Análises

O desafio de restaurar florestas queimadas na Amazônia

Iniciativa combina ciência, saberes e gestão ambiental para restaurar florestas queimadas na reserva extrativista Tapajós Arapiuns

Ima Vieira · Cassio Alves Pereira · Jackeline Nóbrega Spínola ·
3 de novembro de 2022 · 2 anos atrás

As florestas da Amazônia na atualidade encontram condições perfeitas para a ocorrência de incêndios: a extração ilegal de madeira, o avanço do desmatamento e as mudanças climáticas ajudam a tornar a ocorrência de queimadas mais frequentes. 

Uma vez derrubada a floresta, o material combustível disposto em solo, como folhas e galhos, pode ser facilmente desidratado e incendiado. 

A propagação do fogo ocorre a partir da borda da floresta e, dependendo da gravidade e recorrência, o fogo pode causar a destruição de metade das árvores de grande porte e a maioria das árvores pequenas. 

Degradação pelas chamas

O fogo como um fator de degradação da floresta amazônica tem implicações importantes, a depender das escalas crescentes de queimadas no bioma. Por exemplo, a degradação florestal provocada por queimadas e extração de madeira aumentou 359% na região em 2022, e somente em setembro, 96% da área degradada ocorreu no Mato Grosso (74%) e no Pará (22%). Como a floresta amazônica não é adaptada a incêndios, uma floresta queimada pode até continuar de pé, mas perde a sua capacidade de prover serviços ecossistêmicos e estará mais suscetível a novos incêndios. A médio prazo, a Amazônia perde sua capacidade de bioma resiliente.

Vários contextos associados à expansão do fogo envolvem populações tradicionais e as florestas, como o caso das Reservas Extrativistas (RESEX) que já são atingidas por megaincêndios. Na região do Rio Tapajós, 2,5 bilhões de árvores e cipós morreram em seca e incêndios de 2015, dando origem a milhares de hectares de florestas degradadas. Neste mesmo período, na Reserva Tapajós Arapiuns, o fogo destruiu cerca de 1.600 ha e causou danos ao patrimônio, à subsistência e ao modo de vida das populações tradicionais e indígenas beneficiárias deste território.

Soluções emergenciais envolvem capacitações, medidas de prevenção, fortalecimento de brigadas de incêndio e o monitoramento das ações ilegais, além da proteção das comunidades tradicionais e de alerta sobre os impactos na saúde da população. Mas essa situação traz outra preocupação: é possível restaurar as florestas que foram queimadas?

Compreender a dinâmica do ecossistema pós-incêndio ajuda a prever a capacidade de regeneração de uma área queimada e elaborar estratégias de restauração. É neste contexto que iniciativas de pesquisa estão sendo desenvolvidas na RESEX Tapajós Arapiuns, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e Instituto Iniciativa Amazônica (INIAMA) e apoiadas pelo ICMBio, CNPq e ICS, com estudos sobre a regeneração natural pós fogo, os efeitos socioambientais dos incêndios florestais e de modelos de restauração, integrando a ciência da ecologia da restauração com o conhecimento tradicional. 

Para serem eficazes, as iniciativas que envolvem comunidades, devem envolvê-las desde o início promovendo a sua liderança, assim como os seus conhecimentos e prioridades. Neste sentido, usamos a abordagem de restauração biocultural, baseada na compreensão do processo de regeneração natural e do contexto socioecológico da RESEX. 

A partir da discussão de um Plano de Recuperação, houve um pacto de ação coletiva e a concepção de um modelo de restauração fundamentado no manejo da regeneração natural + enriquecimento florestal, com estabelecimento de Unidades Experimentais Demonstrativas (UEDs) de restauração florestal de 25 hectares, em duas aldeias da etnia Tupinambá (Muratuba e Jauarituba). As ações envolveram a formação e a capacitação de grupos de restauradores, a implantação das UEDs, o manejo da regeneração natural e o plantio de mudas de espécies de valor sociocultural e econômico, os tratos culturais e o monitoramento. 

O grande desafio desse modelo de restauração é controlar espécies indesejáveis altamente inflamáveis, manter regenerantes e adultos de espécies nativas dominantes nas florestas e enriquecer com espécies de interesse das comunidades, que garantam a diversidade taxonômica e funcional das florestas. Os resultados são promissores, considerando o potencial de regeneração natural, baixa mortalidade e crescimento satisfatório das plantas introduzidas. Vislumbra-se a restauração dos serviços socioambientais prestados pelas florestas, com geração de renda e desenvolvimento local.

Para dar escala à restauração, as condições ecológicas, de mercado, políticas, sociais e institucionais, que criam um contexto de restauração favorável, devem estar disponíveis e o papel do ICMBio é primordial para isso. Recentemente, este órgão estabeleceu, as bases para fomentar programas de coletas de sementes em UCs visando a restauração de paisagens e ecossistemas ou de recuperação populacional de espécies ameaçadas, por meio da Instrução Normativa Nº 6/GABIN/ICMBIO, de 3 de maio de 2022, a qual define, ainda, as comunidades tradicionais e suas instituições representativas como proponentes prioritários para iniciativas e projetos voltados à comercialização de sementes e mudas. Além desta regulamentação, estratégias que preveêm o monitoramento participativo da biodiversidade (Programa MONITORA), aliado a continuada capacitação em boas práticas para o manejo integrado do fogo, a longo prazo permitem prevenir a ocorrência de desastres ambientais e avaliar as condições de estabilidade de importantes indicadores biológicos, como o status de conservação de mamíferos e aves por exemplo. 

Temos a convicção que o desenvolvimento de um processo de construção coletiva e de troca de conhecimentos e saberes como o que está sendo conduzido na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, através da integração e inclusão social, tem o potencial de transformar florestas degradadas pelo fogo em florestas sociais de uso múltiplo, empoderar as organizações comunitárias e ampliar o seu protagonismo em projetos socioambientais na Amazônia.
Nota 

1 –  Este artigo tem como base os resultados parciais do projeto “Recuperação de áreas degradadas por incêndios florestais em comunidades/aldeias da Resex Tapajós-Arapiuns, oeste do Pará” apoiado pelo CNPq/PREVFOGO-IBAMA (edital 33/2018) e envolve as entregas relativas à iniciativa Restaurando a Mata, apoiada pelo Instituto Clima e Sociedade. Os projetos são realizados em parceria com as organizações Tapajoara, Conselho Indígena Tapajós Arapiuns-CITA e Conselho Indígena Tupinambá do Baixo Tapajó- CITUPI e associações de moradores das aldeias Muratuba e Jauarituba. 

As opiniões e informações publicadas nas sessões de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Ima Vieira

    Pesquisadora do Museu Emilio Goeldi-MPEG e assessora da Repam-Brasil

  • Cassio Alves Pereira

    Mestre em Agronomia pela Universidade Federal Rural da Amazônia, diretor-executivo do Instituto Iniciativa Amazônica.

  • Jackeline Nóbrega Spínola

    Engenheira florestal, mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia e Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

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