”, disse Baillie. “Então, por exemplo, quando as metas de 2010 foram definidas, foi ‘reduzir a taxa de perda de biodiversidade’, e na verdade não a conhecíamos, o que dificultou um pouco”.

Sem definições e métricas claras e ferramentas acessíveis para acompanhar o progresso, era virtualmente impossível responsabilizar os governos pelos compromissos que assumiram. Agora, disse Baillie, tecnologias como o mapeamento por satélite, bem como melhores inventários do status de espécies ameaçadas, tornam tal responsabilidade possível. “Isso, para mim, é realmente emocionante”.

Na COP de Sharm el-Sheikh, houve um progresso significativo na promoção de discussões para a COP de 2020, particularmente na determinação do processo pelo qual os governos devem desenvolver um novo “Acordo Global pela Natureza” em Pequim, disse Brian O’Donnell, diretor da Campanha pela Natureza da Fundação Wyss.

Participantes dão uma olhada em uma demonstração de realidade virtual no estande da Costa Rica na Conferência de Biodiversidade da ONU em Sharm el Sheikh. Imagem de Isabel Esterman / Mongabay.

Cientistas, organizações ambientalistas, comunidades indígenas e outras partes interessadas terão várias oportunidades para contribuir com o plano climático pós-2020, disse O’Donnell. “Eles montaram um processo e alguns detalhes que eu acho que a maioria das pessoas estão felizes”.

Os participantes também notaram que, em comparação com COPs anteriores, a conferência de Sharm el Sheikh assistiu o aumento do protagonismo dos povos indígenas, jovens e outros grupos marginalizados. Também foram alcançados acordos sobre políticas de gênero e vinculação da saúde e biodiversidade.

Esse otimismo, no entanto, foi temperado em alguns setores pela frustração com a natureza pesada do próprio processo decisório.

“Acabei de vir de uma sessão de análise da biodiversidade e do clima, e houve uma discussão de 40 minutos sobre duas palavras”, disse Pooven Moodley, diretor executivo da ONG Justiça Natural. “As palavras eram ‘preocupadas’ e ‘profundamente preocupadas’, sobre o atual estado do clima do planeta. E os países estavam argumentando que não deveríamos dizer ‘profundamente preocupados’, que ‘preocupados’ estava bem. Para mim, era absolutamente ridículo que os países pudessem passar 40 minutos discutindo uma palavra”.

Moodley disse que o ritmo da discussão pareceu lento, mesmo em comparação com as COPs climáticas que ele havia observado. “É difícil, mentalmente e com o coração, pensar como poderíamos ficar presos em palavras quando o mundo está queimando. Para mim, é quase como tentar reorganizar as cadeiras do Titanic quando o navio está afundando. Acho muito perturbador que estejamos com esta mentalidade ”.

“Há apenas uma compreensão esmagadora de que não temos muito tempo, de que estamos perdendo a natureza cada vez mais rápido, que o processo está acelerando, e não sabemos o que fazer a respeito”, disse Ervin. “Essas convenções não estão funcionando rápido o suficiente. Eles estão embrutecidos, eles são ossificados – e, no entanto, catalisam decisões que os governos são então autorizados a promulgar dentro de seus países. Mas o ritmo de mudança de decisões e o ritmo da perda de biodiversidade não estão no mesmo passo. Estamos perdendo a batalha”.

Um “Momento Paris” para a biodiversidade

Por enquanto, as esperanças estão fixadas na COP de 2020, em Pequim. Os conservacionistas estão esperando por um “Momento Paris”, uma referência à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2015, quando a liderança global se uniu em torno do objetivo claro e fácil de limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius (3,6 graus Fahrenheit) em relação aos níveis do período pré-industrial.

Um compromisso similar é necessário para a biodiversidade – realmente, para a natureza – dizem os conservacionistas. Isso requer uma meta com a qual todos possam concordar, onde haja a liderança e a vontade política de realizá-la, e o financiamento para que isso aconteça.

O fato de que a próxima COP seja organizada pela China, um dos principais contribuintes para a perda de biodiversidade, aumenta as apostas. “O governo chinês tem a chance de liderar, ter um ‘momento de Pequim’”, disse Ervin. “Será que eles farão isso? Depende se reconhecem ou não seu papel no desmatamento, e se estão ou não dispostos a reconhecer seu papel no comércio ilegal de vida selvagem, daí pode ser que sejam capazes de estimular a comunidade global”.

Tradução: Nanda Melonio.

 

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Comentários 2

  1. D.O.U. seção 2 diz:

    Conferindo o Diário Oficial, sempre os mesmos viajando pra lá e pra cá pra esses eventos de gala


    1. Carlos Magalhães diz:

      Pois é, como se o homem pudesse fazer alguma coisa contra ou em prol do tal "aquecimento global"…