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O Conama é um must

Representatividade e funções do Conama devem ser revistas para que ele atenda ao sistema legislativo ambiental. Algumas regulamentações são inconstitucionais.

15 de julho de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

A matéria da semana passada suscitou uma polêmica que, na minha opinião, foi excessiva tantas foram as manifestações prós e contras. Acredito que o grande responsável pelas correspondências tenha sido o tema: as atribuições do Conama. Ora, na época em que se fala em malas voadoras, grana viva originada de dízimos e outros temas heterodoxos, não restam dúvidas de que o Conama é um must. De fato, para o bem e para o mal, ele é o centro de nosso precário sistema ambiental e merece ser debatido e aprofundado por todos aqueles que se preocupam com o meio ambiente e a sua proteção.

O Conama é um órgão com funções relevantes, mas que, infelizmente, tem sido utilizado como uma válvula de escape para o Congresso Nacional que, ante as imensas atribuições, não tem tempo para se dedicar a estruturar uma legislação ambiental coerente. Veja-se por exemplo a lei complementar para estabelecer os critérios para a fixação das leis gerais, no caso das competências concorrentes. O mesmo vale ao que se refere à legislação sobre delegação de atribuições, quando se tratar de legislação privativa. Muitos outros exemplos podem ser citados. O Poder Executivo, não raras vezes, se utiliza de Resoluções do Conama para dispor sobre matéria reservada à lei, tais como a imposição de obrigações a particulares. Posso citar a questão da chamada responsabilidade pós-consumo. Assim, por meras resoluções, o Conama pretende impor obrigação do recolhimento de pilhas e baterias. É claro que o recolhimento é importante, contudo, é uma matéria estritamente legal. Não é assunto contemplado no artigo 8º da Lei nº 6.938/81:

Art. 8º Compete ao CONAMA:
I – estabelecer, mediante proposta da SEMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pela SEMA;
II – determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.
III – decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pela SEMA;
IV – homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental; (VETADO);
V – determinar, mediante representação da SEMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de fiananciamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Parágrafo único. O Secretário do Meio Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente do Conama.

Aliás, muitos pontos do artigo acima transcrito são claramente inconstitucionais, como por exemplo, a parte final do inciso I (supervisionar os Estados). Não há na lei 6.938/81 nenhuma referência à composição do Conama; motivo pelo qual não poderia ter havido uma “regulamentação” quanto à composição do Conselho. Esta matéria deve ser tratada por lei.

A chamada “representatividade” do Conselho é questionável, na medida em que as entidades nele presentes têm s sua indicação baseada em um decreto que, por melhores que sejam as intenções que o originaram, não foi fruto de uma escolha da soberania popular. Por que os escoteiros não estão representados no Conama? Por que os Clubes de Alpinismo não estão representados no Conama? Por que os clubes de caça não estão no Conama? E os surfistas? Por que as ongs ambientalistas estão? A presença ou ausência no Conama depende única e exclusivamente da vontade de quem elaborou o decreto que “regulamentou” a composição do Conselho e dos grupos de interesse que tiveram força para se fazer representar em sua composição. Assim, penso que a “democracia” do Conama é mais um mito do que uma realidade palpável.

O Conama chega ao cúmulo de ter conselheiros “convidados”, sem direito a voto, como é o caso do MP e do Poder Legislativo. Ora, o Legislativo não pode estar representado no Executivo, pelo simples fato de que os Poderes são independentes. O mesmo se diga em relação ao MP que somente poderia estar presente no Conselho com autorização legal.

Muitas outras questões podem ser apontadas. O fato é que já é hora de que lei estabeleça a composição do Conselho e que as suas atribuições sejam revistas, sob pena que, mediante a edição de Resoluções de legalidade discutível se determine que boi voe. E todos nós sabemos que o “Boi ainda dá bode. Boi, realmente, não pode voar à toa. É fora da lei. É fora do ar.” O que voa nos dias de hoje é mala de dinheiro.

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